Caju imprestável

Prejuízos decorrentes da deterioração de amêndoas causada por fungos chegam a US$ 20 milhões por ano. Saiba como evitar esses danos.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Planta originária do Brasil, o cajueiro (

L.) constitui-se atualmente em uma das mais importantes culturas do Nordeste Brasileiro. Com uma área plantada de aproximadamente 700.000 hectares, o cajueiro é responsável por cerca de 100.000 empregos diretos e indiretos, gerando divisas da ordem de 200 milhões de dólares anualmente. O principal produto de exportação é a amêndoa processada, a qual é vendida para os USA, Europa e Japão.

Inicialmente considerada uma planta típica de extrativismo, o cajueiro passou a ocupar extensas áreas de plantios a partir da década de 80. Este aumento desordenado da área cultivada, aliado à ausência de tratos culturais adequados, tem favorecido o surgimento de diversos patógenos e pragas até então considerados de importância secundária para a cajucultura. Explorada inicialmente apenas no Estado do Ceará, o cajueiro já se destaca como cultura de importância econômica também nos Estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Maranhão, São Paulo e Mato Grosso.

Desde a fase de viveiro até a fase adulta, no campo, o cajueiro pode ser afetado por inúmeros organismos. Entretanto, são os fungos os organismos que causam os maiores prejuízos ao cajueiro, justamente por incidirem sobre as amêndoas, estragando-as e reduzindo o rendimento industrial, com impacto direto nos níveis de exportação. Estudos conduzidos pela Embrapa Agroindústria Tropical, nos últimos 8 anos, revelam que cerca de 20% do total de castanhas que chegam às indústrias de beneficiamento já não mais dispõem de amêndoas apropriadas para o consumo humano. Tais amêndoas já foram danificadas em virtude do ataque de insetos e, principalmente, de fungos. Os prejuízos decorrentes da deterioração, segundo cálculos dos próprios exportadores, chegam a 20 milhões de dólares anualmente.

As amêndoas infectadas por fungos são facilmente reconhecidas graças às manchas escuras ou amareladas, deprimidas, às vezes com círculos concêntricos. As lesões normalmente deformam a amêndoa e provocam alterações na sua coloração, quando comparadas às amêndoas sadias. Às vezes, em infecções mais severas, uma grande área da amêndoa é atingida e o crescimento fúngico (micélio e esporos) pode ser facilmente visualizado sobre a amêndoa já totalmente comprometida.

Pesquisas em condução pela Embrapa Agroindústria Tropical demonstram que os fungos podem se estabelecer no interior das amêndoas, de três diferentes modos: no primeiro caso, os danos provocados por insetos da família Coreidae (Hemípteros do gênero Crinocerus) inoculam os fungos durante a introdução do rostro para a sucção das amêndoas. É provável que, no caso de castanhas jovens, afídios possam também provocar aberturas nas amêndoas, facilitando o estabelecimento de fungos. A segunda rota de invasão seria através dos estigmas das flores, onde os esporos dos fungos germinam e penetram juntamente com os grãos de pólen; o terceiro modo de invasão ocorreria graças ao hábito endofítico dos fungos, ou seja, eles sobrevivem dentro dos tecidos das plantas de cajueiro, passando para o interior das amêndoas à medida que elas vão se formando.

Deste modo, a deterioração das amêndoas do cajueiro é um problema essencialmente de pré-colheita, somente se agravando em pós-colheita devido ao prolongado armazenamento das castanhas em galpões com elevadas umidade e temperatura. Portanto, ao ser colhida no campo, a amêndoa da castanha do cajueiro já possui seu padrão sanitário totalmente definido.

O isolamento de fungos associados às amêndoas de cajueiro tem sido conduzido em vários Estados do Brasil, especialmente no Ceará, Bahia, Piaui e Rio Grande do Norte. Um total de 67 diferentes fungos já foi isolado, representando o mais completo levantamento existente em qualquer país produtor. Outras oito espécies encontradas em amêndoas do Ceará, Piauí e Mato Grosso encontram-se em processo de identificação. Dentre os fungos isolados merecem destaque as espécies de Aspergillus e de Penicillium, as quais ocorrem sempre em percentuais mais elevados, além de serem potencialmente produtoras de micotoxinas (metabólitos secundários que podem provocar sérios prejuízos à saúde do homem e de animais domésticos). Outras espécies potencialmente produtoras de micotoxinas foram também identificadas. Como exemplo podem ser citadas Alternaria alternata e Chaetomium globosum. Fungos reconhecidos como fitopatogênicos ao cajueiro e a outras culturas tropicais também têm sido isolados com frequüência. É o caso de

e

. Após exaustivos testes com amêndoas de cajueiro anão precoce, severamente infectadas por fungos, foi confirmada a presença de alguns metabólitos e traços da aflatoxina G2. Entretanto, comparada a outros produtos agrícolas ( tais como amendoim, castanha-do-Brasil, pistachio, milho pipoca e outros), as amêndoas de cajueiro são comprovadamente menos suscetíveis à formação de micotoxinas. Aparentemente, as amêndoas não se comportam como um substrato adequado à produção de micotoxinas ou os isolados fúngicos presentes não são capazes de produzirem as micotoxinas em níveis facilmente detectáveis.

Encontrar medidas que reduzam a deterioração fúngica das amêndoas é um enorme desafio para a pesquisa. Diversos métodos têm sido testados pela Embrapa Agroindústria Tropical, tais como: tratamento das castanhas com fungicida, armazenamento das castanhas em ambiente refrigerado e radiação das castanhas e amêndoas com radiação gama (Cobalto 60) em diversas dosagens. A radiação, um processo amplamente utilizado para o tratamento de alimentos em países desenvolvidos, apresentou índices de redução da deterioração fúngica superiores a 90%, mas com alterações no sabor e na textura das amêndoas, inviabilizando o uso desta metodologia. A refrigeração, por outro lado, aumentou o rendimento industrial mas é provável que a escassez de energia elétrica torne esta medida inviável. Um aspecto importante, atualmente em estudo, é o armazenamento das castanhas em ambientes com baixa umidade ou com elevada concentração de CO2, objetivando reduzir a taxa metabólica dos fungos no interior das amêndoas.

Francisco das C. O. Freire,

Embrapa Agroindústria Tropical

Beatriz Meireles Barguil,

Bolsista CNPq

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