A babesiose bovina, causada por
e
, é a enfermidade mais importante transmitida pelo carrapato Boophilus microplus em áreas tropicais e sub-tropicais da América do Sul. Em termos gerais, as
sp. coexistem com os bovinos sem causar doença, e, em muitos casos, a enfermidade apenas aparece com valor patogênico em função da necessidade da intensificação da exploração bovina com fins mais lucrativos ou de transporte de animais de áreas livres para áreas enzoóticas a enfermidade.
Em uma população susceptível, o impacto da babesiose pode ser devastador em função dos elevados índices de mortalidade que ocorrem em animais infectados pela primeira vez, enquanto que em um rebanho continuamente exposto a carrapatos e à babesiose, pode-se estabelecer um convívio relativamente estável entre o hematozoário, o hospedeiro e o carrapato transmissor, sendo a infecção clinicamente insignificante. O aspecto mais dramático da enfermidade é a mortalidade. Outros efeitos como a doença crônica, perda do potencial produtivo, custos com manejo de animais e prevenção, quimioterápicos e vacinas, devem sempre ser considerados quando se avalia o impacto econômico da doença.
Biologia
Uma das mais importantes conquistas biológicas foi a constatação de que o carrapato bovino Boophilus annulatus era o vetor da enfermidade conhecida como Febre do Texas que atingia os bovinos no sul do Estados Unidos, ao final do século XIX. Esta constatação histórica (um artrópode como vetor de uma enfermidade) permitiu esclarecer uma estreita relação entre um hemoparasita e seu carrapato vetor. Esse descobrimento orientou as medidas de controle de diversas enfermidades causadas por hemoparasitos e serviu de modelo para o controle e prevenção de outras enfermidades transmitidas por artrópodes.
A babesiose é transmitida exclusivamente pelos carrapatos
em nosso continente, sendo que a
é transmitida pelas larvas desse carrapato enquanto que os estádios de ninfas e adultos veiculam a
.
No hospedeiro vertebrado, estruturas denominadas de esporozoítos presentes na glândula salivar das larvas do carrapato são inoculadas durante a alimentação. Elas penetram nas hemácias onde se desenvolvem rapidamente dando origem a formas denominadas de trofozoítos (estádios após desenvolvimento inicial), os quais evoluem para merozoítos, estruturas que podem ser duplicadas, apresentando aspecto piriforme no interior das hemácias. Estas formas irão continuar a se dividir por bipartição e deixar a hemácia, provocando a sua ruptura e ocasionando os sintomas típicos decorrentes da infecção (febre, anemia, icterícia, hemoglobinúria, etc.). Este é um processo contínuo, dependente fundamentalmente das condições imunes do hospedeiro. As teleóginas durante o período final do ingurgitamento (ingestão de sangue), ingerem formas do parasita que irão evoluir a partir do intestino do carrapato, invadir outros órgãos do carrapato e chegar até o ovário, preparando-se para quando nascerem novas larvas, passarem a geração seguinte e novamente infectarem outro bovino, dando continuidade a propagação do hemoparasita.
Entre o 4ª°e o 10ª°dia após a repleção, é possível visualizar-se formas de Babesia sp. na hemolinfa de teleóginas. Este achado indica que a população examinada está infectada e transmitindo a enfermidade no rebanho.
Aspectos epidemiológicos
De um modo geral, nas áreas consideradas endêmicas, os bovinos se infectam com
sp. nos primeiros meses de idade, quando estão imunes devido aos anticorpos obtidos através do colostro. Este aspecto pode dificultar a origem dos anticorpos detectados em levantamentos sorológicos, uma vez que os testes sorológicos não diferenciam anticorpos colostrais de uma resposta imune ativa. Por esta razão, recomendam-se estudos de incidência/prevalência em terneiros (bezerros) com idade superior aos 9 meses, quando desaparecem os anticorpos colostrais. Os testes sorológicos mais empregados nos estudos epidemiológicos são o Teste de Imunofluorescência Indireta, Hemaglutinação Indireta e ELISA. Com estas provas, então é possível estimar-se a probabilidade de ocorrência de surtos de babesiose a partir do conhecimento da taxa de anticorpos em um determinado rebanho.
A susceptibilidade do bovino pode ser alterada por fatores como idade, raça, estresse ambiental, e nos primeiros meses de vida, pela imunidade passiva conferida pelo colostro de mães imunes.
De um modo geral, os casos clínicos são mais graves em bovinos adultos, tendo em vista registrar-se uma resistência maior em bovinos até os 6 meses de idade. Os bovinos primeiramente infectados desenvolvem uma imunidade independente de reinfecções.
Considera-se que rebanhos bovinos com taxas de infecção inferior a 10% ou superior a 80% estejam numa situação denominada de estabilidade enzoótica, onde os riscos de ocorrer casos clínicos são pequenos ou irrelevantes. No primeiro caso, a transmissão é muito baixa pela inexistência ou índice muito baixo de vetores. No segundo caso, existe uma alta transmissão e os bovinos se infectam naturalmente nos primeiros meses de vida. Os rebanhos com taxas de anticorpos intermediários se encontram em situações de riscos de surtos de “Tristeza”. Esta situação é conhecida como de “instabilidade enzoótica”.
Situações de manejo que venham a interferir no equilíbrio entre o carrapato vetor, a babesiose e o bovino, determinam alterações na taxa de inoculação impedindo que uma proporção importante dos animais recebam a primeira infecção logo após a perda da sua resistência natural. Estas práticas de manejo podem ser tratamentos carrapaticidas freqüentes, mudanças climáticas acentuadas, mudanças no ambiente para o carrapato, nas pastagens, raças, etc.
O interesse na sorologia da babesiose decorre do interesse de se reconhecer a infecção durante a fase sub-clínica. Os testes sorológicos mais comumente empregados são: Imunofluorescência Indireta, ELISA e o teste de aglutinação, conhecido como card-test. Esses testes são particularmente importantes em levantamentos epidemiológicos para avaliação do estado imunológico dos rebanhos.
O incremento da utilização de endectocidas sistêmicos nos últimos anos tem sido incriminado como um dos fatores que contribuíram para um aumento de casos clínicos de TPB nos últimos, em especial no período 2001/02. Entretanto, o Anaplasma marginale tem sido registrado como o agente etiológico mais freqüente de surtos de TPB registrados em nosso protocolo. Para ilustrarmos o nª desses casos, apresentamos os casos registrados no IPVDF-FEPAGRO entre os anos 2000 e 2003 (vide gráfico -
).
Recomendações
Em rebanhos susceptíveis com base em dados sorológicos e histórico de casos clínicos, a vacinação anual de terneiros (bezerros) é uma ação para prevenir a enfermidade quando houver exposição aos hemoparasitas. Se houver uma proporção de adultos em riscos de babesiose de acordo com a informação sorológica, também recomenda-se uma vacinação no primeiro ano. Entretanto, os riscos de reações clínicas em bovinos adultos são maiores que nos terneiros, aspecto que sempre deve ser considerado se essa for a situação.
Mesmo que existam vacinas contra a babesiose bovina, especialmente para uso em áreas endêmicas, os fármacos ainda representam um papel fundamental para o tratamento de casos clínicos de TPB, e, mesmo em algumas situações, na profilaxia da enfermidade.
Endectocidas e a babesiose
O aumento do número de casos clínicos de babesiose em algumas regiões do país tem sido relacionado à intensificação do uso das lactonas macrociclicas (ivermectina, abamectina, doramectina e moxidectina), especialmente as de longa ação. Entretanto, deve ser considerado que esses produtos não possuem ação babesicida em qualquer estágio do hemoparasita e uma especial atenção deve ser direcionada ao manejo desses produtos, notadamente a freqüência de seu uso. Com uma ação prolongada sobre os ixodídeos, os endectocidas administrados em determinadas épocas do ano, têm o efeito de um esquema estratégico de controle (por exemplo uma aplicação de uma ivermectina 3,15% tem o mesmo resultado do que três tratamentos com banhos carrapaticidas a intervalos de 21 dias no Rio Grande do Sul). Dependendo da época do ano em que outro tratamento com o mesmo endectocida venha a ser utilizado, a população anual de carrapatos pode ser controlada estrategicamente desse modo (Endectocida L.A. em setembro/outubro, repetindo o tratamento em março/abril, por exemplo). Desta forma, a adoção do regime estratégico de controle do carrapato (com carrapaticidas convencionais ou endectocidas), pode implicar que na geração seguinte (próxima estação), a disponibilidade de carrapatos que normalmente infestam os terneiros (bezerros) durante os meses de primavera no Sul pode ser pequena. Em conseqüência, muitos terneiros podem não receber a inoculação ativa (aquela que é dada pelos carrapatos) e não desenvolverem imunidade adequada, manifestando sintomas clínicos da enfermidade ao terem contato com carrapatos infectados.
Em zonas endêmicas aos carrapatos e a babesiose, deve-se assegurar que os terneiros tenham contato com carrapatos e ainda, quando disponível e possível, utilizar-se da imunização contra a Tristeza Parasitária Bovina. Especialmente entre os 4 e 10 meses de idade, esta é uma prática a ser considerada no manejo das hemoparasitoses. Por outro lado, o uso de endectocidas de longa ação pode ser dirigido a determinadas categorias (animais em crescimento, engorda, novilhas/vacas prenhes, por exemplo) e devem se limitar a 2 aplicações anuais, sob o risco de excessiva exposição às demais populações de parasitas e eventuais problemas futuros de resistência (freqüência de uso é diretamente proporcional ao desenvolvimento de resistência).
Portanto, o manejo antiparasitário adotado na propriedade pode responder primeiramente por qualquer mudança na epidemiologia dos parasitas e não devemos esquecer que esta é uma atribuição humana, sujeita a variáveis e eventuais equívocos. A recomendação de tratamentos antiparasitários deve sempre levar em conta o aspecto da epidemiologia dos parasitos na região alvo, a disponibilidade de produtos e princípios ativos eficazes, o aspecto econômico e as condições específicas de cada produtor, uma decisão que deve ser avaliada individualmente com a supervisão de um veterinário treinado e com suficientes subsídios para recomendar uma estratégia adequada a cada caso.
João Ricardo Martins
IPVDF-FEPAGRO
John Furlong
Embrapa Gado de Leite
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