Pequena praga branca

Por Francisca N. Pedrosa Haji, Embrapa Semi-Árido

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A tomaticultura é amplamente difundida em todo o mundo e no Brasil é uma das atividades agrícolas bastante tecnificadas e de grande importância sócio-econômica. É, também, hospedeira de um grande número de pragas, cujos danos ocasionados podem afetar diretamente a produção e indiretamente pela transmissão de vírus. Dentre as pragas que atacam o tomateiro, a mosca-branca é uma das mais importantes e de ocorrência mais recente neste cultivo.

As moscas-brancas são insetos que medem, aproximadamente, 2 mm de comprimento, apresentam aparelho bucal do tipo picador-sugador, metamorfose incompleta (ovo, ninfa e adulto) e possuem dois pares de asas membranosas recobertos por uma substância pulverulenta de cor branca. Quando em repouso, as asas são mantidas levemente separadas, com os lados paralelos, podendo-se visualizar o abdome. Os adultos são ágeis e ativos, voam quando molestados e podem se dispersar pelo vento, tanto a curta como a longa distância. O vôo é realizado, principalmente, no período da manhã e a migração ocorre de culturas infestadas para áreas recém transplantadas.

A reprodução é sexuada ou partenogenética (sem fecundação). Na reprodução sexuada, a prole será de machos e fêmeas e na partenogenética, só machos. Cada fêmea pode ovipositar de 100 a 300 ovos durante sua vida. Os ovos têm coloração amarela, formato de pêra e são colocados na face inferior das folhas, presos por um curto pedúnculo. As ninfas são translúcidas, exibem coloração amarela a amarelo-claro e possuem quatro ínstares. Apenas no primeiro ínstar, após a eclosão, as ninfas se locomovem sobre a folha onde ocorreu a postura e, por meio do rostro, se fixam, succionando a seiva. A duração do ciclo de vida da mosca branca varia de acordo com a espécie, sendo a temperatura um dos fatores mais determinantes. A 32 ºC, o ciclo é de, aproximadamente, 19 dias, podendo a 15oC, atingir 73 dias. Sob condições favoráveis, essa praga pode apresentar de 11 a 15 gerações por ano. Em Petrolina (PE), sob temperatura de 25 ± 0,5 ºC e umidade relativa de 76 ± 2 %, a duração média do período de ovo até a emergência do adulto da mosca branca foi de 20,5 ± 11 dias, na cultura do tomate.

As moscas-brancas pertencentes ao gênero Bemisa são as de maior importância econômica e as mais amplamente distribuídas e estudadas em todo o mundo. São polífagas e colonizam cerca de 506 espécies de plantas, entre cultivadas, silvestres e ornamentais, propiciando condições favoráveis à sua reprodução e manutenção de altas populações, sem interrupção de seu ciclo biológico.

As infestações dessa praga têm constituído sérios problemas, tanto nas áreas agrícolas irrigadas como dependentes de chuvas, podendo atingir elevadas populações, desenvolver resistência aos inseticidas e, de modo muito rápido, gerar novos biótipos. A sua distribuição ou mudança de status está estreitamente relacionada à expansão do monocultivo da maioria das espécies de importância econômica, às condições dos sistemas agrícolas modernos, ao uso intensivo e indiscriminado de agrotóxicos e à grande facilidade de adaptação aos diversos hospedeiros, podendo ser encontrada em áreas tropicais, subtropicais e temperadas. Períodos quentes e secos favorecem a dispersão e o desenvolvimento da mosca branca, condições nas quais se verifica a ocorrência de surtos.

Primeiros relatos

No Brasil, embora os primeiros relatos sobre mosca-branca (Bemisa spp.) datam de 1923. Os primeiros registros sobre foram feitos em 1968, em São Paulo e em 1972/73, no Paraná e São Paulo. No início da década de 90, B. tabaci ressurgiu em São Paulo, ocasionando sérios prejuízos a inúmeras culturas de importância econômica. O rápido aumento da população desta praga, principalmente em olerícolas e plantas ornamentais no estado de São Paulo, levou à constatação de que um novo biótipo de mosca branca, biótipo B ou B. argentifolii, tinha sido introduzido no Brasil. Em 1993, no Distrito Federal, os primeiros surtos de B. argentifolii ocorreram em tomate industrial e pepino e, em 1995, 80% dos plantios comerciais de tomate para mesa apresentavam sintomas de viroses causadas por mosca branca.

Na cultura do tomate, uma das mais severamente atingidas pela mosca branca, com elevadas perdas econômicas, esta praga pode ocasionar dois tipos de danos: direto, pela sucção da seiva, ninfas e adultos provocam alterações no desenvolvimento das plantas, na qualidade dos frutos e redução da produtividade, ação toxicogênica e liberação de secreções açucaradas, favorecendo o desenvolvimento de fumagina sobre os frutos e folhas, reduzindo o processo fotossintético das plantas; e indireto, pela transmissão de vírus, principalmente os pertencentes ao grupo geminivírus.

Os danos diretos podem ser externos, causados pela ação toxicogênica do inseto, provocando anomalias ou desordens fitotóxicas, caracterizadas pelo amadurecimento irregular dos frutos, dificultando o ponto de colheita, reduzindo a produção e, no caso do tomate industrial, a qualidade da pasta; e internamente, os frutos apresentam-se esbranquiçados, com aspecto esponjoso ou “isoporizados”. Nos danos indiretos, a ação dos vírus, de uma forma geral, apresenta sintomatologia característica. A base dos folíolos adquire, inicialmente, uma clorose entre as nervuras, evoluindo para um mosaico amarelo. Posteriormente, os sintomas se generalizam, as folhas tornam-se coriáceas e com intensa rugosidade, podendo ocorrer o dobramento ou enrolamento dos bordos para cima. Estas alterações implicam na redução do processo fotossintético e crescimento das plantas, seca e necrose parcial das folhas, floração reduzida, descoloração dos frutos e baixo grau brix, resultando em perdas consideráveis no rendimento da cultura, ou até em perdas totais se a infecção ocorrer nos estádios iniciais de desenvolvimento das plantas, que corresponde a, aproximadamente, 35 a 45 dias após o transplante das mudas.

Transmissão do geminivírus

A mosca branca, ao se alimentar do floema, extrai aminoácidos e carboidratos necessários à sua sobrevivência. Este tipo de alimentação especializada faz com que esta praga seja muito eficaz em adquirir e transmitir vírus associados aos tecidos vasculares das plantas, como é o caso do geminivírus. A relação mosca-branca x geminivírus é do tipo persistente-circulativo, ou seja, a mosca branca adquire o vírus durante o processo de alimentação e este circula no seu corpo até atingir as glândulas salivares. A mosca branca adulta ao se alimentar em uma planta sadia, juntamente com a saliva inocula o vírus no tecido vascular da planta, onde este se multiplica. De acordo com o tipo e as condições ambientais, o vírus se mantém incubado por um período que pode variar de quatro a vinte horas, estando, então, a praga apta a transmitir o geminivírus por um período de dez ou de vinte dias, em casos excepcionais. Para insetos vetores de vírus, como a mosca branca, tripes e pulgões, apenas um adulto por planta é suficiente para que a incidência do vírus seja de 100% em condições de campo, podendo provocar perdas totais.

Na região Nordeste, as primeiras constatações da mosca branca na cultura do tomate, ocorreram no Sub-médio do Vale do São Francisco, no final de 1995, nos municípios de Juazeiro e Casa Nova (BA) e Petrolina (PE), em níveis populacionais bastante elevados. Com a mesma explosão populacional, esta praga, em 1996, se disseminou nos municípios de Sobradinho e Sento Sé (BA), com danos diretos bastante expressivos, chegando em algumas áreas, a provocar perdas totais. Nos perímetros irrigados em Petrolina, B. argentifolii ocasionou grandes prejuízos e restrição da área de cultivo dessa olerícola, com a constatação, no final de 1996, da incidência de geminivírus. No ano seguinte, B. argentifolii atingiu todas as áreas produtoras de tomate industrial e para consumo “in natura”, dos estados da Bahia e Pernambuco.

Segundo informações da Emater-PE, em Petrolina, a área de tomate programada para 1996 foi de 9.855 ha e a implantada, de 8.811 ha, que corresponde a uma redução de 11%; na produtividade, as perdas foram em torno de 30%. No ano agrícola de 1997, de acordo com dados fornecidos pelas indústrias processadoras de tomate dessa região, a redução da área de tomate foi em torno de 50% e a produtividade média foi de 30 t/ha. Mais de 200 ha de tomate implantados nos três primeiros meses deste mesmo ano foram totalmente perdidos devido ao ataque da mosca branca infectada com geminivírus.

No Ceará, a mosca-branca B. argentifolii foi observada pela primeira vez em junho de 1996, na região do Baixo Jaguaribe, dispersando-se no ano seguinte, para a maioria dos municípios deste Estado, provocando perdas, na cultura do tomate, de até 90%. No Piauí, a mosca branca foi detectada pela primeira vez no tomateiro, em 1997, destruindo todos os cultivos desta olerícola em Teresina e Nazária. Atualmente, essa praga encontra-se disseminada em quase todo o país.

Controle da praga

O controle da mosca-branca B. argentifolii torna-se difícil, em função de esta praga atingir níveis populacionais elevados, possuir grande plasticidade genética para desenvolver biótipos, adaptar-se a condições novas ou adversas, apresentar potencial biótico elevado, ter um grande número de hospedeiros, ser vetora de geminivírus, possuir grande capacidade para desenvolver resistência aos inseticidas e movimentar-se constantemente entre plantas da mesma área, entre áreas cultivadas e entre hospedeiros. Para o seu manejo na cultura do tomate, devem ser utilizadas as seguintes medidas:

1. Evitar, sempre que possível, o plantio no período seco;

2. plantar sorgo ou milho em torno da cultura, como barreira física à entrada da praga, de forma perpendicular à direção dominante do vento;

3. usar sementes de material resistente ao geminivírus, com boa qualidade e alto poder germinativo;

4. produzir mudas longe de áreas infestadas por mosca branca e contaminadas com geminivírus;

5. proteger a sementeira com tela anti-afídeos;

6. utilizar mudas sadias e vigorosas;

7. aplicar inseticidas nas mudas, antes do transplante;

8. transplantar as mudas após 21 dias da semeadura;

9. aumentar a densidade de plantas e eliminar, posteriormente, aquelas com sintomas de viroses;

10. manter a cultura isenta de plantas daninhas;

11. usar armadilhas amarelas, untadas com cola, óleo e graxa, visando o monitoramento ou redução da população de adultos;

12. utilizar inseticidas de baixa toxicidade, visando a preservação e atuação dos inimigos naturais;

13. aplicar a dosagem recomendada pelo fabricante e a quantidade de água adequada (observar o pH), dirigindo o jato da aplicação de baixo para cima, de modo a atingir a face inferior das folhas;

14. pulverizar, sempre que possível, no horário entre 6:00 e 10:00h ou a partir das 16:00h;

15. usar bicos e equipamentos adequados, com boa pressão e bem regulados;

16. alternar o uso de princípios ativos com modos de ação e grupos químicos diferentes, como: fosforados, carbamatos, piretróides, reguladores de crescimento, óleos (0,5 a 0,8%) e detergentes (0,8%);

17. em caso de dúvida, consultar o agrônomo responsável pela assistência técnica ou a instituição de pesquisa mais próxima.

Por Francisca N. Pedrosa Haji, Embrapa Semi-Árido

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