Uma análise das doenças da soja na safra 2017/18
Por Carlos Alberto Forcelini, Eng. Agr., Ph.D. em Fitopatologia, Professor Titular da Universidade de Passo Fundo (RS) e consultor da divisão agrícola da Bayer
As bactérias estão sempre presentes na superfície das plantas e dos animais. Retiradas as devidas exceções, esta situação representa uma condição de risco natural que as plantas de culturas agrícolas estão sujeitas quando instaladas no campo. Ocorre que uma das características mais importantes que bactérias associadas às plantas apresentam é o fato de desenvolverem-se de forma epifítica, isto é, permanecem na superfície das plantas, nutrindo-se de seus exsudatos naturais, sem produzir qualquer sintoma visível, mas podem se aproveitar de algum tipo de condição ambiental favorável, como o excesso de umidade, para penetrarem nas plantas e começarem um processo infeccioso. Esta é uma característica especialmente relevante para Pseudomonas syringae pv. syringae, o agente causal da doença conhecida no Brasil por queima da folha de trigo, uma das duas doenças bacterianas relatadas no país como causadoras de danos importantes em lavouras.
A outra espécie bacteriana descrita como sendo causadora de danos elevados na cultura do trigo no Brasil é Xanthomonas translucens pv. translucens, agente causal de um quadro sintomatológico diferenciado, ou seja, produz sintomas tanto em folhas como em espigas de trigo. Quando atinge a folha, causa o sintoma conhecido por estria bacteriana ou mancha estriada. Quando ataca as espigas produz o sintoma denominado de espiga preta, sendo que existe o termo “black chaff”, em inglês, que é internacionalmente consagrado para se referir a esse tipo de sintoma na espiga. Embora em menor número que os já realizados com P. syringae pv. syringae, existem trabalhos bem estabelecidos que demonstram que X. translucens pv. translucens também se desenvolve de forma epifítica e que este recurso e/ou estratégia é importante para a sua sobrevivência e, posterior, infecção em plantas de trigo. Nas condições brasileiras tem-se observado que os sintomas causados por X. translucens pv. translucens em lavouras de trigo têm ocorrido com mais frequência em regiões mais quentes do país. No entanto, mesmo no Rio Grande do Sul, esporadicamente ocorrem surtos epidêmicos da doença, embora seja um estado de clima mais frio em relação a regiões como o norte do Paraná e o sul de São Paulo, onde a ocorrência da doença tem sido muito mais frequente.
Queima da Folha de Trigo
Pseudomonas syringae pv. syringae
Pseudomonas syringae pv. syringae é uma bactéria que, praticamente, está sempre presente na superfície das folhas de plantas de trigo. Vive epifiticamente, especialmente nas folhas localizadas na parte superior das plantas. Assim, o simples isolamento dessa bactéria a partir de plantas de trigo não significa que esteja ocorrendo um processo infeccioso. Por outro lado, os surtos epidêmicos da queima da folha de trigo são esporádicos, e esta condição deve ser uma das razões pelas quais não se têm informações consistentes sobre o dano que a doença produz na cultura do trigo.
Sintomas
Os sintomas iniciais da queima da folha de trigo, geralmente, aparecem próximo ao início do espigamento, nas folhas superiores, e sob a forma de numerosas e pequenas manchas aquosas. Após dois ou três dias, estas lesões se expandem e coalescem (juntam-se), formando lesões maiores, acinzentadas e de aspecto desidratado. Nas Figuras 1A e 1B é possível verificar esse tipo de sintoma. Quando a umidade é elevada, exsudatos bacterianos, eventualmente, podem ser observados em tais lesões.
Epidemiologia
A bactéria tem um número muito grande de espécies hospedeiras o que inclui milho, sorgo, macieira, pessegueiro, diversas plantas daninhas e muitas outras espécies. Sobrevive nestas plantas, predominantemente, de forma epifítica. As condições ambientais que favorecem a doença são temperaturas amenas (15ºC a 25 °C) e alta umidade relativa. Sob temperaturas entre 15ºC a 18°C, combinadas com alta umidade, em 2010, foi observado um surto epidêmico da doença no Rio Grande do Sul. Na Figura 2 são apresentados os dados de temperatura e umidade registrados em Passo Fundo naquele período. Todas estas circunstâncias confirmam as indicações de que a presença do patógeno não representa o aspecto mais importante para o desenvolvimento de infecções causadas por P. syringae pv. syringae. Condições ambientais favoráveis, representadas especialmente por temperatura e umidade, é que são determinantes para o desenvolvimento da bactéria e o aparecimento dos surtos epidêmicos.
Controle
Uma alternativa para o controle da doença é o uso de cultivares resistentes. Entretanto, devido à sua condição de ocorrência esporádica, os programas de melhoramento de trigo no Brasil não têm utilizado procedimentos rotineiros de avaliação de seus genótipos em resposta à doença. Dessa forma, não existem informações consistentes sobre a reação das cultivares brasileiras de trigo à queima da folha. Apesar disso, durante o surto epidêmico que ocorreu em 2010, no Rio Grande do Sul, verificou-se que existem diferenças consideráveis entre as cultivares atualmente utilizadas no Brasil em relação à reação à doença.
Estria Bacteriana ou Mancha Estriada da Folha
Xanthomonas translucens pv. translucens
Esta bactéria sobrevive em sementes, que são os principais agentes disseminadores deste patógeno, condição esta que representa um problema para intercâmbio internacional de germoplasma. Os danos no rendimento na cultura do trigo causados por X. translucens pv. translucens podem variar de 8% a 40%.
Sintomas
Nas folhas, os primeiros sintomas aparecem como pequenas manchas ou estrias lineares, marrons claras e aquosas. Nos estágios iniciais, a lesões se desenvolvem longitudinalmente entre as nervuras, após podem se expandir e coalescer, produzindo manchas marrom-acinzentadas de forma irregular. Nas Figuras 3A e 3B é possível observar os sintomas causados pela estria bacteriana em folhas de trigo. Em condições de alta umidade, um abundante crescimento bacteriano aparece na forma de exsudato (gotículas viscosas).
A espiga preta (“black chaff”) refere-se ao escurecimento das espigas e, também, das hastes das espigas. Estrias escuras, lineares e aquosas nas glumas são os principais sintomas. Estas lesões nas glumas podem coalescer. Em ataques severos, os grãos podem se tornar manchados e enrugados. Existem, pelo menos, dois tipos de sintomas de natureza abiótica que podem ser confundidos com os sintomas da espiga preta causados por X. translucens pv. translucens. Um é o melanismo, e o outro é o “pseudo-black chaff”. O melanismo é um processo de concentração do pigmento preto nas espigas e suas hastes, sendo causado, muito provavelmente, devido à combinação de fatores genéticos e de adaptação ambiental. O “pseudo-black chaff” representa a expressão fenotípica de genes de resistência à ferrugem do colmo (Sr2) quando a planta é submetida a algum tipo de estresse.
Epidemiologia
O patógeno sobrevive tanto interna como externamente às sementes, mas sua principal localização é externa. Sabe-se que a taxa de transmissão do patógeno das sementes para parte aérea é baixa, embora não seja conhecida a dimensão que essa baixa taxa de transmissão possa representar no desenvolvimento dos surtos epidêmicos da doença. A bactéria pode sobreviver por um longo período nas sementes armazenadas. Existe alguma controvérsia sobre quanto é exatamente esse período. A variação nesse sentido é de 36 meses a 81 meses, mas todos os trabalhos confirmam que a população bacteriana nas sementes vai sendo reduzida à medida que o tempo de armazenagem aumenta.
Xanthomonas translucens pv. translucens sobrevive no solo, em diversos hospedeiros alternativos, sementes e restos culturais. No entanto, atribui-se às sementes o papel de mais importante fonte de inóculo primário para a doença. Água livre na superfície das plantas permite a dispersão do patógeno na folha, aumentado o número de lesões. A bactéria entra pelos estômatos e multiplica-se no tecido parenquimático. A chuva e o vento encarregam-se de dispersá-la pela lavoura, a partir dos exsudatos bacterianos formados nas lesões das folhas e glumas. A bactéria também tolera uma ampla faixa de temperaturas, que vai de 15ºC à 30 0C, mas, dentro dessa faixa, desenvolve-se melhor quando a temperatura está acima de 260C. Sabe-se que a temperatura tem um impacto significativo sobre as epidemias da doença. A multiplicação do patógeno nos tecidos foliares é diretamente dependente da temperatura, sendo que condições do ar seco (Umidade Relativa <30%) não limitam o progresso da doença.
Controle
A utilização de sementes livres da bactéria deve ser vista como a principal medida para evitar a entrada de X. translucens pv. translucens na lavoura. O sucesso dessa medida depende do controle da origem da semente, que deve ter sido produzida em lavouras onde não se constatou a presença de sintomas da bacteriose. Além disso, as sementes produzidas em tais lavouras devem ser submetidas a testes de sanidade que também comprovem a ausência de contaminações com X. translucens pv. translucens. A rotação com culturas não suscetíveis à bactéria é uma estratégia importante para o controle da doença. Nesse sentido, as espécies de plantas de culturas agrícolas passíveis de infecção virulenta da bactéria, cuja confirmação já ocorreu, são as seguintes: aveia, centeio, cevada, trigo e triticale. A utilização de cultivares resistentes à bacteriose também é uma pratica indicada, embora se considere que a maioria das informações disponíveis sobre a reação das cultivares à doença não sejam consistentes.
As bactérias e o frio
As baixas temperaturas registradas durante o inverno também podem produzir efeitos negativos à cultura do trigo não somente sob a forma de geadas durante a floração. Esses efeitos podem ser verificados especialmente nas folhas onde se observa manchas claras e translúcidas. Apesar desse tipo de dano ser essencialmente de origem abiótica, relacionado a um fenômeno físico que ocorre na natureza, já foi comprovado que a sua ocorrência conta com a participação efetiva de alguns microrganismos. No trigo, os principais agentes biológicos associados com esse quadro sintomatológico são as chamadas bactérias nucleadoras de gelo. Tais bactérias representam uma porção da comunidade de bactérias epífitas que naturalmente habitam a superfície das folhas em regiões de clima temperado, geralmente sem parasitar as plantas, mas que potencializam a ação prejudicial do frio e/ou geadas. Ocorre que, embora o gelo derreta à 0 0C, a água líquida e pura, sob certas condições, pode atingir temperaturas de até –400C sem se solidificar. Normalmente a água permanece líquida até a –100C, entretanto existem vários tipos de partículas no ambiente, entre as quais, as bactérias epífitas, que podem servir de núcleo de orientação das moléculas de água e proporcionar o seu alinhamento em cristais de gelo sob temperaturas não tão baixas. O efeito nocivo provocado pelos cristais de gelo, formado pelo congelamento da água presente nos espaços internos e externos das células das plantas, se deve ao rompimento que essas estruturas provocam em membranas celulares, causando a perda do conteúdo interno e morte das células. Nesse sentido, já foi comprovada a ação nucleadora de bactérias como Pseudomonas fluorescens, Erwinia herbicola e de variantes (patovares) de P. syringae, que conseguem catalisar a formação de gelo em temperaturas próximas a –2 0C. Algumas bactérias, como P. syringae pv. syringae e X. translucens pv. translucens, além de exercerem ações de parasitismo sobre as plantas são ativas no processo de nucleação de gelo. Além disso, existe a possibilidade destas bactérias aproveitarem os ferimentos nas células vegetais, provocados pela formação dos cristais de gelo, como um meio de acesso ao interior das plantas passando, então, a atuar como agentes infecciosos. Todas estas circunstâncias indicam que a maior sensibilidade das plantas de trigo, à ação das geadas ou das baixas temperaturas, depende da densidade e diversidade de bactérias presentes na sua superfície.
O artigo está presente na edição 189 da Cultivar Grandes Culturas.
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