Conflito no leste europeu completa um mês e setor de fertilizantes segue apreensivo

Por Mauro Osaki, pesquisador da área de Custos Agrícolas do Cepea

04.04.2022 | 14:36 (UTC -3)
Mauro Osaki, pesquisador da área de Custos Agrícolas do Cepea
Mauro Osaki, pesquisador da área de Custos Agrícolas do Cepea

O mercado mundial de fertilizantes, que já enfrentava consecutivos e fortes aumentos nos preços ao longo de 2021, ficou ainda mais apreensivo ao longo do último mês, tendo em vista o conflito no leste europeu, região que é uma das maiores fornecedoras globais de fertilizantes e de gás natural.

Conforme dados da Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), o Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo. A taxa de crescimento de consumo deste insumo foi de 4,3% a.a. nos últimos 20 anos, contra taxa mundial de 4,8% a.a. Dentre os fertilizantes intermediários, o Brasil é o segundo maior consumidor de potássico do mundo, ficando atrás somente da China. O Brasil também é o terceiro maior consumidor de fertilizante fosfatado (P2O5) e o quarto maior de nitrogenado.

Em 2021, segundo a Anda, o consumo brasileiro de fertilizantes somou 45,85 milhões de toneladas, sendo que 85% desses fertilizantes foram importados. As culturas de soja, milho e cana-de-açúcar são as três principais demandantes – juntas, responderam por 73% do consumo anual.

Dentre os principais fertilizantes importados está o cloreto de potássio – 96% do volume desse produto consumido no Brasil é importado. Por sua vez, apenas quatro países são responsáveis por quase 80% da produção mundial: Canadá (32%), Belarus (18%), Rússia (18%) e China 12%. Em 2021, o Brasil importou cerca de 12,8 milhões de toneladas de cloreto de potássio, sendo que 32,6% vieram do Canadá, 28,2%, da Rússia e 18,7%, de Belarus.

A dependência nacional de fertilizantes estrangeiro ficou ainda mais evidente em 2021, quando a União Europeia (UE) impôs sanção econômica sobre Belarus e impediu a exportação do fertilizante potássico por meio dos países membros da UE. Mais recentemente, com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a UE impôs sanção econômica ao país russo, o que deve limitar ainda mais a oferta desse fertilizante para o mundo. Em março do ano passado, dados indicam que o KCl era negociado no Porto de Vancouver/Canadá, em média, a US$ 248/tonelada; esse valor foi triplicado para US$ 815/t em março de 2022.

Quanto ao nitrogenado, conforme a Anda, a Rússia é o segundo maior produtor do mundo (10%), ficando atrás da China (29%). Dentre os nitrogenados importados pelo Brasil, a ureia responde por mais 72% do teor de nutriente N, e a Rússia é a segunda principal fornecedora dessa matéria-prima, correspondendo por 17% de toda a ureia importada nos últimos cinco anos (2017-2021). No caso no nitrato de amônio, o impacto é ainda mais intenso, pois quase todo o fertilizante (98%) importado pelo Brasil vem da Rússia. Para o fertilizante fosfatado, os maiores produtores mundiais de pentóxido de fosforo (P2O5) são a China (39%), Marrocos, Estados Unidos e Rússia. Dentre os fertilizantes importados, cerca de 74% do P2O5 são representados pelo MAP, e a Rússia foi o segundo maior fornecedor do fertilizante, responsável por cerca de 21% do fosfato importado nos últimos cinco anos.

Os preços internacionais dos nitrogenados estão em disparada desde outubro. Em um ano, (de março/21 para março/22), a tonelada da ureia prill comercializada no porto de Yuznhy (Ucrânia) se valorizou 110%. No mesmo período, o valor médio da tonelada do nitrato de amônio dobrou no porto russo de São Petersburgo. Quanto ao fertilizante fosfatado, os preços médios do MAP (fosfatado monoamônico) negociado nos portos de Casa Blanca (Marrocos) e de São Petersburgo subiram respectivos 92% e 88%.

Todo esse contexto suscita o questionamento da excessiva dependência da produção agrícola por fertilizantes importados. Sobre essa questão aponta-se a existência de minas de potássios em solo nacional. Além das minas de potássio exploradas em Sergipe, estudo realizado pelo Ministério de Minas e Energia identificou minas de potássio no centro-oeste do Amazonas, estimando que esta região teria uma reserva de 3,2 bilhões de toneladas do minério. A exploração econômica dessas minas, contudo, esbarra em processos judiciais.

No caso da redução nacional da oferta de nitrogenado, esta se deveu, conforme o artigo da Forbes, a uma decisão estratégica da Petrobras de vender ativos visando à diminuição de endividamento, saindo do mercado de fertilizantes a partir de 2017 – fábricas de Camaçari (BA) e de Laranjeiras (SE) foram fechadas em março de 2018. No ano seguinte, duas unidades nesses locais foram arrendadas para a Unigel. A fábrica de nitrogenado em Araucária (PR), foi colocada em hibernação em 2020 pela Petrobras, por ter operação deficitária, pois a matéria-prima utilizada (resíduos asfálticos) estava mais cara que os produtos finais (ureia e amônia). Já a UFN3 (Unidade de Fertilizantes Nitrogenados 30), em Três Lagoas (MS), teve as atividades paralisadas em 2018, após a decisão anterior da Petrobras de sair do segmento de fertilizantes. Recentemente, segundo o governo do estado de Mato Grosso do Sul (http://www.ms.gov.br/acron-planeja-retomar-obras-da-ufn3-em-julho/), o grupo russo Acron demonstrou interesse em comprar a unidade. A saída da estatal resultou em uma forte diminuição na oferta do nitrogenado nacional. Vale ressaltar que o seu projeto da UFN4 (Linhares – ES) nem saiu do papel e a UFN5 (Uberaba – MG), que deveria ser concluída em 2014, teve seu projeto interrompido em 2015. A UFN5 seria uma importante unidade para a produção de amônia, que é matéria-prima para a produção do MAP (mono-amonio fosfato). O grande gargalo para tornar essas unidades de fertilizantes nitrogenados competitivas é o valor do gás natural.

O fato é que o Brasil se tornou um grande produtor de alimentos para o mundo e também é classificado como um dos grandes atores para a segurança alimentar global. Porém, a produção agrícola cresceu dependente dos fertilizantes importados nesses últimos 20 anos. O conflito entre Rússia e Ucrânia expôs claramente a vulnerabilidade do nosso sistema produtivo no que toca fertilizantes. Trata-se de uma questão mais ampla, que se agravou com a queda da confiabilidade de se ter no mercado externo importante fonte de suprimentos em geral – no caso, fertilizantes em especial. De imediato rearranjos no padrão de trocas comerciais se fazem necessários. A produção nacional de fertilizantes é questão estratégica e precisa ser avaliada com presteza, tendo em vista a definição de como ela será implementada. Complexidades de natureza político-institucional e socioambientais precisam ser tratadas tendo em conta os interesses nacionais numa gama de questões inter-relacionadas.

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