Relacionar doenças do fumo pode ser uma tarefa relativamente simples e o resultado certamente seria uma lista enorme. No entanto, apresentar uma radiografia dos problemas fitopatológicos (doenças) que afetam a cultura nas condições brasileiras esbarraria na seguinte restrição: inexistência de levantamentos. Além disso, qualquer levantamento depende de se conhecer o que se está procurando. A correta identidade das principais doenças nem sempre é bem definida ou não é feita através de testes adequados ou por profissionais com especialização na área. Portanto, a solução dos problemas causados por doenças depende (I) da determinação precisa da etiologia, (II) do estabelecimento de protocolos de identificação e (III) da aplicação destes protocolos em um número de amostras representativo. Feitas estas considerações, informações sobre algumas doenças, julgadas importantes com base nas consultas recebidas no Laboratório de Clínica Vegetal da UFRGS e nos contatos com profissionais que trabalham com a cultura a campo, serão apresentadas visando apontar estratégias a serem adotadas.
As podridões radiculares podem ser induzidas por vários patógenos, particularmente
spp.,
spp.,
,
spp. e nematóides, individual ou conjuntamente. A presença de lesões escuras nas radicelas, iniciando pela extremidade ou não, podendo eliminá-las, e progredindo para as raízes maiores, é o sintoma mais elementar. O amarelecimento e o pouco desenvolvimento da planta pode criar o sintoma típico do Amarelão.
O Amarelão é a típica doença cuja etiologia ainda não está clara e precisa ser pesquisada. Embora se postule que haja mais de um agente causal envolvido, não se conhece trabalho criterioso mostrando resultados de análises de amostras colhidas em diferentes fases do ciclo, ou comparando lavouras ou mesmo regiões, durante vários anos. Neste caso, a primeira etapa da solução do problema, ou seja, a determinação precisa da etiologia, ainda não foi vencida.
Os nematóides da galha (
spp.) e da lesão (
spp.) são os principais tipos que atacam o fumo na região fumicultora do sul do País. Os sintomas nas raízes são bastante distintos. O primeiro induz a formação de galhas, supercrescimento dos tecidos, formando estruturas semelhantes a verrugas. O segundo causa lesões, manchas escurecidas e desaparecimento das radicelas (raízes com a espessura de um fio de cabelo). Ambos dificultam a absorção de água e nutrientes. A parte aérea pode apresentar sintomas que vão desde murcha, nas horas mais quentes do dia, até deficiência nutricional, amarelecimento geral das folhas e/ou florescimento prematuro.
Os ferimentos causados nas raízes são porta de entrada para patógenos como:
spp.,
spp.,
e
spp.; certamente o primeiro é o mais comum. Estes patógenos associados causam sinergismo (o dano dos dois juntos é maior do que a soma dos dois separados) da doença causando morte das plantas. A análise deve ser feita em laboratórios especializados, pois muitas vezes estes organismos não são detectados e o resultado aponta medidas apenas para o controle dos nematóides.
Bandejas reutilizadas, não desinfestadas, podem ser fonte de contaminação das mudas para a próxima safra, pois são porosas e podem manter restos de substrato e de plantas entre os alvéolos, principalmente raízes, onde os nematóides e outros patógenos sobrevivem.
Plantios sucessivos de fumo nas mesmas áreas e a permanência das soqueiras favorecem o aumento populacional do nematóide no campo de ano para ano.
As medidas de controle devem basear-se nos resultados de levantamento populacional dos nematóides no solo no final do ciclo da cultura. O levantamento deve ser feito no final da safra, quando a população destes vermes é máxima. A forma de coleta, número, embalagem de envio das amostras e outros detalhes devem ser definidos segundo orientação do laboratório que realizará as análises. O resultado deste levantamento indicará a urgência e o tipo de medida de controle. Em alguns casos, pode-se chegar a conclusão que não se deve plantar fumo em determinada área, optando-se por culturas não hospedeiras do nematóide ou repelentes (cravo-de-defunto) ou armadilhas (
sp.). Neste aspecto, além da quantidade de nematóides, é essencial saber sua identidade. De qualquer maneira, o manejo sempre envolverá várias medidas, sempre incluindo o uso de mudas livres do patógeno.
O diagnóstico molecular, através da PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), permite a diferenciação das espécies de nematóides e a quantificação do inóculo no solo. Os protocolos, mediante solicitação para os laboratórios de diagnose, podem ser otimizados e aplicados para levantamentos nas lavouras.
A Canela Preta (Tobacco Black Shank), causada pelo Oomiceto
var. nicotianae, é considerada a doença número 1 na produção do Burley, ano após ano, em outros países, causando perdas que variam de 8 a 11 %. Em algumas áreas, a lavoura inteira pode ser devastada por esta doença.
Esta doença afeta primeiramente as raízes e a região basal da haste (canela) da planta de fumo. Quando a haste da planta doente racha, partindo-se, a região do sistema vascular apresenta-se seca e negra, geralmente formando discos ou placas neste local. As folhas amarelecem formando o quadro sintomatológico denominado de “Amarelão”.
Não se encontrou registro da ocorrência deste patógeno no Brasil.
Ele certamente está entre os candidatos a agente causal do amarelão. A identificação de espécies de Phytophthora pode ser feita por ELISA (teste sorológico). Existe no mercado um kit (Agdia Inc., EUA) com antissoro capaz de identificar 16 espécies, que embora não inclua P. nicotianae f.sp. nicotianae, inclui espécies causadoras de podridão radicular do fumo e várias outras plantas. Também existe a possibilidade de produção de antissoro específico para a maioria dos patógenos de interesse. Um levantamento com antissoro específico forneceria um diagnóstico mostrando a ocorrência e a extensão do problema.
Os sintomas incluem amarelecimento e secamento das folhas de um lado da planta e são causados pelo fungo
f.sp. nicotianae, capaz de colonizar o sistema vascular. As folhas do lado afetado são geralmente menores; as nervuras centrais ficam curvadas resultando em crescimento desigual, quando as folhas são infectadas antes da maturação. Um corte transversal do caule mostrará o escurecimento dos vasos apenas na parte com sintomas.
Espécies de Fusarium, incluindo
, causam podridão das raízes, principalmente aproveitando os ferimentos causados por nematóides, mas não colonizam o sistema vascular.
Embora espécies de Pythium estejam associadas a podridões de raízes em lavouras com solos encharcados, sua importância tem sido evidenciada no sistema floating, pois são adaptados ao ambiente aquático. Oxigenação inadequada das raízes estimulam a infecção. Os primeiros sintomas são amarelecimento e murcha, geralmente seguidos por nanismo (enfezamento) e morte das plântulas. Plântulas infectadas apresentam-se mais escuras do que plântulas sadias. Lesões encharcadas podem ser observadas na linha do solo/substrato. A presença de oósporos (esporos deste oomiceto) dentro dos tecidos das radicelas pode ser vista ao microscópio e garantem que os tecidos estão infectados por este patógeno. Cinco espécies são relatadas em fumo. Plântulas que não morrem têm sistema radicular reduzido no momento do transplantio. O uso de cobre para inibir o crescimento das raízes pode mascarar tais sintomas. A principal fonte de inóculo é a água de riachos e açudes.
Este fungo causa dois tipos de doenças: Mancha Aureolada, causada por estirpes do grupo AG3, na maioria dos casos, e podridão da haste ou tombamento, causado por estirpes AG4. No campo, a infecção das hastes pode ser confundida com àquela da Canela Preta. No entanto, a região externa do caule não fica tão escura quando infectada por
. Um ataque pouco severo pode manter a aparência normal da planta. Freqüentemente o caule pode ser estrangulado na linha do solo. A doença ocorre normalmente em plântulas transplantes e plantas com até 50 cm de altura, não causando problemas sérios em plantas maiores.
Um exame ao microscópio dos tecidos radiculares é necessário para a identificação definitiva desta doença. As características-chave para a identificação das hifas de
incluem a ramificação da hifa em ângulo reto, septo próximo do ponto da ramificação e constricção neste mesmo ponto. As hifas são de coloração marrom e com diâmetro maior do que 5 ìm, consideradas grossas se comparadas com outros fungos. Existem técnicas moleculares para a identificação dos grupos de compatibilidade (AG), importantes para definir especificidade hospedeira e escolher as culturas para rotação. A diagnose correta depende da associação constante dos sintomas com o fungo em várias plantas. Estirpes saprófitas de
sp. são comuns no solo.
Doença causada pela bactéria
, onde o sintoma inicial é o murchamento das folhas basais, principalmente nas horas mais quentes do dia. Com a evolução, todas as folhas murcham, amarelecem e secam. O caule da planta, logo abaixo da casca, fica escurecido. Com muita umidade, listras negras podem ser visualizadas externamente.
A bactéria é facilmente disseminada em solos encharcados. Deve-se evitar o plantio em áreas de baixada e encharcadas, e também plantios sucessivos nos mesmos locais. Recomenda-se eliminar as soqueiras e realizar rotação de culturas com gramíneas. Estes cuidados visam evitar a infestação geral da área. Lesões de nematóides podem ser porta de entrada para a bactéria. Áreas infestadas devem ser preparadas por último e, após a operação, desinfestar os implementos utilizados.
Cultivares resistentes já existem e devem ser usadas. Essa doença causa grandes perdas, principalmente em anos chuvosos. Vários programas de melhoramento genético de plantas visam a seleção de variedades resistentes à Murchadeira. Atualmente já se tem cultivares resistentes, que devem ser usadas, principalmente nas áreas de baixada, com maior umidade no solo e/ou histórico da doença.
A bactéria pode ser detectada no solo, água ou material vegetal através de isolamento em meio seletivo e/ou antissoro e/ou PCR. A identificação de estirpes em relação à biovar auxilia no estabelecimento de estratégias de controle.
Mosaico, Mosaico do Pepino, PVY, Vira-Cabeça e Listra são viroses com formas específicas de transmissão (mecânica, tripes, pulgões) e persistência (outras solanáceas, sendo essencial o conhecimento da etiologia para a tomada de estratégias corretas de controle). Existem variedades resistentes para algumas destas viroses. A identificação dos agentes causais pode ser feita por sorologia, microscopia eletrônica, observação de inclusões citoplasmáticas, RT-PCR, além de outras técnicas, tais como o uso de plantas indicadoras. A utilização de técnicas moleculares (análise do RNA) agiliza a identificação. O seqüenciamento do RNA permite a identificação de novas estirpes, informação essencial aos programas de melhoramento.
A solução dos problemas causados pelas doenças na cultura do fumo, baseando-se nos três pontos levantados na introdução, poderia ser buscada das seguintes maneiras:
1. Disponibilizar laboratórios de clínica vegetal com:
a. Capacidade de realizar testes sorológicos, microscopia de imunofluorescência, análise de DNA, entre outras técnicas;
b. Pessoal treinado, capaz de coletar amostras a campo, quando forem doenças de etiologia aparentemente mais complexa;
c. Potencial de processar grande número de amostras em pequeno espaço de tempo e a baixo custo.
2. Financiar pesquisas que ajustem protocolos de identificação dos principais patógenos nas condições das lavouras brasileiras. O ajuste de um protocolo, testando amostras sabidamente positivas e negativas, toma tempo e exige recurso, mas é essencial para o levantamento da incidência de qualquer patógeno em determinada região.
Obviamente que a solução proposta atinge apenas uma face do problema. Ele é bem mais complexo. No entanto, a proposta é decidir em cima de um diagnóstico holístico, global, para tomar decisões que realmente façam diferença. Sem o conhecimento da causa do problema, não se consegue determinar sua magnitude. Sem esta informação, toda e qualquer estratégia de solução pode ser questionada, mesmo que se convide consultores internacionais, pois eles também trabalham em cima de números, que no caso do Brasil, inexistem.
e
UFRGS
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