No século que se encerrou, a agricultura passou por inúmeras modificações. Novas tecnologias e alternativas de melhorar o uso da terra e a eficiência dos insumos utilizados foram constantemente incorporados ao processo produtivo. Todas essas implementações auxiliaram e continuam auxiliando no aumento da produção de alimentos para uma população que aumentou 3,6 vezes nos últimos 100 anos.
O clima é, seguramente, o fator dominante no estabelecimento da agricultura em determinada região. Os fatores climáticos são os principais agentes formadores dos solos, em especial a temperatura e a precipitação pluvial, que atuam na distribuição da vegetação e nas características químicas, físicas e biológicas de cada solo. Assim, nas regiões temperadas, a temperatura é o fator mais limitante na produção, enquanto que nas regiões tropicais, as precipitações pluviais são as que mais afetam a produtividade das culturas. Isso indica, também, que há uma estreita relação entre a quantidade e a distribuição das precipitações pluviais e as características físicas e químicas dos solos. O tipo e o estado da vegetação, além da conservação da água na sub-superfície, dependem da distribuição e quantidade das precipitações pluviais.
Hargreaves (2000) destaca a irrigação como o principal instrumento para manter o agricultor no campo e possibilitar seu desenvolvimento econômico e social. Pode-se até mesmo dizer que a irrigação transformou o uso e a exploração das terras e a sociedade humana como nenhuma outra atividade havia feito anteriormente. Não obstante, registros históricos reportam que muitas civilizações da antiguidade, cuja atividade agrícola esteve baseada na agricultura irrigada, ruíram em função do uso inadequado da água. Isso significa que, a agricultura irrigada, assim como todo o sistema de irrigação, deve ser constantemente monitorada, para evitar que os custos de operação e manutenção não sejam maiores que benefícios advindos do sistema de produção. Com um adequado manejo da água de irrigação, os agricultores irrigantes podem aumentar a produtividade das explorações, além de possibilitar safras adicionais. Para isto, é necessário que a pesquisa disponibilize opções de manejo que possam contribuir para a conservação dos recursos naturais e garantir um desenvolvimento sustentável. À exceção disto, é função da pesquisa oferecer dados sobre o manejo de culturas visando aumentar a produção, diminuindo os riscos da atividade agrícola.
Hora de acionar o sistema de irrigação
Um dos problemas clássicos que envolvem o manejo da irrigação é a determinação de quando e quanto irrigar. A escolha do momento de irrigar requer a consideração de algumas variáveis como: fatores do clima, tipo e estádio de desenvolvimento da cultura e capacidade de armazenamento de água no solo. Atualmente, existe um crescente interesse no controle da irrigação através de variáveis meteorológicas, visto que estas são as principais responsáveis pelas oscilações no rendimento das safras agrícolas no Brasil. Este método consiste na determinação do balanço hídrico do solo, ou seja, a disponibilidade de água no solo às plantas está relacionada com a intensidade das perdas pelo processo de evapotranspiração.
O manejo da irrigação a partir de dados meteorológicos implica que estes sejam representativos de uma propriedade ou região e que sejam coletados automaticamente. Embora o avanço da tecnologia na agricultura tenha possibilitado rapidez e facilidade no acesso a um grande contingente de dados, a coleta e disponibilização dos dados deve ser feita com precisão. Isso significa que o planejamento, instalação, manutenção e a procedência dos dados coletados automaticamente devem ser feitos por pessoas tecnicamente capacitadas.
A estrutura de informações meteorológicas no Brasil é organizada em Distritos Meteorológicos, que recebem informações de diversas estações meteorológicas instaladas nos municípios de abrangência. Como exemplo, tem-se o 8º Distrito Meteorológico, com sede em Porto Alegre, o qual recebe informações meteorológicas diárias de diversos municípios, como é o caso da estação meteorológica de Santa Maria, situada no Campus da Universidade Federal de Santa Maria. No 8º Distrito Meteorológico as informações são processadas e um relatório diário é elaborado com as condições climáticas ocorridas.
Esta estrutura de informação permite ao usuário uma visão geral das variáveis meteorológicas ocorridas e informações sobre previsão de tempo para uma determinada região. Porém, informações de uma pequena ou micro região podem não ser muito precisas, dificultando ou limitando o uso dessas informações na atividade agrícola. Além disso, as informações meteorológicas coletadas nessas estações oficiais não são disponibilizadas aos interessados na velocidade necessária. A situação considerada ideal seria o produtor ter ao seu dispor informações climáticas referentes a sua propriedade que, juntamente com as informações de um distrito meteorológico, auxiliassem no processo de planejamento, instalação e condução das lavouras. Assim, de posse dessas informações, o produtor poderia planejar suas atividades como compra de insumos, período ideal para semeadura, irrigação, aplicação de agro-químicos e colheita, entre outros.
Aplicações agrícolas da climatologia
O alastramento das observações meteorológicas durante o século XVIII, principalmente aquelas utilizadas na previsão de tempo, foi um fator determinante para o início do armazenamento dos dados de clima em quase todo o mundo. Durante a década de 80 e 90, a mais decisiva contribuição da pesquisa na área climatológica esteve relacionada aos alertas sobre o aquecimento global do planeta em função do efeito estufa, além das previsões sobre catástrofes causadas por furacões e tempestades.
Na verdade, todas as atividades econômicas são sensíveis ao clima. A construção civil, a aviação, a agricultura, assim como a medicina, são influenciados pelo tempo e, conseqüentemente, pelas condições meteorológicas. Especificamente na agricultura, a necessidade das informações meteorológicas é extremamente importante. A duração da estação de crescimento depende do tipo de planta, da temperatura do ar, da disponibilidade de água e do local (localização geográfica) onde a planta está sendo cultivada. A freqüência e a quantidade das precipitações pluviais, juntamente com a capacidade de armazenamento de água no solo, definem a eficiência do uso da água (Bergamaschi, 1992).
Um importante componente que auxilia e facilita o acesso às informações são as chamadas estações meteorológicas automáticas. Essas estações são caracterizadas por um conjunto de instrumentos capazes de descrever as condições meteorológicas em tempo real e podem ser instaladas dentro da propriedade, próximo da área cultivada. As estações meteorológicas automáticas possuem sensores que medem as temperaturas do solo e do ar, radiação solar, precipitação pluvial, umidade relativa do ar, pressão atmosférica, velocidade e direção do vento. A partir dessas informações o produtor rural pode planejar toda a atividade agrícola, desde o plantio até a colheita.
Os dados coletados por essas estações meteorológicas podem ser enviados diretamente para um computador instalado na propriedade. Programas (softwares) especiais que interpretam os dados gerados pela estação meteorológica possibilitam a visualização dos dados coletados, tanto no painel de controle da estação como no monitor de um computador, em tempo real.
Nos países desenvolvidos, como por exemplo os Estados Unidos, as variáveis meteorológicas de grandes áreas cultivadas são monitoradas e a semeadura só é efetivada quando um programa de computador indicar as condições ideais de umidade e temperatura do solo, para o processo de germinação e desenvolvimento inicial (Elliott et al, 2000). Esse sistema permite que o desenvolvimento das plantas seja acompanhado em tempo real, além de possibilitar o manejo da cultura de forma a obter melhores rendimentos.
Essas novas tecnologias podem ser de grande utilidade ao produtor, uma vez que esse poderia determinar o momento exato e tecnicamente recomendado para realizar as operações agrícolas. As informações meteorológicas, associadas ao estádio de desenvolvimento da cultura, podem, por exemplo, fornecer informações sobre a previsão de ocorrência de pragas e doenças.
Estações meteorológicas automáticas
O avanço dos instrumentos eletrônicos para obtenção de dados meteorológicos, vem desenvolvendo-se rapidamente, sobretudo o uso de estações meteorológicas automáticas. Os dados fornecidos por essas estações, juntamente com os obtidos em observatórios oficiais permitem a avaliação e o planejamento das atividades agrícolas.
Uma rede é formada pela interligação de estações meteorológicas, com comunicação via rádio, telefonia ou microondas, onde existe um ponto de coleta de informações. Essa interligação permite a visualização, em tempo real, de dados meteorológicos de uma microrregião, auxiliando na tomada de decisão de um grupo de produtores, ou o monitoramento de condições favoráveis ao aparecimento de uma determinada praga ou moléstia, ou determinação de períodos propícios à formação de geadas e, principalmente, para indicar o momento de acionar os sistema de irrigação e a indicação da quantidade de água a ser aplicada.
Nos Estados Unidos e Canadá, embora exista um grande número de estações meteorológicas oficiais, o uso de estações compactas e a conseqüente formação de redes está sendo difundida rapidamente. Nesses países, existem aproximadamente 40 redes de informação para obtenção e monitoramento de dados atmosféricos e de solo através da utilização de estações meteorológicas compactas. Algumas dessas são controladas por órgãos governamentais, outras por instituições de pesquisa e um grande número são formadas por cooperativas de produtores rurais.
No Brasil, a utilização das estações meteorológicas automáticas é recente, sendo que um grande número está instalada em instituições de pesquisa. Porém, o seu uso por produtores rurais vem crescendo continuamente.
Manejo via Internet
O Departamento de Engenharia Rural, através do Setor de Irrigação e Drenagem, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), está implementando uma rede de estações meteorológicas automáticas. A principal importância do estabelecimento dessa é a possibilidade da previsão de quando irrigar e quanta água aplicar numa determinada área, dependendo da cultura e do tipo de solo. O cálculo da irrigação é feito a partir de dados meteorológicos, baseado na estimativa da evapotranspiração de referência para diferentes culturas.
No momento, a rede é composta por catorze estações meteorológicas automáticas no Estado do Rio Grande do Sul, três no Uruguai e uma em Luziânia, no Estado de Goiás. Na figura 1 (
) é apresentada a distribuição das estações meteorológicas ligadas em rede no Estado do Rio Grande do Sul. Os dados meteorológicos medidos pelas estações são transferidos para um computador em cada propriedade, onde são processados por um programa criado por uma equipe de pesquisadores da UFSM. Depois de processados por este programa, os dados são transferidos via satélite para um computador localizado no campus da Universidade (figura 2), onde é realizado o cálculo da evapotranspiração ou o requerimento hídrico das culturas. Os agricultores irrigantes, usuários do sistema, acessam-no através de um endereço eletrônico na Internet (
), e lá podem encontrar informações específicas sobre o manejo da irrigação de sua propriedade. As informações são disponibilizadas diariamente (intervalo de 24 horas), detalhando por cultura e sistema de irrigação, quando e quanto irrigar, além de disponibilizar a previsão de ocorrência de necessidade de aplicação de água via irrigação para um período de 24 e 48 horas.
O manejo da irrigação abrange, atualmente, as culturas do milho, milho doce, sorgo, milho pipoca, feijão, soja, batata, tomate, ervilha, algodão, trigo, cevada e café. O sistema conta com um conjunto de 32 irrigantes no Brasil e 05 no Uruguai, destacando-se as Fazendas Pamplona e Paineira, do grupo SLC Agrícola Ltda; Fazenda Ana Paula Agropastoril Ltda; Granja Três Irmãos (família Bohrz); Condomínio Rural Macagnan Ltda, entre outros. No total são 137 pivôs centrais cadastrados no sistema, totalizando uma área irrigada aproximada de 10.500 hectares. A previsão de abrangência do sistema de manejo da irrigação para 2003 é de 40.000 hectares, sendo 20.000 hectares no Estado do Rio Grande do Sul e 20.000 hectares no restante do Brasil.
As vantagens do sistema de controle de irrigação via Internet são: (I) facilidade e rapidez no acesso aos resultados em tempo real; (II) os dados de entrada ao sistema, especialmente aqueles relacionados ao solo, planta e clima, são realizados por uma equipe técnica especialmente treinada para essa finalidade, desonerando o produtor irrigante do fornecimento de qualquer informação básica inerente ao sistema. O produtor irrigante necessita apenas informar a data de semeadura, a cultura implantada e o sistema de manejo adotado e, (III) a principal vantagem é a da redução no consumo de energia elétrica ou diesel (na ordem de 35 a 40%), com conseqüente redução de custos e aumento na eficiência do uso da água.
ESTIMATIVAS E FUTURO DO SISTEMA
Estatísticas recentes indicam aumento na área irrigada por aspersão durante os últimos anos, fazendo do setor agrícola o maior consumidor de água e de energia elétrica no Brasil. O grande avanço nas áreas irrigadas tem contribuído de forma expressiva nas discussões acerca da melhor eficiência no uso da água, isto é, como incrementar a produção por unidade de água consumida. Cabe ressaltar que a irrigação é uma tecnologia que possibilita agregar valor ao produto gerado, proporcionando maior renda aos produtores.
A eficiência no uso da água na agricultura pode ser bastante melhorada através do manejo da cultura visando um melhor aproveitamento das precipitações pluviais. Notadamente, a grande contribuição do adequado manejo da água de irrigação é o controle do uso da água, pois tanto o excesso como a deficiência hídrica causam redução no rendimento de grãos das culturas. Quando uma pequena quantidade de água é aplicada, esta é quase totalmente utilizada pela cultura e, para maiores quantidades, os acréscimos na produção são progressivamente menores, indicando perdas de água quando a cultura está próxima da condição de máxima produção. A água aplicada, além do ponto de produção máxima, provoca redução da produção em conseqüência da diminuição da aeração do solo, da lixiviação de nutrientes e, provavelmente, do desenvolvimento de doenças associadas ao excesso de umidade, além de aumentar os custos de produção e consumo de energia elétrica.
A redução da lâmina de irrigação aplicada proporciona uma redução no número de horas de funcionamento dos sistemas, com redução no consumo de energia elétrica. Portanto, a proposta de manejo da irrigação visa o melhor aproveitamento das precipitações pluviais pelas culturas e a determinação do momento mais adequado da aplicação de irrigação suplementar, com conseguinte benefício de redução nos gastos energéticos. Estima-se, através de dados preliminares, redução nas lâminas aplicadas e conseqüente redução no consumo de energia de aproximadamente 30 a 35%, além de aumento na produtividade das áreas sob irrigação pela correta aplicação da água de irrigação.
Uma análise de custos de áreas irrigadas e que adotam o sistema de manejo em discussão, indica uma redução significativa na lâmina acumulada aplicada, redução no consumo de energia e menor incidência de pragas e doenças, além de um substancial incremento no rendimento de grãos por unidade de área. O custo para a aplicação de 1 mm de água num pivô de 100 hectares equivale a R$ 100,00 (cem reais) aproximadamente, considerando-se somente os custos com energia elétrica. Esses valores correspondem a uma fração substancial no custo total de produção, daí a importância de minimizar o consumo de energia, com melhor utilização das precipitações pluviais e água armazenada no solo sem, entretanto, reduzir o rendimento de grãos das culturas.
Num exemplo prático, podem ser citados os trabalhos de manejo da irrigação na Fazenda Pamplona, em Luziânia, Goiás. Na cultura do trigo foi obtido um rendimento de 90 sc/ha, com uma lâmina de irrigação aplicada de 250 mm, quando o consumo médio normal da cultura está entre 400 e 500 mm. A precipitação pluvial durante todo o ciclo de desenvolvimento da cultura foi de 31,80 mm. Para o tomate industrial, obteve-se um rendimento médio de 132 a 135 t/ha, com uma lâmina acumulada aplicada de 340 mm e uma precipitação pluvial de 33 mm. Além disso, foi observação uma redução entre 2 a 3 aplicações de fungicidas. Na cultura do feijão obteve-se um rendimento de grãos de 60 sc/ha, para uma lâmina de irrigação acumulada de 235 mm. A precipitação pluvial acumulada foi de 32 mm. Em comparação a anos anteriores, observou-se um redução na lâmina aplicada de 60 a 70 mm, numa área irrigada de aproximadamente 600 hectares. Isso equivale a uma redução no custo de energia elétrica de R$ 36.000,00 a R$ 42.000,00 (trinta e seis a quarenta e dois mil reais), além da redução de uma aplicação de fungicida. Com a cultura da ervilha obteve-se um rendimento médio de 60 sc/ha, para uma lâmina de irrigação aplicada de 220 mm e total ausência de precipitações pluviais no período.
O objetivo atual da equipe de pesquisadores da UFSM é fazer com que o programa abranja um número cada vez maior de culturas irrigadas e, por conseguinte, o aumento da área monitorada.
Reimar Carlesso, Mirta Teresinha Petry, Genésio Mario da Rosa
e
Marcio Zaiosc Almeida,
UFSM
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