Qual a vantagem da segunda safra para o produtor?
Por Décio Karam, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Ph.D, pesquisador de Manejo de Plantas Daninhas da Embrapa Milho e Sorgo
Praga mais destrutiva da cultura do milho a lagarta-do-cartucho, Spodoptera frugiperda é capaz de reduzir a produtividade em mais de 50% e tem se tornado nos últimos anos uma ameaça concreta a híbridos Bt, que em alguns casos passam a demandar o uso de inseticidas para complementar o controle. Quantificar os custos dessa tecnologia quando associada a aplicação de inseticidas e identificar quais ainda são eficientes contra o inseto são questões cruciais.
O milho é cultivado em aproximadamente 16 milhões de hectares por ano no Brasil. Na maioria dos estados, o cultivo ocorre em duas safras por ano, denominadas de 1ª e 2ª safra, sendo que, nos últimos anos a 2ª safra superou a 1ª em área de cultivo e produção. Além disso, em regiões com irrigação, também há uma safra adicional, para a produção de milho semente. No entanto, em alguns estados da Região Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), devido ao inverno rigoroso, a 1ª safra é a principal época de cultivo e produção de milho. Entretanto, independentemente do local de cultivo, a lagarta-do-cartucho, Spodoptera frugiperda (J.E. Smith, 1797) tem sido considerada o inseto-praga mais destrutivo da cultura do milho, sendo capaz de reduzir a produtividade em mais de 50%.
O manejo de S. frugiperda em milho era realizado, principalmente, por meio do controle químico, mas a partir de 2007, com a liberação comercial de tecnologias de milho expressando proteínas inseticidas de Bacillus thuringiensis Berliner (Bt), surgiu uma nova tática de controle para a praga. Atualmente, o milho Bt é cultivado em aproximadamente 12,5 milhões de hectares por ano no Brasil. Porém, em poucos anos, já foi reportada a quebra da resistência e a consequente redução de eficácia das proteínas Cry1F e Cry1Ab para a lagarta-do-cartucho (Farias et al., 2014; Omoto et al., 2016). As falhas de controle de S. frugiperda por algumas tecnologias Bt têm sido percebidas, tornando necessário o uso de inseticidas para complementar o controle. Nas últimas safras, o emprego de inseticidas sobre milho Bt aumentou consideravelmente no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul.
Para subsidiar o manejo de S. frugiperda em milho, a equipe do Laboratório de Manejo Integrado de Pragas (LabMIP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) avaliou a eficácia de tecnologias de milho Bt e sua associação com inseticidas no controle da lagarta-do-cartucho. Os estudos foram conduzidos em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em lavoura com infestação natural da praga, durante a 1ª safra 2015/2016.
Foram avaliados nove híbridos de milho, sendo oito tecnologias Bt e uma não-Bt e seis programas de pulverização de inseticidas e o tratamento testemunha (sem pulverização). Os testes foram realizados entre todas as biotecnologias × todos os tratamentos químicos.
As avaliações de danos de S. frugiperda em milho Bt e não-Bt foram realizadas a cada cinco dias, nas três folhas centrais do “cartucho”, de 10 plantas consecutivas da linha central de cada parcela. Foi contabilizado o número de plantas com danos (convertido em porcentagem de plantas com dano) e atribuída uma nota de dano, de acordo com a escala Davis (0 - nenhum dano visual a 9 - danos severos no cartucho) (Davis et al., 1992). A pulverização dos inseticidas foi realizada quando 10% das plantas, em cada amostragem, apresentaram nota de dano >3 (Escala Davis). O volume de calda utilizado foi de 200 l/ha.
Houve uma alta porcentagem de plantas com danos de S. frugiperda em milho Agrisure TL, Herculex e Optimum Intrasect, variando entre 55% a 60%, sendo similar a aqueles ocorridos em milho não-Bt (68% das plantas com presença de danos). Para essas tecnologias, a nota média de dano (Escala Davis) variou de 2,1 a 2,9 (Figura 1). Nestas tecnologias de milho Bt e não-Bt houve a necessidade de uma a três pulverizações de inseticidas para complementar o controle de S. frugiperda e evitar perdas econômicas significativas. Em contraste, em milho YieldGard VT PRO (20%), YieldGardVT PRO 3 (14%) e PowerCore (14%) houve similaridade na porcentagem de plantas com danos. Entretanto, os danos foram menos significativos (nota média de dano inferior a 0,5) que os observados nos híbridos mencionados anteriromente. De outro lado, em milho Agrisure Viptera e Agrisure Viptera3 os danos de S. frugiperda foram insignificantes (0,5% das plantas com a presença de danos). Já em milho YieldGard VT PRO,YieldGard VT PRO 3, PowerCore, Agrisure Viptera e Agrisure Viptera 3 não houve a necessidade de uso de inseticidas para complementar o controle da praga.
Dentre os tratamentos inseticidas testados, ospinetoram isolado, na 1ª e 2ª pulverização e os inseticidas: metomil + clorantraniliprole (1ª pulverização) e indoxacarb (2ª pulverização); lambda-cialotrina + lufenuron (1ª pulverização) e lambdacialotrina + clorantraniliprole (2ª pulverização), foram os mais efetivos no controle de lagartas sobreviventes de S. frugiperda em milho Bt e não-Bt (Tabela 3).A combinação lambda-cialotrina + lufenuron (1ª pulverização) e lambda-cialotrina + clorantraniliprole (2ª pulverização) foi aquela que apresentou melhor custo-benefício (controle).
Além da avaliação do desempenho de tecnologias de milho Bt e inseticidas no controle de S. frugiperda, foram estimados, de forma objetiva, os custos de controle (Tabela 3). O custo final de controle de S. frugiperda em milho Agrisure TL, Herculex, Optimum Intrasect e milho não-Bt variaram de R$ 494,00/ha (milho não-Bt) a R$ 734,00/ha (milho Agrisure TL), sendo esses números influenciados diretamente pelo custo inicial da semente, que é menor para o milho não-Bt (Tabela 3). Em contrapartida, a porcentagem de plantas danificadas em milho YieldGard VT PRO, YieldGard VT PRO 3, PowerCore (entre 14% e 20%), Agrisure Viptera e Agrisure Viptera 3 (entre 0,1% e 0,5%) foram inferiores, dispensando aplicações de inseticida para o controle de S. frugiperda, com custo de controle ficando restrito ao híbrido Bt utilizado (Tabela 3).
Em geral, a produtividade das tecnologias de milho Bt (com ou sem inseticidas) foi relativamente superior ao milho não-Bt. Houve grande variação na produtividade entre as tecnologias de milho Bt, que ocorreram devido à presença ou ausência de danos de S. frugiperda, mas também, em grande parte devido à influência do material genético (híbrido), que varia naturalmente sua capacidade produtiva, o que se reflete no valor da semente.
Em resumo, diversas tecnologias de milho apresentaram falhas no controle de lagarta-do-cartucho,o que demonstra que haverá um aumento considerável no uso de inseticidas sobre milho Bt para complementar o controle da praga. No entanto, a escolha de híbridos Bt com melhor eficácia contra a lagarta-do-cartucho pode ser uma alternativa para minimizar a necessidade de inseticidas e, consequentemente, reduzir os custos de controle. Além disso, existe a necessidade do monitoramento da presença de lagartas sobreviventes em milho Bt e o estabelecimento de níveis de ação para o uso de inseticidas, se necessário. Não obstante, a adoção de outras práticas de manejo, como as áreas de refúgio, também deve ser consideradas para o manejo de S. frugiperda em milho.
Leonardo Burtet, Jerson V. C. Guedes, Oderlei Bernardi, Adriano A. Melo, Maiquel Pizzuti Pes, Thiago Strahl, Ericmar A. dos Santos e Frederico Hickmann, Universidade Federal de Santa Maria
Artigo publicado na edição 210 da Cultivar Grandes Culturas.
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