Por definição, a tecnologia de aplicação de defensivos é o emprego de todos os conhecimentos científicos que proporcionem a correta colocação do produto biologicamente ativo no alvo, em quantidade necessária, de forma econômica e com o mínimo de contaminação de outras áreas. Por envolver conhecimentos em diferentes campos, muitas vezes é reduzida a adoção de volume de calda por hectare, ou quando muito a volume associado a tamanho de gotas especificado. Entretanto, quando se pergunta a técnicos ou a produtores, não quantos l/ha se utilizam, mas o porquê da utilização daquele volume, as respostas quase sempre são “não sei” ou “porque este é o mais usual”. Quase nunca os volumes empregados tomam por referência avaliações ou testes preliminares de cobertura, deposição e controle. Apesar da pouca importância atribuída, o volume de água para aplicação de defensivos é hoje um dos principais itens na composição do custo operacional do tratamento fitossanitário.
A cana-de-açúcar não é exceção a esta regra. Apesar das grandes áreas e da qualidade das máquinas empregadas, principalmente pelas usinas, o mais comum é que os volumes utilizados na aplicação de herbicidas sejam préfixados, independentemente de todos os fatores envolvidos, em volumes que variam de 200l/ha a 300l/ha. Quando se busca o porquê disso, ou mesmo parâmetros básicos à correta regulagem dos equipamentos (como qual a cobertura do solo necessária para que os herbicidas consigam expressar adequadamente seu potencial de controle), tais respostas não são encontradas. O fato de o volume de aplicação (l/ha) não ter influência direta no resultado biológico - uma vez que a quantidade de água por unidade de área tem a finalidade única de diluir, transportar e facilitar a distribuição do ingrediente ativo sobre a superfície alvo (solo, palha ou planta), com a cobertura necessária - simplesmente não é considerado no processo de regulagem. Dessa forma, principalmente em épocas de preços
mais baixos, a redução do volume na aplicação de herbicidas, aumentando a capacidade operacional dos equipamentos, pode ser ferramenta essencial na redução dos custos da aplicação, além do ganho ambiental associado ao menor consumo da água. Provar isso tem sido o objetivo do Programa de Valorização da Água em Pulverizações Agrícolas (Provar), parceria entre o Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico (CEA/IAC), a Basf e usinas de cana-de-açúcar de São Paulo.
Para comprovar a possibilidade de redução nos volumes de água na aplicação de herbicidas em cana-de-açúcar e possíveis limites a esta redução, o CEA/IAC, em parceria com a Faculdade Doutor Francisco Maeda (Fafram), de Ituverava (SP), e a Usina Buriti, em Buritizal (SP), desenvolveu em 2007 um ensaio preliminar. O objetivo foi avaliar as interferências do volume de calda (50 l/ha, 100l/ha, 150l/ha e 200l/ha) e do tamanho de gotas (grossa, muito grossa e extremamente grossa) sobre a deposição, a cobertura e a uniformidade da pulverização proporcionadas pela aplicação de cobre sobre amostradores colocados no solo plantado com cana-de-açúcar. Os resultados mostraram que, quando se analisa a deposição, ou seja, a quantidade de produto por cm2 de solo, volumes acima de 50 L/ha não são justificáveis para aplicação de herbicidas em cana-de-açúcar para qualquer dos tamanhos de gotas avaliados, uma vez que não apresentaram resultados significativamente
melhores. Nestas situações, os coeficientes de variação das amostras sobre a barra também foram bastante baixos, entre 3,86% a 7,67%, representando uma adequada uniformidade da deposição. Por outro lado, como era de se esperar, a cobertura (% do solo coberta pela pulverização) foi influenciada pelo tamanho da gota e pelo volume de aplicação, variando entre 4,97% e 34,64%. Portanto, uniformidade e deposição não se mostraram problema, restando responder à seguinte pergunta: qual a cobertura do solo (cana queimada) ou da palha (canacrua) necessária para que os herbicidas consigam expressar adequadamente seu potencial de controle?
Para buscar resolver tal pergunta, o CEA/ IAC e a Basf apresentaram em 2008 o Programa de Valorização da Água em Pulverizações Agrícolas (Provar), a ser desenvolvido no período de 2008 a 2010 para avaliar a interferência de diferentes volumes de água sobre a eficácia e a capacidade operacional da aplicação de herbicidas em cana-de-açúcar. No seu primeiro ano, os ensaios foram realizados em áreas comerciais de seis usinas parceiras no estado de São Paulo (Usina Buriti, Usina Colorado, Usina Santa Elisa Vale, Usina da Pedra, Usina São Martinho, Usina Cruz Alta).
Em todos os campos montados, os equipamentos de pulverização foram os mesmos utilizados pelas usinas para as aplicações nas áreas comerciais. Empregaram-se os volumes: mínimo possível aplicado pelo pulverizador (70l/ha a 80l/ha), 100l/ha, 150l/ha, 200l/ha e o padrão da usina (250l/ha ou 300l/ha). As condições-padrão, bem como os tratamentos adotados em cada um dos ensaios, são descritos na Tabela 1. Na determinação dos tratamentos, o modelo da ponta de pulverização e a classe de
tamanho de gotas utilizada não foram alterados em relação ao padrão adotado pelas usinas, tendo-se empregado para regulagem dos diferentes volumes somente a alteração da vazão e pressão das pontas. A menor pressão considerada na determinação do mínimo volume de aplicação foi de 1,5bar, uma vez que com pressões próximas a 1,0bar podem ocorrer falhas na pulverização (por estar muito próxima à pressão de abertura do antigotejante, podendo o sistema não funcionar de forma adequada, interferindo assim negativamente na qualidade de aplicação). Também, pontas que utilizem peneiras malhas 100 não foram consideradas por elevar o risco de retenção
de produtos nos filtros, o que prejudica a eficácia operacional.
As aplicações foram realizadas no “Início” (junho-julho), “Meio” (agosto-setembro) e “Final” (outubro-novembro) da safra e as condições ambientais monitoradas (mas não controladas), buscando representar as condições reais de aplicação. O Plateau (imazapic) foi padronizado como o herbicida adotado em todas as áreas (para que não se constituísse em mais uma fonte de variação), com doses entre 140g/ha em mistura e 240g/ha, de acordo a textura do solo e a comunidade infestante de plantas daninhas. Cada tratamento, representado por um volume de pulverização, foi instalado em um talhão comercial com aproximadamente dez hectares de cana-crua (aplicação sobre a palha) ou queimada (aplicação sobre o solo). Na fase “Início”, em cada tratamento foi deixada uma área testemunha sem aplicação com a extensão da barra de
pulverização de largura por 10m de comprimento. Nas demais fases, três áreas semelhantes foram deixadas como testemunhas, a fim de se avaliar as plantas daninhas presentes. Um resumo dos dados de cada área pode ser observado nas Tabela 2 (Início), Tabela 3 (Meio) e Tabela 4 (Final).
Para possibilitar a análise da cobertura do solo e, posteriormente, relacioná-la com o controle, seis papéis hidrossensíveis foram colocados sob a barra na área aplicada, sendo três sob a barra direita e três sob a barra esquerda do pulverizador. Após a amostragem, os papéis foram armazenados em sacos de papel devidamente
identificados e encaminhados ao laboratório para análise da cobertura. No laboratório, os papéis hidrossensíveis trazidos do campo foram digitalizados por meio de “scanner” e as imagens assim obtidas analisadas através do software de análise de imagem Idrisi, para determinação da porcentagem de cobertura em função do contraste de cores, conforme método desenvolvido e avaliado pelo CEA/IAC. Uma amostra das coberturas obtidas nos diferentes tratamentos pode ser observada na Figura 1. Pelos dados obtidos (Tabela 5), a cobertura do solo variou de 8,34% a 51,81%, o que permitiu relacionar controle com uma faixa bastante ampla de cobertura.
Às testemunhas e a pontos selecionados foram atribuídas notas percentuais de cobertura total e específica para as espécies aos 30 dias, 60 dias, 90 dias e 120 dias após a aplicação e, quando possível, em função do porte da cultura, também aos 150 dias depois da aplicação. As notas foram atribuídas individualmente por cada um de três observadores, devidamente treinados. Os pontos para avaliação da eficácia dos tratamentos foram escolhidos ao acaso, em número de cinco, no caminhar entre
uma testemunha e outra dentro da parcela, obedecendo à forma W. Os observadores aplicaram uma nota percentual de cobertura geral entre 0% e 100% sobre a comunidade infestante presente na parcela, sendo 0% correspondente à ausência de infestação e 100% à total infestação da área (cobertura geral em relação à área observada). Posteriormente, foram identificadas as cinco espécies mais presentes na parcela e aplicou-se uma nota visual de frequência específica considerando o indivíduo (planta daninha) sendo que a somatória das notas deveria totalizar 100%. Os dados assim coletados foram utilizados para o cálculo da porcentagem de controle.
As avaliações visuais de controle não apresentaram diferenças significativas para qualquer dos volumes, épocas de aplicação ou usina considerados, conforme o exemplificado nas fotos das avaliações aos 120 dias e 155 dias após a aplicação, evidenciando a semelhança entre os tratamentos. Dessa forma, coberturas do solo
de até 8,34%, como as obtidas na avaliação de cobertura, foram suficientes para a máxima eficácia do herbicida utilizado. Deve-se destacar que o Plateau é um produto de alta solubilidade e portanto com elevada capacidade de redistribuição na solução do solo e de penetração na palha. Tal cobertura talvez não se aplique a herbicidas de solubilidade muito baixa.
Durante toda a operação, com a finalidade de possibilitar a comparação econômica em função da adoção dos diferentes volumes considerados, foram coletados os tempos referentes ao abastecimento do pulverizador com a calda, às manobras nos carreadores para esgotamento do tanque de pulverização, ao necessário para deslocar do abastecimento até a área, além de medido o comprimento do talhão. Os dados operacionais médios das três fases são descritos na Tabela 6. O ganho na capacidade operacional, calculada com base no tempo necessário para se pulverizar um ha, foi analisado considerando-se a seguinte fórmula:
As capacidades operacionais e as porcentagens de ganhos operacionais obtidos nas três fases, considerando-se os dados médios coletados em cada usina, alterando-se apenas o volume de aplicação, são apresentadas nas Tabelas 7 e 8, respectivamente. Observa-se que as capacidades operacionais não são muito diferentes entre as usinas, exceto para a Cruz Alta e a Pedra, que já adotam o sistema de calda pronta, com tempos de abastecimento e de deslocamento para abastecimento bastante reduzidos.
No entanto, em todas, o ganho na capacidade operacional foi significativo, variando entre 4,18% e 29,80%.
A análise conjunta dos dados mostrou que o herbicida Plateau, aplicado com volumes de até 65l/ha, com cobertura do solo de até 8,34%, controlou as plantas daninhas de forma eficiente na cultura da cana-de-açúcar quando aplicado no “Início”, “Meio ou “Final” de safras. Apesar da não interferência no controle, a adoção de menores volumes de água pode representar para as usinas reduções no custo operacional da aplicação (que variam de 4,18% a 29,80% do total investido).
Para que se possa possibilitar a análise do que tais resultados podem representar no custo operacional da aplicação de herbicidas, consideremos uma usina que possua 30 mil hectares de cana-de-açúcar (área média aproximada das usinas parceiras), utilizando 200l de calda/ha com um tanque com capacidade de 1.400l, a um custo operacional de R$ 30,00 por ha. Supondo que esta usina resolva não adotar o menor volume possível (por ser muito técnico e próximo do limite do equipamento), mas o de 100l/ha, a redução média chega a 17% no seu custo operacional (desempenho obtido nos dados do Provar). Tal opção representaria para a usina, sob diferentes
aspectos, a economia de 3.000.000 de litros de água, ou 2.143 tanques, ou ainda R$ 143.000,00 (30.000 ha x R$ 30,00/ha x 17%) de redução no custo operacional por safra.
Os resultados do Provar apresentados referem-se apenas ao primeiro ano de avaliações e em maio de 2009 iniciaram-se as aplicações do segundo ano, com os mesmos
parceiros. Para esta nova fase, como única diferença, definiu-se trabalhar apenas com cana-crua, uma vez que esta é a tendência da canavicultura brasileira. Confirmando- se os resultados obtidos, o Provar vem confirmar os ganhos ambientais e econômicos passíveis de serem obtidos pelo adequado investimento em tecnologia de aplicação, servindo como modelo de trabalho para diferentes culturas e condições de aplicação.
Hamilton Humberto Ramos,
Kiyoshi Yanai,
Caio Eduardo Pínola,
Eduardo Pedrosa,
Rodrigo Soares Ferreira e
Willian Garofo Amim,
CEA/IAC
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