Nos últimos 30 anos, a produção de grãos no Brasil mais que triplicou. No caso do milho, a produção passou de 19 milhões de toneladas para as 58 milhões produzidas em 2007/08, enquanto a área cultivada com esse cereal aumentou somente de 12 milhões de hectares para 14 milhões de hectares. Concomitantemente, a produtividade média nacional passou de 1.631 kg/ha para 4.131 kg/ha. Muitos municípios da região Centro-Sul já atingiram produtividades entre 6.000 kg/ha e 8.400 kg/ha e alguns produtores já conseguem produzir comercialmente até 16.000 kg/ha. Esses ganhos tecnológicos permitiram que, nos últimos 15 anos, a produção de carne de frango aumentasse mais de 6 vezes, enquanto a produção de carne suína mais que dobrou.
Os ganhos de eficiência nessas cadeias produtivas foram possíveis graças à capacidade empresarial e gerencial dos produtores rurais, que adotaram as tecnologias mais modernas disponibilizadas pela ciência. Entre essas, se destacam o plantio direto, a correção e fertilização do solo, as técnicas de manejo integrado de plantas invasoras, doenças e insetos-praga e a crescente adoção de sementes melhoradas com alta capacidade produtiva. Observa-se que os híbridos simples passaram a dominar o mercado de sementes e que as tecnologias embutidas nas sementes são as mais facilmente adotadas pelos produtores. Esse é o caso das sementes transgênicas que, no caso do milho, foram amplamente adotadas em outros países grandes produtores de milho (Estados Unidos e Argentina), nossos principais competidores nos mercados internacionais.
Nas lavouras de milho, as perdas causadas por pragas constituem fator limitante para se obter altas produtividades. A lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) é a principal praga da cultura do milho no Brasil, causando severos prejuízos. O ataque na planta ocorre desde a sua emergência até o pendoamento e o espigamento; porém, o período critico é o florescimento. As perdas devido ao ataque da lagarta podem reduzir a produção em até 34%. Levantamento realizado entre cerca de 1.100 agricultores que produzem mais de 8.000 kg/ha mostrou que, dentre as lavouras amostradas, 15% receberam de 4 a 5 aplicações de inseticidas e 6% receberam de 6 a 8 aplicações para o controle de pragas.
Outros levantamentos recentes, realizados pela Embrapa Milho e Sorgo, mostraram que em algumas regiões o número de aplicações de inseticidas para o controle da lagarta-do-cartucho pode chegar a 10. Além disto, não existe método eficiente de controle químico para pelo menos duas outras importantes espécies: a lagarta-da-espiga e a broca-do-colmo.
Híbridos transgênicos com a tecnologia Bt podem reduzir, significativamente, os prejuízos causados por essas espécies, conforme foi observado neste primeiro ano de uso, com um aumento de 15 a 20% na produtividade. Além da redução das perdas diretas causadas pelos danos das lagartas na espiga, que podem atingir até 30%, outras vantagens do uso do milho Bt incluem a redução da aplicação de agrotóxicos, a comodidade para o produtor, a diminuição da incidência de micotoxinas e, consequentemente, a oferta de alimentos mais saudáveis para humanos e criações.
Coexistência
Uma das preocupações com o uso do milho Bt está na coexistência entre lavouras transgênicas e lavouras não-transgênicas. A coexistência é o conjunto de práticas agrícolas que permite aos agricultores a produção de grãos oriundos de cultivos convencionais, transgênicos e orgânicos de acordo com padrões de pureza e atendendo às obrigações legais para rotulação. A adoção das regras de coexistência é fundamental para preservar a liberdade de escolha dos produtores e dos consumidores. Coexistência é também um tema especialmente relevante quando existe incentivo de mercado para o fornecimento de milho não-transgênico. Uma evidência de sua viabilidade prática é a coexistência de um número considerável de diferentes variedades de polinização aberta ainda em uso.
No Brasil, a presença de OGMs (organismos geneticamente modificados) acima de 1% nos produtos comercializados obriga a rotulagem indicativa de conteúdo transgênico. Como os OGMs aprovados para comercialização pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) são considerados seguros para uso humano, animal e ambiental, a definição de coexistência não incorpora aspectos de biossegurança.
A presença adventícia de milho transgênico pode ser causada pelo fluxo gênico e pela mistura de grãos durante a colheita, o transporte e o processamento. Sendo o milho uma planta alógama, o fluxo gênico ocorre principalmente pela dispersão do pólen pelo vento, já que o papel dos insetos nesse processo é considerado muito pequeno.
Uma quantidade muito grande de estudos já foi conduzida em vários países para se determinar as distâncias mínimas para coexistência. Esses trabalhos, normalmente conduzidos sob condições que facilitam contaminações adventícias, apontam que o grão de pólen, por ser grande e pesado, tem uma velocidade de deposição rápida. Isso faz com que 98% desses grãos de pólen se depositem num raio de 25 a 50 m da origem. Observações em lavouras de milho Bt realizadas no Canadá mostraram que, a 100 m da fonte, todo o pólen já havia sido depositado. Por outro lado, existem na literatura relatos de que pequenas quantidades de pólen podem cruzar com outras cultivares a até 800 metros de distância, mas essa contaminação adventícia, em lavouras acima de 2 hectares, não é capaz de atingir o nível de 1% como estabelece a lei brasileira.
No estabelecimento de distâncias de isolamento para fins de coexistência, três princípios, lastreados em bases científicas, devem ser considerados:
1 - adequação: pelas normas brasileiras, a distância entre plantios OGMs e não-OGMs deve ser suficiente para impedir presença adventícia acima de 1%;
2 - proporcionalidade: significa que as medidas preventivas devem ser proporcionais aos incentivos pecuniários existentes para a coexistência, evitando-se a imposição de regras que inviabilizem economicamente o plantio de OGMs;
3 - razoabilidade: as distâncias para isolamento dos campos devem ser suficientes para permitir a coexistência em níveis compatíveis com as regras legais de presenças adventícias e não serem excessivas, impedindo a liberdade de escolha para plantios de OGMs.
Norma de coexistência
A norma de coexistência do milho Bt com cultivares não-Bt, estabelecida pela CTNBio no Brasil, exige para plantios comerciais isolamentos de 100 m ou de 20 m de distância mais 10 fileiras de milho não-Bt, com híbrido de igual porte e ciclo. Embora não previsto nas normas da CTNBio para plantios comerciais, o espaçamento temporal (30 dias) entre lavouras, que é utilizado pelo setor de produção de sementes, é uma medida que pode reduzir ainda mais a possibilidade de cruzamento entre cultivares em lavouras vizinhas e, se negociado entre produtores, poderia ser viável em regiões com predominância de lavouras irrigadas ou de pequenos produtores.
Na Europa, isolamentos dentro dos limites estabelecidos pela CTNBio foram adotados na Suécia (15 m para milho forragem e 25 m para milho grão), na Holanda (25 m para milho forragem e 50 m para milho grão), na Espanha e na França (50 m), na República Tcheca (70 m) e na Inglaterra (80 m para milho forragem e 110 para milho grão).
É evidente que, na prática, a possibilidade de coexistência depende da adoção das medidas estabelecidas para tal finalidade. Isso implica no diálogo entre produtores vizinhos, no treinamento dos operadores de máquinas e equipamentos e na adoção de boas práticas de produção. A coexistência exige também estrutura e logística para a separação de grãos transgênicos dos não-transgênicos, já que misturas não devem ocorrer também nas etapas de pós-colheita.
Deve-se, finalmente, destacar que a tecnologia do milho Bt tem grande potencial para revolucionar o controle de lagartas e que, devido às dificuldades de controle dessas espécies e à eficácia da tecnologia, espera-se que os produtores passem a aderir rapidamente ao uso do milho Bt. Por outro lado, é necessário o cumprimento rigoroso das normas preconizadas pela CTNBio tanto para a coexistência como para o manejo da resistência usando as áreas de refúgio. A área de refúgio consiste no plantio de 10 % da lavoura utilizando sementes não-Bt para permitir a sobrevivência de insetos susceptíveis à toxina do Bt, reduzindo a chance de cruzamentos entre indivíduos que sobreviveram no milho Bt. Podem ser computadas como área de refúgio as bordaduras de milho não-Bt que fazem parte do isolamento da área de milho Bt para coexistência. A distância entre a área de refúgio e a lavoura Bt deve estar no máximo a 800 m, ou seja, não se deve ter plantas Bt e não-Bt separadas além dessa distância. Além disso, o monitoramento é uma estratégia fundamental para determinar a funcionalidade da tecnologia e para incorporá-la ao Manejo Integrado de Pragas.
Antônio Álvaro Corsetti Purcino, José Magid Waquil, José Carlos Cruz, Jason de Oliveira Duarte, João Carlos Garcia, Simone Martins Mendes
Pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo
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