Em grãos secos não há micotoxinas

A competição pela sobrevivência é grande no mundo animal e isto ocorre também no mundo dos microorganismos. Os fungos, por exemplo, não podem mover-se e lutam contra outros fungos e outros microorganismos com armas

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Entre os benefícios estão os antibióticos que usamos para matar as bactérias que nos causam doenças. Porém muitas substâncias produzidas pelos fungos fazem mal tanto a nós como aos nossos animais de criação. Normalmente também prejudicam as próprias plantas hospedeiras.

A palavra micotoxinas é formada por mico, do grego, que significa fungo, e toxinas, que nos sugere algo muito ruim. E o que fazem elas? Uma variedade de males, dependendo da toxina. Todas, no entanto, afetam as defesas do organismo animal deixando-o mais susceptível a doenças. Afetam também o crescimento dos animais jovens. Assim nossa saúde e nosso bolso podem ser afetados pela guerra dos fungos pela sobrevivência.

A Organização para Agricultura (FAO) das Nações Unidas estima que, por ano, 25% da produção mundial de grãos é contaminada por micotoxinas. E em 1993, o Banco Mundial publicou o relatório “Investindo em saúde”, no qual estima que 40% da redução nos anos de vida dos povos de países em desenvolvimento está associada a doenças relacionadas com micotoxinas.

Prejuízos econômicos aparecem com a redução na produção de grãos e na sua qualidade inferior motivada pelo aparecimento de micotoxinas nos grãos ainda no campo ou durante a estocagem. Isso sem contar que, para crescerem, os fungos consomem matéria do próprio grão, reduzindo seu peso, causando murchamento, escurecimento ou mesmo apodrecimento. Prejuízos são ainda sentidos em preços aviltados quando da venda do grão. Não-aceitação do produto pode ainda ocorrer tanto no mercado interno como no externo. No mercado internacional, o controle de micotoxinas é lugar comum.

A presença de micotoxinas em grãos acarreta ainda prejuízos financeiros para produtores de animais de corte. A produção animal sofre com o ganho de peso inferior ao esperado, queda na fertilidade e aumento na incidência de doenças. Sem contar com a perda de animais em casos mais graves, ou seja, quando há ingestão de níveis elevados de toxinas.

Problema antigo

As micotoxinas vêm acompanhando a humanidade desde tempos imemoriais. Até bem pouco tempo o ser humano não sabia que certas doenças que o acometiam e aos seus animais de criação eram causadas por micotoxinas. O desenvolvimento científico tornou possível esta descoberta na década de 60, quando 100.000 filhotes de perus morreram em granjas inglesas. Foi verificado que a parte da ração responsável pelas mortes era amendoim, do Brasil! Daí ao isolamento do composto responsável pelas mortes foi um passo. A toxina isolada recebeu o nome de Aflatoxina porque o fungo que a produz tem o nome científico de Aspergillus flavus. Hoje se sabe que existe uma família de aflatoxinas e que são tóxicas para uma grande variedade de animais. O grau de intoxicação sofrida por indivíduos de uma mesma espécie animal depende da idade, sexo, fatores dietéticos e mesmo linhagem. O fígado é o primeiro e mais importante alvo desta toxina, que provoca sintomas semelhantes aos da hepatite infecciosa. Além dos seus efeitos tóxicos agudos, as micotoxinas causam câncer, provocam mutações em células reprodutivas e deformidades em fetos. Sabe-se, até hoje, que existem aproximadamente 200 famílias de micotoxinas.

Algumas outras toxinas merecem também atenção da parte de produtores agrícolas. Entre elas podemos citar a zearalenona, as fumonisinas, a ocratoxina A e os tricotecenos. A zearalenona atua como um hormônio. Em animais, especialmente suínos, zearalenona tem efeitos bem documentados e que incluem cio prolongado, ausência de cio, infertilidade, falsa prenhês, desenvolvimento das glândulas mamárias em machos e lactação anormal. A fumonisina B1 provoca em cavalos uma doença chamada leucoencefalomalácia que leva à morte do animal. Provoca também edema pulmonar em suínos e redução no ganho de peso, mortalidade e lesões em diversos órgãos em frangos de corte. A ocratoxina A, por sua vez, causa degeneração dos rins do animal. Na população humana da região dos Balcãs, na Europa, foi observada a mesma degeneração renal ao mesmo tempo em que a ocratoxina A foi encontrada na alimentação. Por último, os tricotecenos também foram encontrados em alimentos na Rússia e as populações afetadas apresentaram febre, angina, exaustão da medula óssea, hemorragias generalizadas, chegando a morte em alguns casos. Os mesmos sintomas foram observados em animais.

Como evitar

Quando lutamos contra um inimigo, o primeiro passo é conhecê-lo para poder em seguida planejar como derrotá-lo. Na nossa luta contra as micotoxinas, a pesquisa científica tem apontado alguns caminhos e continua buscando soluções. Sabe-se, por exemplo, que sua produção depende das condições climáticas e dos tipos de fungos existentes em cada região do mundo. Assim, o que é problema na Sibéria pode não ser em outras partes do mundo. Para cada país, ou ainda para cada região climática, deve-se saber quais as micotoxinas que podem causar problemas. Uma vez conhecidos estes fatos, podemos ver que a fiscalização passa a desempenhar um papel muito importante, inclusive na importação de alimentos e material para rações.

Surge uma questão: como fazer para evitar micotoxinas? Muito trabalho vem sendo realizado no mundo inteiro para responder a esta questão. Para as micotoxinas produzidas no campo estão sendo pesquisadas variedades resistentes de plantas. Sabe-se também que variedades usadas fora de sua área de adaptação são mais susceptíveis ao ataque de fungos. O clima tem muita importância porque a temperatura e o regime de chuvas podem dar condições ao desenvolvimento do fungo. Algumas culturas apresentam problemas em regiões mais úmidas. Outras, ainda, sofrem com temperaturas mais baixas do que aquela para a qual foram adaptadas. Devido a dependência climática, de ano para ano a situação com relação a micotoxinas pode ser bem diferente numa mesma região produtora de grãos. Ataques de insetos e animais, por outro lado, são um veículo para contaminação de grãos e precisam ser controlados.

Durante a estocagem de grãos a regra mais geral a ser observada é “mantenha seus grãos secos”. Se a umidade nos grãos é mantida suficientemente baixa, os fungos não se desenvolvem. Outros recursos podem ser usados mas o custo é ainda mais elevado: baixas temperaturas, atmosfera modificada, etc.

Processos para descontaminação vêm sendo pesquisados mas com pouco sucesso. Uma dificuldade adicional está na estabilidade térmica apresentada pela maioria das micotoxinas que sofrem pouca decomposição em temperaturas altas. O tratamento de rações para gado com amônia tem oferecido uma solução parcial mas, exclusivamente para o caso das aflatoxinas. Mistura de lotes contaminados com não contaminados de maneira a atingir níveis mais baixos e melhor tolerados pelos animais é uma prática adotada em várias partes do mundo.

Milho sem aflatoxina

Cientistas do USDA desenvolveram um novo híbrido de milho que praticamente não desenvolve aflatoxina. Esta nada mais é do que uma micotoxina – substância produzida por fungos – que pode causar sérios dados à saúde humana e animal. A nova linha de milho, denominada Mp715, apresenta um índice muito baixo de contaminação por fungos.

Lúcia Valente Soares

Unicamp

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