A preocupação mundial em relação aos recursos naturais torna-se cada vez mais crescente e requer de todos nós uma maior atenção e adequação, especialmente em relação ao uso eficiente desses recursos. Segundo dados da ONU, do total de água existente no planeta, cerca de 97,50% é salgada. Dos 2,5% restante, 70% é gelo e apenas 0,007% está à disposição do homem. Deste reduzido valor de 0,007% acessível, 70% é utilizado pela agricultura, 20% pelas indústrias e o restante para o abastecimento humano. Cerca de 1,2 milhões de pessoas, aproximadamente 20% da humanidade, não possui água para uma vida normal, 3,4 milhões de pessoas na maior parte crianças, morrem de doenças contraídas pela água e 2,2 milhões morrem de diarréia associada à falta de água ou devido à água poluída. Dados da OMS mostram que, no Brasil, a contaminação da água e a falta de saneamento respondem por 63% das internações pediátricas e 30% da morte de crianças com menos de um ano de vida. Em relação ao saneamento, segundo dados do IBGE, 77,8% dos domicílios brasileiros possuem abastecimento com água tratada, 62,2% possuem coleta de esgoto, mas somente 11% dos domicílios rurais possuem coleta de esgoto. No Brasil, segundo o Anuario Estatístico de América Latina y el Caribe, há somente 35% de saneamento rural, situação que coloca nosso país numa das últimas colocações na América Latina e Caribe, à frente somente de Bolívia e Haiti.
Embora o Brasil possua cerca de 13% de toda a água doce do planeta e do Estado do Tocantins possuir uma boa disponibilidade de água, estando situado entre duas das maiores bacias hidrográficas do país, a bacia Araguaia-Tocantins, a distribuição é desigual, tanto de mananciais quanto da própria água da chuva da região, que cai somente de outubro a abril, ficando de maio a setembro praticamente sem chuva e deixando a maioria dos produtores dependentes desse regime hídrico. A existência dessas duas estações bem definidas e a incidência de veranicos na estação chuvosa, associados à baixa fertilidade natural dos solos, são as principais dificuldades enfrentadas para o aproveitamento agrícola intensivo da região, sugerindo, portanto a prática da irrigação como tecnologia adequada para possibilitar produção na entressafra.
Apesar de uma parcela significativa da população do Estado ser essencialmente rural, e 60% ser de agricultores familiares, existe uma carência muito grande dessas alternativas tecnológicas adequadas às condições socioeconômicas desses agricultores, fazendo com que os mesmos subsistam à custa de métodos ineficientes de produção agropecuária. Tal situação decorre do fato de que as pesquisas desenvolvidas geralmente não têm levado em consideração os sistemas de produção adotados pelos agricultores, geralmente oferecendo tecnologias por produto, que sugerem o uso intensivo de insumos modernos e de capital, que são escassos para o pequeno agricultor e descaracterizam a forma de uso da mão-de-obra que, em geral, é de origem familiar. O desenvolvimento da agricultura familiar deve começar com o conhecimento das necessidades dos produtores e da forma como eles as percebem, baseando-se nos seus próprios sistemas de produção.
Dessa forma devemos pensar em desenvolver tecnologias que permitam a captação, armazenamento e preservação da água e seus mananciais, além de preservação dos recursos naturais e tecnologias ambientalmente corretas. Tecnologias adequadas e imediatas que viabilizem esse uso racional podem ser propostas e implementadas, tais como as que promovam captação das águas de chuva, além do aproveitamento, tratamento e reuso da água e de efluentes sanitários, observando-se a importância do uso racional de água, recursos naturais e resíduos na agricultura.
Na busca dessas alternativas tecnológicas de baixo custo, uma parceria entre UFT, Campus de Gurupi e a Embrapa Cerrados, em conjunto com a Cooperativa de Prestação de Serviços, Assistência Técnica e Extensão Rural – COOPTER e a Universidade Regional de Gurupi – UNIRG, propuseram ações alternativas adaptadas aos problemas de determinadas comunidades de pequenos agricultores. De modo cooperativo e participativo na busca do desenvolvimento sustentável, propuseram a experimentação de alternativas tecnológicas para a melhoria dos sistemas de produção agropecuária em uso pelos agricultores familiares, centrando sua atenção inicial na obtenção, conservação e manejo da água. O projeto está utilizando metodologias participativas, com envolvimento dos membros do assentamento nas decisões a serem tomadas. Tal metodologia consiste, essencialmente, nas seguintes etapas: Diagnóstico da situação das unidades familiares e de seus sistemas de produção; Proposição de melhorias tecnológicas para os sistemas de produção; Validação de alternativas tecnológicas, gerenciais e organizativas dos principais sistemas de produção identificados. Assim, optou-se pela instalação de 3 Cisternas de Placa, para captação de água chuvas, 10 fossas sépticas biodigestoras e 10 cloradores, acompanhados da instalação de pequena horta de 500 m2, irrigada por um sistema localizado de aplicação de água.
Todas as tecnologias propostas são de baixo custo e visam melhorar o sistema de produção. As cisternas de placa atendem lotes que geralmente têm problemas com a água no período de seca da região, pois não possuem córregos nem represas ou, quando possuem córregos, esses secam nessa referida época. As fossas sépticas biodigestoras, já são utilizadas em vários locais do Brasil, sendo uma alternativa para produção de adubo orgânico proveniente dos resíduos sanitários, que passam por processo de biodigestão, oferecendo um produto de excelente qualidade, a custo praticamente zero. Água mais resíduo sanitário que iria poluir o solo e mananciais, pela precariedade do saneamento básico, são reaproveitados, de forma limpa, racional, econômica, acessível e sustentável.
Experimentos com milho, feijão, e algumas hortaliças, já estão sendo implementados, para geração de dados que dêem embasamento científico a essa tecnologia na nossa região. Observações dos próprios produtores atestam à eficiência do adubo em fruteiras e hortaliças o que gerou uma grande aceitação, ajudando a dirimir eventuais desconfianças iniciais, e levando outros produtores a buscarem informações e possível adoção das tecnologias propostas. Esperamos então que alguns ganhos sejam efetivados no final do projeto: melhor aproveitamento da água e resíduos, com conseqüente melhoria na qualidade de vida das famílias envolvidas; melhoria no sistema de produção, através de produção na época seca; técnicas de plantios adequadas, com ganho em produtividade; drástica diminuição no uso de insumos químicos, que oneram os custos de produção; melhoria na renda, através da viabilização da produção e venda de alimentos em época de entressafra e adoção das tecnologias propostas por outros agricultores da região.
Pesquisadora da Embrapa Cerrados / UEP-TO
Professor do curso de agronomia da UFT / Campus de Gurupi
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