Uso de cultivares resistentes, semeaduras antecipadas, cuidados com a nutrição das plantas e o uso adequado de fungicidas estão entre as medidas para enfrentar esta enfermidade de difícil controle
22.04.2022 | 15:01 (UTC -3)
Capaz de resultar em acentuada redução da produtividade a mancha branca é uma doença endêmica, presente em praticamente todas as regiões produtoras de milho no Brasil. Uso de cultivares resistentes, semeaduras antecipadas, cuidados com a nutrição das plantas e o uso adequado de fungicidas estão entre as medidas para enfrentar esta enfermidade de difícil controle.
A mancha branca apresenta uma ampla distribuição geográfica
nas Américas do Sul, Central e do Norte, na Ásia e na África (Cimmyt, 2012). No
Brasil é uma doença endêmica e sua incidência e severidade tem aumentado significativamente
a partir dos anos 90, podendo ser encontrada, atualmente, em quase todas as
regiões onde o milho é cultivado. Em cultivares suscetíveis, a doença pode
reduzir a produção de grãos em mais de 60%. Folhas com 10% a 20% de
severidade apresentam redução na taxa fotossintética líquida em torno de 40 %
em cultivares suscetíveis, podendo reduzir a produção de grãos em até 60 %
(Godoy et al., 2001). A mancha branca torna-se mais
problemática devido à suscetibilidade de grande parte das cultivares e pela
baixa eficiência das aplicações de fungicidas. Em condições de elevada pressão
da doença observa-se secamento precoce das folhas com redução do período de
enchimento dos grãos e, consequentemente, diminuição acentuada da produtividade
(Embrapa Milho e Sorgo, 2015).
Histórico e
Etiologia
No Brasil, os primeiros relatos da doença remontam ao ano
de 1977, quando a doença foi, inicialmente, reportada como mancha foliar de
phaeosphaeria, causada pelo fungo Phaeosphaeria
maydis, provavelmente, pela semelhança dos sintomas aqui observados com
aqueles relatados na Índia, onde a doença foi descrita pela primeira vez em
1965. Nos Estados Unidos a mancha de phaeosphaeria foi descrita pela primeira
vez em 1991 no estado da Flórida. Entretanto, no ano de 1985, no Brasil, alguns
autores relataram uma doença em milho causada por uma bactéria identificada
como Pseudomonas syringae. Os autores
apresentaram fotos dos sintomas da doença muito semelhantes aos de mancha
branca, denominada pelo autor como “Holcus Spot” (Fernandes & Oliveira,
1977; Carson et al., 1991).
No decorrer dos estudos sobre a etiologia da doença,
dificuldades foram encontradas na reprodução dos sintomas causados por P. maydis, bem como de outros fungos
obtidos das lesões. Foram, também, observadas falhas na identificação dos
fungos obtidos de lesões já estabelecidas, típicas da mancha branca, como por
exemplo, a identificação de Phyllosticta
spp. como a fase sexual P. maydis,
o que foi comprovado posteriormente, através de técnicas moleculares, que se tratavam
de espécies diferentes. Entre os organismos isolados das lesões, o fungo Phoma tropica é o que aparece com maior
frequência. Entretanto, esse fungo é considerado um oportunista que surge em
lesões já pré-estabelecidas (Paccola-Meirelles et al., 2001; Cervelatti et al.,
2002; Amaral et al., 2005).
Em 2001, a equipe da professora Luzia Doretto
Paccola-Meirelles, da Universidade Estadual de Londrina, relatou o envolvimento
da bactéria P. ananatis na etiologia
da mancha branca do milho. Testes de patogenicidade e reisolamentos do
patógeno, a partir de lesões produzidas por inoculações artificiais em casa de
vegetação, confirmaram o envolvimento da bactéria com a fase inicial da doença,
que é caracterizada pelo aparecimento de lesões do tipo anasarca. Posteriormente,
estudos com o uso de técnicas de microscopia eletrônica e ferramentas
moleculares, como primers bacterianos para os genes 16S rDNA e rpoB e o
oligonucleotídeo universal para fungos ITS4, reforçaram o relato feito
anteriormente do envolvimento da bactéria na etiologia da doença. Os autores
verificaram, por microscopia eletrônica de transmissão, um grande número de
células bacterianas nos espaços intercelulares em lesões oriundas de plantas
naturalmente e artificialmente infectadas. Além disso, estruturas fúngicas não
foram visualizadas em lesões jovens. Houve amplificação positiva com primers
bacterianos; entretanto, nenhuma amplificação foi observada quando o primer
ITS4 foi usado. Outro aspecto importante discutido por esses autores é que espécies
fúngicas podem colonizar lesões pré-estabelecidas por P. ananatis. A utilização do teste Elisa indireto, com emprego de
antissoro policlonal produzido em coelho contra células de P. ananatis, isoladas de lesões anasarcas, confirmou a presença da
bactéria nestas lesões (Paccola et al., 2001; Bomfeti et al., 2008).
Recentemente, no México, a bactéria P. ananatis foi detectada em mancha foliares, típicas da mancha
branca, em campos de produção de milho “criolo”. Os autores ainda relatam a
presença dessa bactéria na região da rizosfera das plantas atacadas e que o
solo também poderia servir como fonte de inoculo para novas infecções
(Pérez-y-Terrón et al., 2009). A mesma bactéria também foi relatada, causando
doença em milho, em outros países como Argentina e Polônia (Alippi & López,
2010; Krawczyk et al., 2010).
Os únicos trabalhos encontrados na literatura que
apresentam evidências científicas sobre etiologia da mancha branca, inclusive com
os postulados de Koch, são os publicados pela equipe da professora Luzia, que
indicam a bactéria P. ananatis como
responsável pelos sintomas iniciais da doença. Assim, neste documento, foi
conferida à P. ananatis a etiologia
da mancha branca do milho.
Sintomatologia e Epidemiologia
As lesões da mancha branca são, inicialmente, circulares,
aquosas e verde-claras, com aspecto de anasarca (Figura 1). Posteriormente
tornam-se necróticas, de coloração palha, de circulares a elípticas, com diâmetro
variando de 0,3 a 1,0 cm. Geralmente, as lesões são encontradas dispersas no
limbo foliar, mas iniciam-se na ponta da folha progredindo para a base, podendo
coalescer. Em geral, os sintomas aparecem inicialmente nas folhas inferiores,
progredindo rapidamente para as superiores, sendo mais severos após o
pendoamento. Sob condições de ataque severo, os sintomas da doença podem ser
observados também na palha da espiga (Embrapa Milho e Sorgo, 2015). Em
condições de campo, normalmente os sintomas não ocorrem em plântulas de milho.
Sob condições favoráveis, a mancha branca pode causar seca prematura das folhas
e redução no ciclo da planta, no tamanho e peso dos grãos. As lesões podem
variar em tamanho, de acordo com o nível de resistência da cultivar utilizada
(Fernandes & Oliveira, 1997).
As condições favoráveis para o desenvolvimento da doença
são umidade relativa acima de 60% e temperaturas noturnas em torno de 14 ºC.
Por isso, tem sido observada alta severidade em cultivos tardios de milho, em
algumas regiões. As semeaduras realizadas a partir de novembro, nas regiões
Centro-Oeste e Sudeste, em geral, permitem que a cultura se desenvolva sob
altas precipitações pluviométricas, propiciando as condições adequadas para o
desenvolvimento da doença. A uniformidade de precipitação também é um fator
preponderante no desenvolvimento da doença. Plantas infectadas precocemente
podem ter sua produtividade reduzida se a umidade relativa for elevada,
preferencialmente com água livre na superfície da folha, e se as temperaturas
forem moderadas. Estas condições climáticas são comumente encontradas em regiões
acima de 600 m de altitude. Plantas de milho, em condições de campo, apresentam
um aumento acentuado da severidade da mancha branca após o período de
florescimento, progredindo durante a fase de enchimento de grãos (Fernandes et
al., 1997; Rolim et al., 2007).
Evolução no campo
A mancha branca é, provavelmente, a doença foliar do milho
que apresenta a maior taxa de progresso dos sintomas nas plantas. Em um estudo
da evolução dos sintomas da doença no campo, realizado pela Embrapa Milho e
Sorgo, foram selecionadas 50 lesões na fase 1 (anasarcas) e foi registrado o
desenvolvimento dos sintomas através de uma seqüência de fotografias tiradas no
mesmo horário, durante 17 dias. Como exemplo, na figura 2 está representado o
registro de fotos da lesão de número 27 (circulada na foto) durante oito dias.
Verifica-se que a mudança de fase da lesão é muito rápida. No primeiro dia a
lesão estava no estágio 1, no dia seguinte no estágio 2, no terceiro dia no
estágio 3 e no quinto dia no estágio quatro. Além disso, observa-se que, no
entorno do circulo que delimita a lesão 27, muitas anasarcas surgiram do
primeiro para o segundo dia, e alcançaram o estágio 2 no terceiro dia. O
aparecimento de novas lesões e a mudança de fase ocorreu muito rapidamente,
ocupando uma grande área foliar a partir do quinto dia de registro. Isso mostra
quão agressiva pode ser a mancha branca em condições favoráveis ao seu
desenvolvimento, considerando as condições de clima e de suscetibilidade do
cultivar.
Controle
O método de controle mais eficiente para o manejo da mancha
branca é o uso de cultivares resistentes. Apesar das dificuldades em relação à
identificação do agente causal, tem sido verificada variabilidade para
resistência à doença no germoplasma de milho, utilizada em programas de
melhoramento. Linhagens com bons níveis de resistência têm sido identificadas
em trabalhos realizados com germoplasma da Embrapa Milho e Sorgo. A reação das
cultivares de milho disponíveis no mercado, em relação à resistência ou
suscetibilidade ao agente causal da mancha branca, pode ser encontrada na
página da Embrapa Milho e Sorgo (www.cnpms.embrapa.br).
A realização de semeaduras antecipadas, em que a fase de
maior suscetibilidade das plantas não coincide com o período chuvoso, tem-se
revelado uma prática cultural efetiva no controle dessa doença. Nas regiões
Centro-Oeste e Sudeste, à medida que a semeadura do milho é retardada, há um
aumento na severidade da doença e uma redução no rendimento dos grãos. Tem-se
observado que semeaduras realizadas em setembro (primeira época de semeadura)
resultaram em menores índices de mancha branca e em maiores rendimentos de
grãos. Além da época de semeadura, variações nos níveis de adubação interferem
no desenvolvimento da doença, principalmente com relação ao nitrogênio. Maiores
severidades da mancha branca têm sido verificadas quando são utilizadas maiores
doses de nitrogênio (Embrapa Milho e Sorgo, 2015; Dornelas et al., 2015).
Em condições de elevada pressão da doença e de utilização
de cultivares suscetíveis, o emprego de fungicidas tem sido uma medida bastante
adotada. No entanto, são bastante frequentes os relatos de baixa eficiência de
alguns fungicidas no controle da mancha branca, gerando dúvidas com relação à
eficácia dos diferentes grupos químicos e quanto à viabilidade dessa medida
para o manejo dessa doença, além de questionamentos quanto a forma correta de
sua utilização.
De modo geral, tem sido verificado que há baixa eficiência
dos fungicidas, do grupo químico dos triazóis, no controle da mancha branca. A
Embrapa Milho e Sorgo vem realizando vários ensaios com o objetivo de avaliar a
eficiência de fungicidas pertencentes a diferentes grupos químicos no controle desta
doença. Os resultados dos ensaios de avaliação da eficiência de fungicidas para
o controle da mancha branca do milho têm demonstrado que a azoxistrobina é o
ingrediente ativo que apresenta maior eficiência para o controle da mancha
branca (Figura 3). Os fungicidas triazóis, mesmo em mistura com carbendazim,
não apresentaram eficiência no controle da doença. Resultados semelhantes já
foram observados anteriormente, mostrando que o fungicida azoxistrobina, na
dose de 150 g/ha do ingrediente ativo, proporciona controle satisfatório da
doença no campo (Embrapa Milho e Sorgo, 2015).
Em outros experimentos de campo foi avaliada a eficiência
da azoxistrobina pura e em mistura com triazóis, além de outras moléculas. Os
resultados obtidos nestes experimentos confirmaram a eficiência desta
estrobilurina no controle da mancha branca. A eficiência de controle da
azoxistrobina pura foi estatisticamente igual à mistura de azoxistrobina +
ciproconazole (Figura 4). Os demais fungicidas e antibióticos aplicados
isoladamente apresentaram eficiência intermediária no controle da doença,
diferindo significativamente da testemunha sem aplicação.
A relação de todos os fungicidas
registrados para o controle da mancha branca do milho pode ser acessada no site
do Ministério da Agricultura (http://www.agricultura.gov.br/)
Artigo publicado na edição 220 da Cultivar Grandes Culturas, mês setembro, ano 2017.
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