A fava, também conhecida como feijão-fava ou feijão-de-lima (Phaseolus lunatus L.), é utilizada na alimentação humana e animal, para fornecer proteína vegetal e diminuir a dependência quase exclusiva dos feijões comum (Phaseolus vulgaris L.); pode ainda ser utilizada como adubo verde ou cultura de cobertura para proteção do solo (VIEIRA, 1992; ALCÂNTARA, 1998; PEGADO et al., 2008).
A cultura da fava tem merecido pouca atenção por parte dos órgãos de pesquisa e extensão, o que tem resultado em limitado conhecimento das características agronômicas da cultura. O estudo das plantas e das sementes de variedades de fava é importante porque facilita o registro de caracteres de identificação, facilitando o acesso a esse material em busca de plantas com boa resposta em termos de produtividade e comportamento em diferentes condições ambientais (SANTOS et al, 2002). Além de viabilizar a produção, e explorar outros potenciais dessas espécies, como forma de inovação do mercado para fortalecer a economia da agricultura familiar.
No ano 2007 foram produzidas, no Brasil, 13.181 toneladas de grãos de fava, numa área plantada de 35.172 hectares sendo os maiores produtores os Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Piauí, e Minas Gerais (IBGE, 2008). Por ser a fava uma planta adaptada ao clima semiárido, visto que está presente em todos os estados nordestinos, possui grande importância na segurança alimentar e nutricional das comunidades rurais. Entretanto, para o feijão-fava, as informações sobre a composição dos grãos ainda são escassas (Ogunji et al. 2003). Sendo necessário estudos relacionados à caracterização alimentar, pois é crescente a preocupação em fornecer alimentos de boa qualidade nutricional, principalmente devido aos novos hábitos criados pela indústria alimentícia, marcados pelo excesso de produtos artificiais.
Como os recursos genéticos da agrobiodiversidade estão reduzindo gradualmente do mundo, devido ao avanço de culturas alimentares uniformes, estes fatos apresenta um risco para as populações pobres do campo, sendo de fundamental importância o cultivo da fava, para o resgate da cultura, e também por esta possui características agronômicas para desenvolver-se em ambientes onde prevalece à seca. Neste contexto a fava mostra-se como a cultura que apresenta todos os aspectos para a adequação social, econômica, cultural, climática, ecológica, entre outras.
Apesar do Phaseolus lunatus L. ser uma fonte de alimento e renda, seu cultivo ainda é relativamente limitado, devido a maior tradição de consumo dos feijões comum (P. vulgaris L.), o seu paladar, o tempo de cocção mais longo para algumas variedades, além da falta de cultivares recomendadas para as condições climáticas das diferentes regiões.
Desta forma, o presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de apresentar a fava em seus diversos aspectos de produção, bromatológicos, sensoriais e de qualidade de sementes, visando o melhor aproveitamento dos recursos naturais disponíveis, convivência com a seca no semiárido e segurança alimentar.
Aspectos taxonômicos e botânicos
A fava é uma das principais leguminosas cultivadas na região tropical e apresenta potencial para fornecer proteína vegetal à população humana e animal (VIEIRA, 1992).
Classificada no reino: Plantae; divisão: Magnoliophyta; classe: Magnoliopsida; ordem: Fabales; família: Fabaceae; gênero: Phaseolus e espécie: Phaseolus lunatus L. Está entre as quatro espécies do gênero explorado e produzido mundialmente; sendo uma fonte de renda e alimento (ALCÂNTARA, 1998; PEGADO et al., 2008).
Os caracteres que permitem a identificação da fava são a germinação epígea; as folhas geralmente mais escuras que em outras espécies do gênero (mesmo depois do amadurecimento das vagens); as bractéolas pequenas e pontiagudas; as vagens de forma geralmente oblonga ou recurvada, com duas alturas distintas (ventral e dorsal), e o número de sementes variando de duas a quatro. A espécie foi domesticada na América do Sul ou Central, ou em ambas, e é subtropical (Zimmermann e Teixeira, 1996).
Os Estados Unidos é um dos maiores produtores, sendo o consumo na forma de grãos verdes em conserva, enlatados ou congelados. No Brasil os grãos são consumidos maduros, secos e cozidos, ou ainda verdes, seu consumo é relativamente inferior quando comparados a outras espécies do gênero Phaseolus.
O Nordeste tem maior destaque na produção, sendo o estado da Paraíba o maior produtor, onde o feijão fava é cultivado em quase todas as microregiões; seguido de Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. Em Minas Gerais, a quantidade de fava produzida (em grão) atinge 725 toneladas, em área plantada de 1.217 hectares (IBGE, 2008).
Em determinadas regiões do Brasil, a fava tem relativa importância econômica e social, por causa da sua rusticidade, tendo sua colheita prolongada e realizada no período seco.
O plantio da fava é realizado por meio de semeadura direta, em covas espaçadas de 1,00 m x 0,50 m entre covas (3 a 4 sementes por cova). A profundidade de semeadura de 2,5 a 5,0 centímetros proporciona bons resultados; é importante realizar um desbaste quinze dias após a emergência, deixando-se duas plantas por cova. O plantio pode ser em consórcio com milho, mandioca, mamona ou palmeira de babaçu, tomando as plantas dessas culturas como suporte para o desenvolvimento vegetativo da fava (FILGUEIRA, 2000; AZEVEDO et al., 2003; GOMES e LOPES, 2006).
As variedades de P. lunatus L. podem apresentar hábito de crescimento determinado ou indeterminado. O determinado se caracteriza pelo desenvolvimento completo da gema terminal em uma inflorescência, enquanto o indeterminado se caracteriza pelo desenvolvimento da gema terminal em uma guia (SANTOS et al., 2002). As variedades de crescimento determinado apresentam arbustos menores, facilitando a colheita mecânica, porém, sendo a fava uma cultura pouco comercializada, e de produção em maior escala pela agricultura familiar, a colheita é manual.
De acordo com Oliveira et al. (2004) os efeitos de doses de fósforo sobre a produção, alcançaram rendimentos de grãos verdes (5,2 t.ha-1) e de grãos secos (2,7 t.ha-1) utilizando-se 309 e 302 kg.ha-1 de P2O5, respectivamente.
Já com a adoção da adubação orgânica, segundo Alves (2006), a utilização de 17,0 e 18,6 t.ha-1 de esterco bovino, na presença e ausência de NPK, respectivamente, proporciona maior eficiência econômica na produtividade de vagens, enquanto que para a produtividade de grãos secos a maior eficiência econômica ocorre com 23,0 t.ha-1 de esterco bovino na presença de NPK.
A adubação orgânica na agricultura tem crescido nos últimos anos no Brasil, devido principalmente, aos seus efeitos benéficos sobre as características físicas do solo (SANTOS et al., 2001), incrementando a produtividade das culturas e obtendo plantas com características qualitativas semelhantes àquelas cultivadas com adubos minerais.
Apesar destes bons rendimentos em relação a adição de adubos, a fava apresenta associação com bactérias do grupo dos Rizóbios, capazes de fixar nitrogênio atmosférico e fornecê-lo a cultura, o que pode substituir, pelo menos parcialmente, a adubação nitrogenada, resultando em benefícios ao pequeno agricultor (ANTUNES, 2010).
Outra característica que favorece a produção do gênero Phaseolus para o pequeno agricultor, é a grande variabilidade climática que se adaptam. A espécie P. lunatus L. requer pouca umidade quando comparada a outras do mesmo gênero, e destaca-se como a mais tolerante ao calor (SOTO et al., 2005). Porém, quando irrigadas, a lâmina de irrigação afeta significativamente o número de vagem por planta, o peso relativo das sementes e a produção média (MELO et al. 2009), proporcionando aumento na produção.
A emergência rápida, uniforme e o estabelecimento do estande constituído por plântulas vigorosas da cultivar escolhida pelo produtor representam condições essenciais para assegurar o desempenho adequado das plantas, podendo afetar a uniformidade do desenvolvimento, o rendimento final da cultura e a qualidade do produto. Portanto, ressalta-se a necessidade da escolha criteriosa dos lotes destinados à semeadura e de sua disponibilidade em quantidades suficientes para atender à demanda (MARCOS FILHO, 2005).
Em relação às sementes do feijoeiro, principal representante do gênero Phaseolus, assume vital importância à necessidade do conhecimento do seu estado sanitário visto que a maioria das doenças que incidem sobre a cultura é transmitida via semente (SILVA et al., 2008). Sendo de grande relevância a utilização de sementes sadias, pois sementes doentes ou contaminadas podem espalhar fungos, vírus e bactérias, como também ovos e larvas de insetos por toda região.
Em trabalho realizado com sementes de feijão comum, fava e feijão massacar, no estado da Paraíba, identificou 10 espécies de fungos em comum para as três leguminosas, sendo os fungos Aspergillus sp., A. ninger, Fusarium oxysporium, F. moniliforme, F. semitectum, Monilia sp., Nigrospora sp., Penicillium spp., Phomopsis sp. e Rhizopus sp. Na fava, especificamente, foram encontrados os fungos Cephalosporium sp., Haplosporella sp., Curvularia sp., Sclerotium e Humidicola sp, totalizando 16 espécies de fungos presentes nas sementes de fava. As espécies Aspergillus spp. e Penicillium spp., conhecidos como típicos de armazenamento, podem afetar a germinação das sementes e o desenvolvimento das plântulas, sendo que parece existir uma associação negativa entre o número de fungos e suas médias de germinação (ARAÚJO et al., 1983).
Portanto, os fungos mais importantes em relação à qualidade fisiológica das sementes são os chamados fungos de armazenamento. Esporos e micélios destes fungos normalmente já estão presentes na superfície das sementes quando estas são colocadas no armazém (POPINIGIS, 1985).
A toxicidade do feijão-fava é caracterizada pelo sabor amargo. Para eliminá-lo e utilizar as sementes na alimentação humana é preciso submetê-las à cocção por três a cinco vezes, com total substituição da água utilizada, ou deixar os grãos de molho durante uma noite e eliminar a água antes do cozimento. Este sabor está relacionado à elevada quantidade de ácido cianídrico (HCN), sendo este, o responsável pelo seu sabor amargo, característica ausente em outras espécies de feijão (VIEIRA, 1992; AZEVEDO et al., 2003).
Apesar deste composto, a fava apresenta ótimas características nutricionais, como proteínas, lipídios, minerais e carboidratos. A distribuição e a qualidade dos componentes químicos dos grãos são os principais responsáveis pelas diferenças no valor nutritivo, juntamente com a presença de fatores que afetam o aproveitamento de alguns nutrientes. Assim, a avaliação dos alimentos através de caracteres que envolvem análises físicas e químicas é uma das formas de se detectar problemas relacionados à qualidade do produto, e a partir dos resultados, pode-se conhecer o balanço nutricional dos alimentos, avaliar a disponibilidade dos nutrientes e verificar a adequação da dieta. (BASSINELLO et al., 2004; SANTOS, 2008).
Segundo Lima et al. (2007), tal tarefa é fundamental para os alimentos consumidos tradicionalmente no Brasil, devido apresentarem composição pouco conhecida e com grande diversidade.
O tempo de cozimento é extremamente importante na definição do comportamento culinário das cultivares e para o consumidor no momento do preparo. Deseja-se que o tempo de cocção seja o menor possível, assim a qualidade do grão será melhor e seu valor no mercado se torna mais alto. Segundo Diniz et al. (2001), em estudos com feijões, o tempo de cocção é um parâmetro de importância para a tecnologia de processamento, por possibilitar a sua utilização na alimentação humana, facilitando a hidrólise de seus compostos químicos e, constituir, nos dias de hoje, um forte atributo no que se refere à economia de energia e horas de trabalho.
Conforme Bertoldo et al. (2009) há influência do tempo de armazenamento sobre o tempo de cocção em cultivares de feijão, resultando em aumento no tempo de cozimento dos grãos com o passar dos dias de armazenamento.
Portanto, a aceitabilidade de um alimento depende não apenas de sua qualidade nutricional, mas também de suas características de cozimento, de hidratação e da qualidade do caldo produzido. Sendo importante manter a boa aparência, o sabor e adequar a textura à preferência dos consumidores (Cazetta et al., 1995).
O semiárido ainda é caracterizado por um baixo dinamismo econômico, com indicadores sociais abaixo das médias nacional e regional e pela degradação ambiental que incide sobre seus frágeis ecossistemas (SILVA, 2006). Nesta região a maioria dos pequenos agricultores tem na agricultura de subsistência ou familiar, suas atividades básicas.
Neste contexto a fava destaca-se com relativa importância econômica e social, por causa da sua rusticidade. Assim faz-se necessário o incentivo a utilização de técnicas de melhor aproveitamento dos recursos naturais, viabilizando o agricultor que busca alternativas para o convívio com a seca.
Conforme Maluf et al. (2009), no que diz respeito à qualidade dos alimentos e sua sanidade, todos devem ter acesso a alimentos de boa qualidade nutricional e que sejam isentos de componentes químicos que possam prejudicar a saúde humana. Estes dois elementos são da maior importância, bem como o envenenamento dos alimentos, em nome de uma maior produtividade agrícola ou com a utilização de tecnologias cujos efeitos sobre a saúde humana permanecem desconhecidos.
Portanto, há uma busca por discussão de políticas públicas de inclusão social e de combate à fome e à pobreza, por propostas de construção do Desenvolvimento Sustentável Nacional, que incorpore aspectos econômicos e sociais essenciais para a promoção do desenvolvimento do espaço local. Já que a segurança alimentar ampliou-se incorporando, às esferas da produção agrícola e do abastecimento, as dimensões do acesso aos alimentos, das carências nutricionais e da qualidade dos mesmos (VALENTE, 2009).
A cultura da fava apresenta-se como fonte de renda e alimento, sendo um recurso natural disponível e resistente aos períodos de seca, permitindo que comunidades rurais, desestimuladas pela exploração agropecuária limitada principalmente pela falta de água, possam recuperar o desejo de permanência no campo, possibilitando melhoria na qualidade de vida, segurança alimentar e nutricional para a agricultura familiar apesar das adversidades climáticas.
Mestranda em Ciências Agrárias do ICA/UFMG
Professor do ICA/UFMG
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