Medidas fitossanitárias contra planta daninha Amaranthus palmeri

Planta desencadeou uma verdadeira operação de guerra, com medidas sanitárias adotadas na tentativa de erradicá-la

09.06.2020 | 20:59 (UTC -3)

Daninha com grande potencial de prejuízos e alta capacidade de adquirir resistência a herbicidas, Amaranthus palmeri é mais um fantasma a rondar as lavouras brasileiras. Detectada em 2015, no Mato Grosso, esta planta desencadeou uma verdadeira operação de guerra, com medidas sanitárias adotadas na tentativa de erradicá-la.

Amaranthus palmeri é uma planta daninha com grande potencial de prejuízo às culturas, devido à sua velocidade de crescimento, grande produção de sementes, fácil germinação, grande enraizamento, e em especial, a facilidade com que adquire resistência a herbicidas. É uma das plantas daninhas que mais tem causado problemas aos produtores de grão e de algodão dos Estados Unidos e da Argentina.

Em 2015 foi detectada em Mato Grosso, estado em que se desenvolve um programa de erradicação desta planta daninha.

O Instituto Mato-Grossense do Algodão (IMAmt), em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade de Várzea Grande (UNIVAG), desenvolve programa de levantamento de plantas daninhas com resistência a herbicidas em áreas algodoeiras de Mato Grosso, junto a produtores pertencentes à Associação Mato-Grossense de Produtores de Algodão (AMPA) (ANDRADE JUNIOR; GUIMARÃES; CAVENAGHI, 2014). Nesse trabalho foram verificadas plantas do gênero Amaranthus que apresentaram resistência ao glifosato e a herbicidas inibidores de ALS que possuíam características morfológicas de Amaranthus palmeri S. Watson. Essas plantas foram avaliadas e, com suporte em literatura especializada, houve a confirmação de que se tratava de A. palmeri. O fato foi divulgado através da Circular Técnica nº 19 do IMAmt (ANDRADE JUNIOR et al., 2015).

Plantas após o arranquio manual sendo transportadas para a destruição
Plantas após o arranquio manual sendo transportadas para a destruição

Resposta à emergência fitossanitária

Assim que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tomou conhecimento da ocorrência da praga no Brasil, em 19/06/2015 foram tomadas  diversas medidas. Uma delas foi a realização de reunião em Cuiabá, Mato Grosso entre o Mapa, o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (INDEA-MT), e os pesquisadores que relataram ocorrência da planta daninha com o objetivo de se obter mais informações sobre o foco e sobre a espécie;

O foco de ocorrência suspeito foi localizado nos municípios de Ipiranga do Norte e Tapurah, na região médio-norte de Mato Grosso. A partir desta informação foi realizado um levantamento de delimitação, com o estabelecimento de um perifoco com raio de 20 km ao redor das fazendas onde foram feitas as coletas iniciais. Verificou-se que a espécie estava presente em três propriedades vizinhas entre si, ou seja, tratava-se de apenas um foco. As áreas infestadas nestas propriedades foram quantificadas em 10.000 hectares, 500 hectares, e 15 hectares.

Foi realizada a coleta de uma amostra oficial e enviada a laboratório credenciado pelo Mapa, que confirmou tratar-se de A. palmeri.

Enquanto era realizado o levantamento de delimitação do foco procedeu-se também a um inquérito epidemiológico na área para tentar descobrir a via de entrada. A primeira ocorrência da praga foi observada em 2012 pelos funcionários das propriedades, no foco. A distribuição de resíduos de descaroçamento do algodão não curtido, oriundo de áreas com ocorrência da praga, foi um fator importante para a dispersão da espécie em uma das propriedades. Observou-se que a dispersão natural da espécie é baixa, ocorrendo a curta distância. Em 3 anos houve dispersão da espécie em um raio aproximado de 9 km, antes de qualquer ação de controle oficial. Observou-se que colhedoras contribuíram para a dispersão da espécie dentro das propriedades, no foco, evidenciada pela sequência de colheita de talhões e pela ocorrência da planta daninha em faixa, nos talhões. Constatou-se que uma das propriedades, no foco, importou máquinas colhedoras de algodão usadas da Argentina, em 2011, onde a praga A. palmeri está presente. Dai porque se supõe que tenham sido a via de introdução da praga, no Brasil.  

Foi levantada a possibilidade de embargo às exportações de algodão, milho e soja, por países sem ocorrência da praga A. palmeri. Ainda não se verificou nenhuma restrição comercial, mas caso haja a dispersão da espécie no país poderá haver a imposição de barreiras fitossanitárias pela União Europeia, já que o A. palmeri consta da lista de alerta da EPPO.

Os fiscais estaduais do INDEA-MT, que estavam realizando a fiscalização do vazio sanitário da soja, em 2015, foram orientados a fazer o levantamento concomitante de detecção da espécie no estado. Foram enviados aos fiscais a Circular Técnica nº 19 do IMAmt e folheto elaborado com  as características diferenciais desta espécie para facilitar a identificação.  Foram inspecionadas mais de 1.000 propriedades no estado não se constatando a ocorrência de A. palmeri, exceto no foco já identificado.

De posse das informações levantadas foi realizada uma reunião entre Mapa, INDEA-MT, Ampa, Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Federação da Agricultura de Mato Grosso (Famato) e pesquisadores do IMAmt, UFMT e Univag para avaliação dos resultados dos levantamentos e do inquérito epidemiológico, bem como para análise da estratégia de controle, decidindo-se unanimemente pela erradicação da planta daninha, com a definição de medidas fitossanitárias a serem regulamentadas;

No dia 15/07/2015, 26 dias após a tomada de conhecimento da ocorrência da praga pelo MAPA e pelo INDEA-MT, foi publicada a Instrução Normativa INDEA-MT nº 047/2015, que estabelece as normas para contenção e erradicação da praga A. palmeri no estado de Mato Grosso. Esta norma teve como amparo legal a Lei de Defesa Sanitária Vegetal do estado de Mato Grosso nº. 8.589/2006.

Com base na Instrução Normativa INDEA-MT nº 047/2015, os produtores vêm realizando, sob fiscalização do INDEA-MT, supervisão do Mapa e orientação dos pesquisadores do IMAmt, UFMT e UNIVAG, o controle para eliminação da espécie, nas propriedades afetadas. Este trabalho consiste no controle cultural através do arranquio e queima de plantas presentes em cultivos. No controle químico nas culturas da soja, milho e algodão; e no controle mecânico, por meio de capina manual onde for necessário. No controle químico, estão sendo utilizados produtos em pré e pós emergência, com princípios ativos a que A. palmeri é susceptível, intercalando-se os mecanismos de ação. Destaca-se que o controle químico com esses herbicidas viabiliza a erradicação desta praga em larga escala, minimizando a necessidade de arranquio e capina, apesar de aumentar o custo de produção e tornar mais complexo o manejo das culturas.

Em 21/10/2015, foi realizada uma reunião de avaliação do programa de erradicação de A. palmeri com a participação do Mapa, Indea-MT e pesquisadores da Embrapa Soja, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Algodão, Embrapa Agrosilvipastoril, Univag e IMAmt.  Foram analisadas as medidas adotadas e realizada visita à área de foco, onde foram sugeridas medidas corretivas para o controle em uma das propriedades. Com base nessa discussão foram sugeridos ajustes na norma, que após discutido com o setor produtivo resultou na Instrução Normativa Indea-MT nº. 086 /2015, de 04/12/2015;

Desde a edição da Instrução Normativa Indea-MT nº. 047/2015 o orgão tem realizado fiscalização das medidas fitossanitárias estabelecidas para a erradicação dessa praga, através dos fiscais lotados nos municípios do foco.

A Coordenadoria de Defesa Sanitária Vegetal do INDEA-MT tem realizado supervisão das ações de erradicação dessa praga, juntamente com o Mapa, resultando na detecção de alguns casos de descumprimento de medidas fitossanitárias e na determinação de seu cumprimento imediato. Todas as determinações de cumprimento de medidas fitossanitárias têm sido prontamente atendidas pelos produtores.

Os levantamentos de detecção continuam a ser realizados no estado, de modo a se garantir o sucesso do programa. Caso algum outro foco seja detectado, as mesmas ações estabelecidas na normativa vão ser prontamente executadas.

Medidas fitossanitárias federais 

O Departamento de Sanidade Vegetal (DSV) do Mapa tem acompanhado e apoiado as ações realizadas para a erradicação desta planta daninha em Mato Grosso. Paralelo a isso ações estão sendo desenvolvidas para evitar a introdução ou dispersão para outras regiões do país.

Uma das ações consiste no estabelecimento, através de Análise de Risco de Praga, dos requisitos fitossanitários para importação de espécies hospedeiras de países onde ocorre a planta daninha, com sua consequente categorização como quarentenária para o Brasil.

Há alerta e determinação aos demais estados para a realização de levantamento de detecção, para se ter certeza de que o único foco existente, no país, é o de Mato Grosso. Esta atividade é de suma importância na Região Sul, devido à fronteira com a Argentina, onde A. palmeri está presente, e com o Paraguai, devido ao potencial de risco de ocorrência dessa praga naquele país.

Como resultado deste alerta ocorreram ações de prevenção envolvendo parcerias público-privadas, como por exemplo a campanha “Amaranthus palmeri no Paraná: Alerta”, fruto da cooperação entre a Adapar SEAB PR, Sistema Faep, Sistema Ocepar, Embrapa Soja e Mapa, lançada em janeiro de 2016 (GAZZIERO; ADEGAS, 2016). 

Outra medida consiste na identificação e comunicação de laboratórios disponíveis da rede credenciada do Mapa, aptos a fazer a identificação da espécie. Também a solicitação ao Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) do Mapa, para que redobre a atenção em relação à importação de máquinas agrícolas usadas, verificando-se o que dispõe a Instrução Normativa SDA 14/2004;

Elaboração de normativa federal para a praga, de forma a permitir uma ação rápida em caso de novos focos, em especial nos estados que não dispõem de legislação fitossanitária que garanta eficácia no controle do A. palmeri e a construção de normativa federal para exigência de limpeza de máquinas e de implementos agrícolas já utilizados, para o trânsito nacional também compõem o conjunto de ações.

 

Destruição das plantas em fornalha
Destruição das plantas em fornalha

Considerações finais

A dispersão de A. palmeri nas áreas agrícolas de Mato Grosso e no restante do Brasil poderá trazer consideráveis prejuízos aos produtores rurais, tendo em vista que os biótipos encontrados são resistentes ao glifosato e a herbicidas inibidores de ALS. Além do risco de desenvolvimento de resistência a outros mecanismos de ação, poderão ocorrer impactos econômicos, sociais e ambientais para a sociedade como um todo, devido à necessidade de utilização de herbicidas adicionais, à perda de produtividade, ao aumento do custo de produção, ao risco de imposição de barreiras fitossanitárias e à dificuldade do seu controle.

O trabalho conjunto e alinhado do setor público e privado permitiu uma rápida tomada de decisão e a implementação eficaz das ações, que tem  proporcionado sucesso na contenção dessa planta daninha. Observou-se, durante a execução dos trabalhos, que as ações de fiscalização por parte do Indea-MT e de supervisão por parte do Mapa são de fundamental importância para o êxito do programa. Isto reforça a necessidade da elaboração de um arcabouço regulatório nacional atualizado, na área de defesa vegetal, para dar suporte a ações oficiais de controle de pragas.


Dalci de Jesus Bagolin e Omar Roberto da Silveira, Mapa; Rogaciano Araceli C. de Arruda, Cristiano Henrique de Souza e João Batista da Silva, Indea/MT; Dionisio Luiz Pisa Gazziero, Embrapa Soja


Artigo publicado na edição 206 da Cultivar Grandes Culturas.

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