Eficiência de fungicidas contra ramulária e manchas no algodoeiro na safra 2022-23

Por Fabiano José Perina (Embrapa Algodão); Mônica Cagnin Martins (Ide Pesquisa); Luiz Gonzaga Chitarra e Alderi Emídio de Araújo (Embrapa Algodão); Lucas Henrique Fantin (Fundação Chapadão); José Wellingthon dos Santos (Embrapa Algodão); Alfredo Ricieri Dias (Desafios Agro) ...

02.02.2024 | 17:25 (UTC -3)

A mancha de ramulária, amplamente conhecida como ramulária pelos produtores e profissionais que atuam na cultura do algodão, é a principal doença fúngica foliar do algodoeiro no cerrado do Brasil. Nesse bioma a doença é causada principalmente pelo fungo R. pseudoglycines. Similarmente, a mancha-alvo (Corynespora cassiicola), bem como outras manchas de ocorrência secundária ou de etiologia ainda não bem definida, tratada doravante como manchas foliares, tem demonstrado elevadas incidências nas principais regiões produtoras, com níveis de severidade cada vez maiores ao longo das últimas safras. Entre as regiões de produção que apresentam esse problema, destacam-se os estados de MT, BA, GO, MS, PI e MA. Tendo-se em vista o elevado progresso das manchas foliares e a necessidade de aprimoramentos acerca da eficiência de controle, a Rede Nacional de Cooperação em Pesquisa: Rede Ramulária foi ampliada para atuar nas manchas foliares, a partir do final do ano de 2022.

Dessa forma, na safra de 2022/2023, foram realizados 52 experimentos nas principais regiões produtivas de algodão do país, por meio da cooperação entre instituições de pesquisa, e empresas obtentoras de registro. Essa cooperação para pesquisa aplicada contou com a participação de 17 pesquisadores, com o propósito principal de contribuir com o aumento do conhecimento no que se refere à eficiência de controle das duas principais doenças que atualmente acometem a parte aérea do algodoeiro. O objetivo dessa publicação é apresentar suscintamente os resultados sumarizados dos quatro ensaios cooperativos para o controle da mancha de ramulária e manchas foliares, realizados durante a safra de algodão de 2022/23.

O manejo da ramulária, assim como as manchas foliares do algodoeiro, deve ser feito por meio da integração de medidas de controle, na qual inclui-se o controle químico. Assim, o conhecimento detalhado sobre a eficiência de controle dos agentes responsáveis por essas doenças é fundamental ao dimensionamento adequado de um programa de controle químico.

O planejamento e a implementação de um programa de controle, que inclua o posicionamento de produtos de acordo com sua eficiência de controle, por meio da utilização de fungicidas sítio-específicos e multissítios em misturas pré-fabricadas ou associadas, levando-se em consideração a alternância dos modos de ação e ingredientes ativos de acordo com as fases do ciclo do algodoeiro, o período de ocorrência das doenças, a pressão de inóculo e o histórico de ocorrência das doenças na área de cultivo, são aspectos imprescindíveis ao sucesso do manejo dessas doenças. Enquanto a escolha e o posicionamento adequado de um programa de fungicidas são decisivos para o sucesso no controle das doenças da parte aérea do algodoeiro, o dimensionamento inadequado do programa de controle químico pode resultar no insucesso no controle da ramulária, assim como das manchas foliares.

Esse manejo será impactante tanto no curto como no médio e longo prazo, assegurando que o programa de controle não incorra em seleção de inóculos resistentes nas áreas de plantio, seja efetivo para a redução da pressão de inóculo na área e, ainda, assegure o menor impacto possível da doença na produtividade e qualidade da fibra do algodão produzido. Resultados sobre a eficiência de fungicidas que poderão compor o programa de fungicidas para o controle de ramulária e manchas foliares podem ser obtidos na Rede de Ensaios Cooperativos (Rede Ramulária, 2023). Os resultados são atualizados no mês de novembro de cada ano e prontamente disponibilizados no website da Rede Ramulária (rederamularia.com.br) e da rede Fitossanidade Tropical (fitossanidadetropical.org.br), além de publicações da série Embrapa.

A Rede de Ensaios Cooperativos para a avaliação e o acompanhamento da eficácia de fungicidas para o controle de ramulária e manchas foliares realiza experimentos que seguem metodologias padronizadas. Durante a safra 2022/23, a rede conduziu 52 experimentos em 13 localidades diferentes, com quatro modalidades de ensaios, abrangendo as regiões dos Estados do Mato Grosso, Bahia, Mato Grosso do Sul e Goiás. Os objetivos foram avaliar a eficiência de fungicidas sítio-específicos de formulação isolada ou em mistura pronta com multissítios (Ensaio 1); avaliar a eficiência de fungicidas multissítios aplicados isoladamente ou em combinação com sítio-específicos no controle da ramulária (Ensaio 2); avaliar a eficiência de fungicidas registrados no controle de manchas foliares (Ensaio 3); monitorar a eficiência de controle de fungicidas para ramulária ao longo das safras (Ensaio 4), bem como avaliar o efeito dos fungicidas na produtividade do algodoeiro.

O delineamento experimental utilizado nos quatro experimentos foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições por tratamento para os experimentos de fungicidas sítio-específicos de formulação isolada ou em mistura pronta com multissítios (Ensaio 1); manchas foliares (Ensaio 3) e monitoramento (Ensaio 4); e com cinco repetições para os experimentos de fungicidas multissítios (Ensaio 2). Em todos os experimentos, foram realizadas oito pulverizações com fungicidas. As avaliações da severidade da mancha de ramulária foram realizadas antes de cada pulverização e aos sete, 14 e 21 dias após a última aplicação. As avaliações da severidade das manchas foliares foram realizadas semanalmente e foram continuadas até sete, 14 e 21 dias após a última aplicação.

Os resultados apresentados na Tabela 1 são baseados nas médias de controle alcançados nos locais que se agruparam na análise conjunta para o ensaio de fungicidas sítio-específicos de formulação isolada ou em mistura pronta com multissítios (Ensaio 1). A maior porcentagem de controle da ramulária foi obtida no tratamento com aplicações de pydiflumetofen/clorotalonil (T10 - 75,1%), seguido do tratamento com hidróxido de fentina (T8 - 73,6%), mensurado pela redução da área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD) de cada tratamento em relação à testemunha sem aplicações. Nos demais tratamentos, a eficiência de controle ficou entre 63,5% e 68,2% (Tabela 1).

A produtividade de algodão em caroço nos tratamentos que receberam aplicação de fungicidas variou de 307,2 a 323 arrobas por hectare (@/ha), sendo estas superiores à obtida na testemunha, que não recebeu aplicação de fungicidas (T1 – 282 @/ha). Esse resultado demonstra a importância da utilização de fungicidas, dentro do manejo integrado desta doença. A redução média na produtividade da testemunha em relação ao tratamento que apresentou maior produtividade foi de 12,4% (Tabela 1).

A incorporação de fungicidas multissítios ao programa de controle químico da ramulária é importante visando à redução do risco de surgimento de populações do patógeno resistentes no campo e ao aumento da eficiência de controle.

Nos ensaios de fungicidas multissítios (Ensaio 2 - Tabela 2), foi utilizado o fungicida sítio-específico piraclostrobina/mefentrifluconazole/fluxapiroxade e o multissítio clorotalonil, aplicados isolados ou em associação. A associação do fungicida sítio-específico ao multissítio resultou em menor intensidade da ramulária ao longo do ciclo do algodoeiro (menor AACPD) e, consequentemente, em maior controle da doença, como constatado no T4, com 70% de controle (Tabela 2). Para os fungicidas aplicados isolados, o controle foi de 64,4% com sítio-específico (T2) e 61,3% com o multissítio (T3). Resultados semelhantes a este, com melhora na performance de controle da doença com a associação de um multissítio ao fungicida sítio-específico, foram obtidos nos ensaios em rede realizados em safras anteriores, o que demonstra a importância da utilização de fungicidas multissítios, visando o aumento do controle e a redução do risco de seleção de biótipos/isolados resistentes dos fungos agentes etiológicos da mancha de ramulária do algodoeiro.

Nos ensaios de fungicidas para o controle de manchas foliares em algodoeiro (Tabela 3), as maiores porcentagens de controle, mensuradas pela capacidade de redução da AACPD, foram obtidas nos tratamentos com aplicações de protioconazol / mancozebe (T4 - 42,8%), azoxistrobina / mancozebe / protioconazol (T5 - 41,1%), fluxapiroxade / protioconazol (T2 - 39,1%). Em seguida, em ordem de eficiência e controle, apresentou-se o tratamento com trifloxistrobina / protioconazol / bixafen (T3 - 33,8%), seguido do tratamento com metominostrobina / tebuconazol + clorotalonil (T6 - 24,8%).

No que se refere à produtividade de algodão em caroço neste conjunto de experimentos, com exceção de T6 (metominostrobina / tebuconazol + clorotalonil), todos os tratamentos que receberam aplicações de fungicidas apresentaram produtividade superior à testemunha, com produtividade de algodão em caroço variando entre 338,4 e 349,7 @/ha. A redução na produtividade média da testemunha em relação ao tratamento que apresentou maior produtividade foi de 7,4% (Tabela 3).

Na Tabela 4 podem ser observados os resultados obtidos no experimento de monitoramento da sensibilidade de R. pseudoglycines aos fungicidas sítio-específicos conduzidos na safra 2022/23 (Ensaio 4). Nesse conjunto de ensaios, a maior porcentagem de controle foi observada quando se utilizaram os fungicidas piraclostrobina + fluxapiroxade (T6 - 64,3%). Em seguida, apresentaram-se os tratamentos com os fungicidas azoxistrobina + difenoconazol (T4 - 47,3 %) e o fungicida difenoconazol isolado (T2 - 47,2%), seguidos do fungicida constituído pela mistura de azoxistrobina/flutriafol (T5 – 42,7%), que superou o tratamento com tetraconazol isolado (T3 - 35,9%).

No que se refere à estabilidade de controle dos níveis de severidade da mancha de ramulária ao longo das safras (Figura 1), foi observada uma tendência de menor controle por parte da maioria dos fungicidas em monitoramento, avaliados na safra 2022/23, quando comparado à safra anterior (2021/22), tendo em vista que a maioria dos fungicidas avaliados apresentou porcentagem de controle menor que os valores obtidos na safra 2021/22.

Por outro lado, observa-se que alguns dos ingredientes ativos de fungicidas, apresentaram valores semelhantes ou muito próximos aos obtidos na safra de 2019/20 (Figura 1), um exemplo desse comportamento pode ser constatado para tratamentos com tetraconazol e com azoxistrobina + flutriafol. Esse comportamento demonstra que apesar de alguns fungicidas demonstrem baixa porcentagem de controle, tais níveis de controle, em condições de campo, não têm demonstrado redução considerável nas últimas três safras.

A pressão de seleção, resultante do elevado número de aplicações empregadas ao longo ciclo do algodoeiro no campo, tem favorecido o risco de surgimento de isolados ou biótipos de fungos resistentes aos fungicidas utilizados, portanto, ressalta-se que a mancha de ramulária não pode ser subestimada pela baixa incidência ocorrida em algumas localidades nas últimas safras. Já no que concerne à mancha-alvo e a outras manchas foliares insurgentes, com possíveis agentes etiológicos distintos, faz-se necessário o aumento do conhecimento da eficiência de fungicidas para o efetivo controle de manchas que afetam a parte aérea do algodoeiro.

Do mesmo modo, é de crucial importância que sejam movidos esforços por ações de pesquisa e inovação, capazes de disponibilizar novas ferramentas e métodos, que contribuam com o controle dessas doenças, ao passo que desfavoreçam o aparecimento de isolados/biótipos resistentes aos fungicidas. Nesse cenário, o emprego de medidas efetivas de destruição dos restos da cultura, a fim de assegurar o vazio sanitário, bem como o conhecimento acerca do nível de resistência das cultivares, o histórico da região e áreas de produção e a realização de um adequado programa de monitoramento, é medida que contribui para o controle efetivo da ramulária e das manchas foliares no algodoeiro.

Dessa maneira, a união de esforços realizados por meio da Rede Ramulária, que passa a ser denominada daqui em diante Rede Ramulária e Manchas, é de extrema importância no sentido de aumentar o conhecimento, estimular e impulsionar ações de pesquisas aplicadas e básicas, capazes de contribuir para o avanço do conhecimento e do manejo dessas doenças no campo. Em última análise, busca-se com essas ações, cooperar em favor do produtor de algodão brasileiro e da sustentabilidade da cultura do algodão no país.

Os resultados suscintamente apresentados são provenientes de uma união de esforços entre instituições de pesquisa públicas e privadas, empresas obtentoras de produtos fitossanitários e do setor produtivo, por meio do apoio da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). Os autores registram os agradecimentos a todos que compõem, direta ou indiretamente esse trabalho, e atuam na cultura do algodão do Brasil.

Por Fabiano José Perina (Embrapa Algodão); Mônica Cagnin Martins (Ide Pesquisa); Luiz Gonzaga Chitarra e Alderi Emídio de Araújo (Embrapa Algodão); Lucas Henrique Fantin (Fundação Chapadão); José Wellingthon dos Santos (Embrapa Algodão); Alfredo Ricieri Dias (Desafios Agro); Rafael Galbieri (IMAmt); Nédio Rodrigo Tormen (Instituto Phytus / Staphyt); Emerson Cappellesso (Círculo Verde Pesquisas); Fabiano Andrei Bender da Cruz (Ide Pesquisas); Jairo dos Santos (Agrodinâmica); João Paulo Ascari (Fundação MT); Márcio Marcos Goussain Júnior (Assist); Maurício Silva Stefanelo (Ceres); Mônica Anghinoni Müller (Fundação MT); e Tiago Fernando Konagesky (Rural Técnica Querência).

Artigo publicado na edição 295 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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