Manejo da cigarra Quesada gigas no café

Nutriente essencial no desenvolvimento das plantas, enxofre pode auxiliar também no controle de pragas no cafeeiro

29.07.2020 | 20:59 (UTC -3)

Nutriente essencial no desenvolvimento das plantas o enxofre pode auxiliar também no controle de pragas como a cigarra Quesada gigas em cafeeiro, preferencialmente na modalidade de aplicação em linha contínua sob a projeção da copa e incorporado ao solo.

As cigarras são insetos (Hemiptera; Auchenorryncha: Cicadidae) cuja fase imatura de ninfa móvel é vivida no solo, atuando de forma discreta e imperceptível nas raízes das plantas até que, no período geralmente compreendido entre o final de agosto e outubro de cada ano, é notada a presença da forma adulta na parte aérea.

A espécie de cigarra Quesada gigas (Olivier, 1790) é a mais comumente encontrada em cafeeiros (Coffea spp.) no Brasil. Suas ninfas móveis medem 20mm a 30mm de comprimento e atacam a raiz principal e as mais grossas do restante do sistema radicular do cafeeiro. Na fase de ninfa móvel é que a cigarra adquire o estado de praga, o adulto é apenas para reprodução da espécie.

Os machos adultos são alados e produzem um ruído estridulante (canto), por meio de um par de órgãos estridulatórios, localizado no lado ventral do primeiro segmento abdominal, para atrair as fêmeas para a cópula. Cada espécie emite sons característicos, específicos.

As fêmeas adultas das cigarras, também aladas colocam os ovos, de coloração branco-leitosa e alongados, agrupados sob a casca dos ramos dos cafeeiros. Em poucos dias eclodem as ninfas móveis, que pendendo pelo filamento que excretam, descem e penetram no solo, indo localizar-se nas raízes.

Nas raízes, as ninfas móveis, que possuem aparelho bucal sugador, começam a sugar a seiva, cujo excesso é expelido e que também serve para amolecer a terra facilitando, assim, ao inseto, a abertura, com as pernas anteriores (pernas fossoriais ou escavadoras), de uma cavidade (câmara, célula ou galeria) onde permanece.

Um cafezal muito infestado por cigarras da espécie Q. gigas pode apresentar em média 200 ninfas móveis por planta a 400 ninfas móveis por planta, população do inseto que causa severo dano. A sucção contínua de seiva causa o depauperamento, que se manifesta na parte aérea da planta pelo definhamento, clorose e queda precoce das folhas apicais dos ramos. Os sintomas são sempre mais acentuados nas épocas de déficit hídrico. As consequências finais do ataque resultam em quebra da produção, e mesmo perda total da lavoura se a praga não for controlada a tempo.

O cafeeiro pode suportar, sem sofrer dano, uma infestação de aproximadamente 35 ninfas móveis de Q. gigas por planta, devendo ser considerado esse nível para a tomada de decisão do início do controle.

O uso de inseticidas aplicados via solo era a única modalidade eficiente de controle para reduzir a população de cigarras. O controle deve ser realizado para a redução das ninfas móveis no solo, e embora não cause a morte de sua totalidade, a população é reduzida a níveis suportáveis pelas plantas, sem que haja danos econômicos. O controle de adultos da cigarra é inviável.

Os inseticidas mais eficientes têm sido os granulados (GR) sistêmicos, p.ex. aldicarb, carbofuran, disulfoton, phorate, terbufos, imidacloprid, thiamethoxam etc., que para maior eficiência devem ser aplicados no solo durante o período chuvoso do ano, geralmente novembro-dezembro na maioria das regiões cafeeiras do Brasil, ou aqueles na formulação em grânulos dispersíveis em água (WG), p.ex. imidacloprid, thiamethoxam etc., recomendados para aplicação na forma de esguicho (drench) no colo da planta, também no período chuvoso do ano. Comparativamente, os inseticidas neonicotinoides, p.ex. imidacloprid, thiamethoxam etc., na formulação WG têm se mostrado mais eficientes que os mesmos produtos na formulação GR, além de apresentarem menor toxicidade.

O enxofre como nutriente é essencial para o desenvolvimento de plantas e fundamental na formação da clorofila, pois participa do metabolismo dos carboidratos. Plantas com deficiência de enxofre apresentam diminuição da fotossíntese. A deficiência de enxofre pode não apresentar sintomas visíveis nas plantas, e geralmente a deficiência que ocorre no cafezal só é visível quando já está severa.

O enxofre elementar (S) não é assimilado diretamente pela planta. Os microrganismos existentes no solo, bactérias do gênero Thiobacillus, oxidam o enxofre transformando-o em sulfato solúvel (SO42-) no solo, processo que ocorre durante toda a fase de crescimento da planta.

A ação do fertilizante, em contato com a umidade do solo, é prolongada, onde o enxofre é oxidado gradualmente acompanhando o ritmo de absorção durante todo o ciclo da cultura, culminando no florescimento, estágio de maior demanda.

Níveis baixos de enxofre nos solos brasileiros são quase tão frequentes quanto os de fósforo. Sintomas de deficiência e respostas à adição de S são conhecidos tanto em culturas temporárias quanto perenes. Por esse motivo, é comum introduzir-se uma fonte de S na formulação NPK ou PK.

Não foram encontrados, na literatura científica, trabalhos que recomendem o controle de pragas subterrâneas com enxofre elementar. Os encontrados referem somente o uso foliar no controle de alguns ácaros-praga e doenças fúngicas, como componente de misturas em biofertilizantes e caldas fitoprotetoras. 

Ninfas móveis da cigarra Quesada gigas retiradas do solo.
Ninfas móveis da cigarra Quesada gigas retiradas do solo.

Pesquisa

Um experimento para conhecer o efeito de um produto à base de enxofre 90% no controle de ninfas móveis da cigarra Q. gigas (quando aplicado no solo sob a copa das plantas de cafeeiros, em linha contínua sem e com incorporação, nas dosagens de 30 kg por hectare, 60 kg por hectare e 90 kg por hectare) foi instalado no município de Lavras, sul de Minas Gerais, em cafezal ‘Catuaí’ com 19 anos de idade.  O levantamento inicial do número de ninfas de cigarra, realizado em novembro, acusou uma média de 22 ninfas móveis por planta.

Os tratamentos com enxofre 90% (produto comercial na forma de pastilhas) foram feitos com aplicação sobre o solo em filete contínuo na projeção da copa das plantas, sem e com incorporação ao solo. As doses, em kg do produto comercial/ha, foram 30 kg por hectare, 60 kg por hectare, 90 kg por hectare com e sem incorporação ao solo.

O tratamento considerado padrão de controle no experimento foi o inseticida-fungicida thiamethoxam a 300 g i.a. + cyproconazole a 300 g i.a. /kg de produto comercial aplicado via drench no colo das plantas, num total de 50 mL de calda por planta e de um só lado, com um pulverizador costal manual dotado de lança longa e dosador. O produto foi escolhido para uso levando em consideração o componente inseticida da mistura, o neonicotinoide thiamethoxam, ser eficiente e recomendado para o controle da cigarra em cafeeiros.

As aplicações dos produtos foram realizadas em novembro, época das chuvas na região, e a avaliação da eficiência feita em maio, após 150 dias da aplicação dos produtos, por meio da abertura de trincheiras no solo, abrangendo toda a região das raízes, e com a contagem das ninfas móveis encontradas vivas no sistema radicular de duas plantas da parte útil de cada parcela.

RESULTADOS

Embora tenham sido observadas diferenças numéricas ao se comparar a maior e a menor dose de enxofre 90% em forma de pastilhas, não houve diferença estatística significativa entre as doses avaliadas, mostrando que mesmo na menor dose o produto reduziu significativamente o número de cigarras nas raízes. O tratamento com o produto comercial, na dose de 90 kg /ha e na modalidade em linha contínua sob a projeção da copa e incorporado ao solo, apresentou a maior eficiência de controle das cigarras no experimento, aproximadamente 95%, no mês de maio (Tabela 1).

Foi constatada uma correlação negativa e altamente significativa entre o aumento da dose do produto comercial enxofre 90% em pastilhas, com e sem incorporação ao solo, e a redução de ninfas móveis da cigarra. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O produto comercial enxofre 90% na formulação pastilhada, nas doses entre 30 kg /ha e 90 kg /ha (de preferência na modalidade de aplicação em linha contínua sob a projeção da copa e incorporado ao solo) é uma opção viável para o controle da cigarra-do-cafeeiro Quesada gigas. Apesar de mais eficiente incorporado ao solo o enxofre pastilhado também apresenta bons resultados quando é somente aplicado na superfície do solo e sem incorporação. É também uma opção de controle da cigarra para cultivos que não podem receber produtos químicos de proteção de plantas, como a agricultura orgânica, entre outras. Além de controlar a praga supre as necessidades em enxofre, elemento essencial para o desenvolvimento das plantas e fundamental na formação da clorofila, pois participa do metabolismo dos carboidratos.

Abertura de trincheira, abrangendo toda a região das raízes de dois cafeeiros, para contagem das ninfas móveis encontradas vivas.
Abertura de trincheira, abrangendo toda a região das raízes de dois cafeeiros, para contagem das ninfas móveis encontradas vivas.

Paulo Rebelles Reis EPAMIG Sul de Minas/EcoCentro


Artigo publicado na edição 210 da Cultivar Grandes Culturas.

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