Como escolher o melhor trator e semeadora que serão utilizados no plantio

Variações entre terrenos, declividade, condições de umidade do solo, compactação e cobertura vegetal precisam ser considerados para escolha certeira

26.03.2020 | 20:59 (UTC -3)

Obter um “casamento perfeito” entre trator e semeadora não é simples. Variações entre os terrenos da propriedade, declividade, condições de umidade do solo, compactação e cobertura vegetal têm que ser consideradas na hora de escolher o trator e a semeadora que serão utilizados no plantio.

As chuvas intensas dos últimos meses, coincidindo com épocas de semeadura e estabelecimento das lavouras e pastagens, causaram considerável preocupação pelo recrudescimento da erosão do solo.  Problema de proporções colossais nas décadas de 60 e 70, acreditava-se resolvido com a adoção do Sistema Plantio Direto. O desenvolvimento de máquinas de semeadura capazes de implantar culturas sem a necessidade de preparo prévio do solo fez com que a superfície pudesse permanecer com cobertura de palha, fator primordial na quebra da energia da gota da chuva, e, portanto, do início do processo erosivo.

O não revolvimento anual do solo, no entanto, conduziu a um aumento da resistência ao corte de discos e sulcadores para abertura do(s) sulco(s) para a deposição do fertilizante e da semente. Semeadoras convencionais tinham pouca massa e os discos e sulcadores não penetravam à profundidade desejada. Peso foi acrescentado às semeadoras e potência aos tratores para uma eficiente abertura de sulco. A adoção do “Sistema Plantio Direto” que prevê rotação cultural, manutenção de superfície coberta durante todo ano, manejo para aumentar a matéria orgânica do solo e, assim, permitir uma reestruturação do solo para uma boa absorção de água, foi muitas vezes reduzida apenas à semeadura na resteva da cultura anterior. Acreditando que apenas esta operação já fosse “plantio direto”, muitos proprietários rurais retiraram os terraços para facilitar a operação de máquinas de semeadura, pulverização e colheita.

A simples adoção do sistema de semeadura direta, mesmo que com solo coberto e com rotação cultural, não significa que o solo esteja estruturado para a absorção da água das chuvas principalmente quando ocorre elevada precipitação em curto espaço de tempo. A porosidade do solo, existente em solos bem estruturados, necessita ser “construída” por práticas culturais que promovam um incremento no desenvolvimento de “canais” contínuos, que, além de permitirem rápida infiltração de água, também permitam boa aeração da camada ocupada pelas raízes. Culturas de famílias diferentes têm sistemas radiculares de hábito de crescimento diferenciados, explorando volumes de solo diferentes. Quando a planta entra em senescência, o sistema radicular é decomposto; se não houver mobilização do solo este dá origem a poros, que, juntamente com os bioporos formados pelos organismos que atuam nesta camada, permitem o desenvolvimento de uma estrutura.

Um solo bem estruturado, com boa presença de macro e mesoporos, permite uma infiltração de água e um armazenamento da mesma para disponibilização às plantas da cultura seguinte. A formação da estrutura do solo, porém, não é um processo imediato, demandando tempo para ser consolidada.

Na agricultura atual, tecnificada em maior ou menor escala, a presença do tráfego sobre o solo agrícola é constante, sejam tratores operando semeadoras, adubadoras, pulverizadores ou colhedoras e caminhões para a retirada do grão. Em condições normais de exploração, pouca atenção tem sido dada à compactação que advém desta pressão sobre o solo exercida pelo tráfego. A tendência das áreas atingidas pelos pneus é de resistirem à carga a elas aplicada. Quando a resistência não é suficiente, a estrutura colapsa, sendo traduzida como compactação do solo. Solos com maior compactação são mais resistentes ao corte, forçando a utilização das semeadoras com menor número de linhas (diminuição da largura útil) ou o seu uso em condições de solo mais úmido, cuja resistência ao corte é menor. E, tráfego sobre o solo com teor de água elevado é a maneira mais fácil de compactá-lo, pois a água em excesso pode atuar como lubrificante entre as partículas sólidas.

Toda esta situação contribui para uma perda no potencial de produção das culturas, independentemente da quantidade de insumos aplicada. Sem água, e no momento apropriado, não se atinge o pleno potencial produtivo.

A semeadura é uma das operações mais importantes em todo o processo produtivo. Uma boa germinação depende de a semente ser colocada num ambiente de umidade adequada. Um ambiente mais úmido é mais facilmente obtido pela abertura de um sulco em uma profundidade em que o solo apresente umidade adequada. A semeadora deve posicionar a semente, cobri-la e firmar o solo à sua volta. O sulco permite a colocação da semente onde as condições de umidade são mais favoráveis do que as condições encontradas na superfície. Mais importante se torna em regiões onde altas taxas de evaporação secam a camada superficial muito rapidamente. A cobertura da semente e a compactação do solo à sua volta auxiliam a estabilizar tanto a temperatura como a umidade na imediata vizinhança da semente em germinação e também a protege da ação de pássaros e formigas. É necessário que se diga que a ação do sistema sulcador de uma semeadora não se restringe apenas à ação de abertura do sulco e é por isso que se torna tão difícil obter uma semeadura onde todas as condições ótimas para a semente e planta sejam atingidas. Critérios para avaliar sulcadores fixos, de discos ou conjuntos de outras formatações, devem contemplar: o corte da palha superficial; mínima mobilização do solo, a profundidades uniformes, suficiente para um bom contato solo-semente - desta forma é induzida a máxima difusão de umidade através da superfície de contato solo-semente; profundidade de deposição da semente uniforme, com cobertura e pressão adequadas; a capacidade de “copiar” a superfície do terreno e seguir contornos, mantendo a qualidade do sulco; a capacidade de ultrapassar obstáculos como pedras, raízes, sem quebrar ou “embuchar”; um grau de mobilização subsuperficial para facilitar o desenvolvimento de raízes, ao mesmo tempo evitando mistura do solo subsuperficial com o superficial; retorno da palha deslocada pelo sulcador para diminuir emergência de plantas indesejadas (competidoras); durabilidade dos componentes, resistência à abrasão para que o conjunto não perca o desempenho (demanda de tração, corte de resíduos e posicionamento das sementes).

A capacidade de satisfazer os critérios acima varia tanto para sistemas sulcadores de discos ou com sistemas com sulcadores fixos; isto é facilmente assimilável se considerarmos a quantidade de variação no solo que é introduzida pelo tráfego não controlado, ou ao efetuar uma distribuição de insumos inadequada. O solo trafegado compacta até o ponto em que possa resistir à pressão aplicada pelos pneus enquanto que onde não há tráfego, esta resistência é menor. As regulagens de pressão sobre o disco cortador de palha, profundidade de ação de sulcadores ou discos, são feitas pela condição média da lavoura. A resposta, em termos de qualidade do sulco, será variável em função das condições de solo encontradas. A própria velocidade de operação da semeadura, mesmo que constante, influi na qualidade do sulco pela interação dos elementos de penetração no solo com condições de solo mais ou menos resistentes (compactados, quantidade de remanescentes de raízes, grau de resistência ao corte). Em suma, a variação da resposta da implantação de culturas é função da variabilidade induzida pelo tipo de cultivo em anos anteriores. Significa dizer que não se pode obter uma resposta satisfatória da semeadora a todas as condições.

Uma estratégia que pode melhorar consideravelmente a questão da excessiva compactação do solo pelos pneus é um correto dimensionamento do trator e semeadora, embora isto nem sempre seja fácil se não for feito um bom diagnóstico da área. Implementos que são muito grandes para os tratores que os tracionam, causam sobrecarga e aumentam a patinagem, incorrendo desta forma em aumento do gasto de combustível e quebras de peças, ao mesmo tempo em que o desempenho geral deixa a desejar. Implementos subdimensionados, por outro lado, além de operação ineficiente, produção baixa e aumento dos custos, encorajam o operador a trabalhar com uma velocidade acima da ideal para uma boa qualidade do serviço.

A demanda de potência de uma semeadora adubadora pode ser calculada tomando-se por base a força de tração por linha de semeadura.  Quando o solo é preparado convencionalmente, ano após ano, a necessidade de tração por linha de semeadura, usando abridor de sulcos tipo facão estreito (não mais de 2cm de largura da ponteira) era estimada em 1.500N, aproximadamente 150kgf por linha de semeadura. Se o sulcador fosse do tipo discos duplos, a necessidade de tração diminuía para 400N por linha. O sistema plantio direto, porém, trouxe um aumento na demanda de tração, que varia tanto para o tipo de solo como para o tipo de sulcador usado. Se o sistema sulcador das semeadoras adubadoras for constituído somente de discos, a estimativa de força de tração necessária para cada linha é de 1.820N (cerca de 182kgf) em solos argilosos, diminuindo para 1.750N para solos médios e 1.675N para solos arenosos. Já os sulcadores tipo facão estreito demandam 3.400N  em solo argiloso, 3.200N em solos médios e cerca de 2.800N em solos arenosos.

A potência necessária para tracionar uma semeadora (= potência na barra de tração) pode ser calculada multiplicando a força de tração demandada pelo total de linhas da semeadora multiplicada pela velocidade da operação. Como exemplo, uma semeadora-adubadora de precisão de nove linhas, trabalhando em latossolo, necessita de um total de (nove linhas x 3.400N) 30.600N para ser tracionada. Se a velocidade de trabalho for de 6km por hora, a potência necessária na barra de tração (Pbt) será de (30,6 x 6.000/3.600) 51kW ou 69cv. A potência na barra é o resultado da força de tração (Ft) necessária multiplicada pela velocidade (v). Se a força for defininada em quilonewtons (kN) e a velocidade em metros por segundo, a potência é definida em quilowatts (kW) (Pbt=Ft x v).

Os tratores são definidos em termos de potência desenvolvida no motor. No entanto, esta potência não “chega” integralmente à barra de tração. Há perdas em todo o processo de transmissão (internos ao trator) e há perdas na interface pneu-solo. A quantidade de palha da superfície, o tipo e a umidade do solo, a área de contato pneu-solo e o peso sobre o pneu afetam diretamente o potencial de tração. Segundo observações da Asabe, referendadas por uma série de pesquisas realizadas no Brasil, o rendimento de tração em solos consolidados (solos sob plantio direto) para tratores 4 x 2 com tração dianteira auxiliar é de 64% da potência desenvolvida no motor. Isto significa que a potência desenvolvida na barra de tração é de apenas 64% da potência do motor (Pm x 0,64 = Pbt). (Tratores que não têm tração dianteira auxiliar tem rendimeto de tração de apenas 60%)

Considerando o exemplo acima, para tracionar uma semeadora de nove linhas a 6km/h, que demanda 51kW na barra de potência, necessitaremos de um trator com potência de (51/0,64) cerca de 80kW (108cv). A potência considerada é a líquida do motor, ao redor de 90% da potência máxima, que é informada no catálogo dos tratores.

Como se pode depreender do que foi dito anteriormente, a questão de obter um “casamento perfeito” entre trator e semeadora não é simples. Variações entre os terrenos da propriedade, sua declividade, condições de umidade do solo, sua compactação e cobertura vegetal têm que ser consideradas além das condições do trator (desgaste do motor, pneus e lastragem) e semeadora (carga, desgaste dos sulcadores e necessidade de potência para acionamento dos dosadores). Uma cuidadosa avaliação destes fatores resultará em conjuntos compatíveis, o que significa um desempenho otimizado, em que a semeadura é realizada nas melhores condições possíveis sem compactação do solo ou desperdício de combustível.

Um solo bem estruturado permite infiltração de água e armazenamento da mesma para disponibilização às plantas da cultura seguinte.
Um solo bem estruturado permite infiltração de água e armazenamento da mesma para disponibilização às plantas da cultura seguinte.
Tráfego sobre o solo com teor de água elevado é a maneira mais fácil de compactá-lo, pois a água em excesso pode atuar como lubrificante entre as partículas sólidas.
Tráfego sobre o solo com teor de água elevado é a maneira mais fácil de compactá-lo, pois a água em excesso pode atuar como lubrificante entre as partículas sólidas.
O nível de compactação do solo existente na área definirá a qualidade do plantio, do sulco e também da germinação da semente que está sendo depositada.
O nível de compactação do solo existente na área definirá a qualidade do plantio, do sulco e também da germinação da semente que está sendo depositada.


Carlos Ricardo Trein, UFGRS


Artigo publicado na edição 147 da Cultivar Máquinas. 

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