1. Introdução
O período inicial de lactação das vacas leiteiras é caracterizado pela condição de Balanço Energético negativo (BEN), período este em que os animais, especialmente de alta produção, não conseguem consumir a quantidade necessária de alimento para suprir suas exigências nutricionais.
Como conseqüência, as reservas corporais são mobilizadas para compensar o déficit de energia. Alguns estudos demonstram que esta rápida mobilização de reservas como a gordura, tem interferência negativa na função reprodutiva e produtiva de vacas leiteiras.
Neste sentido, nota-se a necessidade de minimizar estes efeitos e reduzir a intensidade e duração do BEN. Analisando a situação, não é uma tarefa fácil conseguir este objetivo pela manipulação de dietas para vacas em lactação, pois elas tendem a apresentar estimulo biológico para mobilizar a gordura corporal. Uma das estratégias mais bem sucedidas, é a manipulação do escore de condição corporal (ECC) ao periparto, o que influenciará o consumo de ração e a produção de leite pelo restante da lactação.
2. Escore de Condição Corporal (ECC) X Balanço Energético Negativo (BEN)
A reserva de gordura corporal tem um papel importante no início da lactação, para diminuir o impacto da falta de alimentação, já que a vaca direciona grande parte da sua energia para a produção de leite. O consumo de ração é controlado por mecanismos de feedback, sendo que o nível de gordura corporal tem um efeito direto sobre o consumo.
Apesar da complexidade do sistema regulador do organismo, foi estabelecido que o hormônio leptina seja o mecanismo de feedback mais provável. Os receptores de leptina são encontrados no hipotálamo, exercendo papel chave na regulação do metabolismo energético, através da sinalização da condição das reservas de gordura corporal para o sistema nervoso central, que por sua vez envia sinais para uma rede neural, alterando o consumo ou gasto de energia, com o objetivo de alcançar um equilíbrio.
Estudos demonstraram que as concentrações plasmáticas de leptina estão reduzidas no periparto, devido à baixa condição nutricional em que a vaca se encontra, coincidindo com o repentino aumento da mobilização lipídica para suprir a falta de energia, sugerindo que os processos envolvidos no início da lactação, como BEN e todos os processos adaptativos deste período, têm sua parcela de responsabilidade na concentração plasmática de leptina.
Além de seus efeitos sobre o consumo de ração, a leptina também modula a transferência e direciona os nutrientes pela interação com outros hormônios, incluindo: insulina, glucagon, glicocorticóides, hormônios de crescimento (GH), fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), citocininas e hormônios da tireóide.
Há uma forte relação negativa entre o ECC ao parto e a mudança no ECC durante o período inicial da lactação. Para cada vaca leiteira há um ECC alvo geneticamente programado, que tende a ser alcançado entre 10ª - 12ª semana após a parição. Caso o seu ECC esteja acima deste alvo 3.0 (em uma escala de 1 à 5), o consumo de alimento é reduzido e ela perde condição corporal. Por outro lado, se o ECC estiver abaixo deste alvo 2.5, o consumo de alimento aumenta e a vaca tende a melhorar sua condição corporal. A idéia de colocar as vacas em "boa condição" corporal ao parto é, portanto contra producente, já que o impulso biológico de uma vaca para atingir seu ECC alvo parece ser tão forte quanto o impulso para alcançar o pico de produção de leite geneticamente programado. Na verdade, ao invés de um alto ECC compensar o baixo consumo de ração no início da lactação, ele reduz ainda mais o consumo de ração e agrava o BEN.
A condição corporal embora subjetiva representa um meio auxiliar prático e eficiente para se avaliar a aptidão reprodutiva da vaca, independente de seu tamanho. As vacas magras quase sempre apresentam anestro ou falta de cio (ovários inativos), ao passo que aquelas com condição corporal boa, geralmente estão gestantes ou apresentando cio regularmente. A vaca magra ao parto, atrasa o cio e com isso demora mais a ser inseminada ou servida pelo touro, atrasando a gestação e com isso alongando o intervalo de partos. Além disso apresenta mais retenção de placenta e dificuldade no parto.
A vaca gorda ao parto também não é desejável porque apresenta: maior risco no aparecimento de cetose; menor ingestão de matéria seca e menor produção de leite; maior chance de ter a síndrome do fígado gorduroso; maior incidência de mastite, retenção de placenta, e ovários císticos.
3. Escore de Condição Corporal (ECC) e as interações com a dieta.
Nas dietas ricas em energia, as vacas magras (ECC 2.5) podem estar em balanço energético positivo e, conseqüentemente, aumentar seu ECC. Mas as vacas gordas, ao entrar em BEN reduzem seu ECC, isto é, as vacas gordas irão ter a lipólise acentuada, proporcional ao seu estado corporal (3,5), aumentando os níveis de ácidos graxos não esterificaveis (NEFA), que irão reduzir a ingestão de matéria seca.
Vacas gordas mobilizam gordura corporal a uma velocidade mais rápida para garantir o suporte à produção de leite e, por conseqüência, entram em BEN por mais tempo. Há possibilidade de se reduzir a perda de ECC de vacas gordas aumentando a concentração energética da dieta. Dietas ricas em proteínas resultam em uma perda maior de condição corporal em vacas gordas, mas aumentam o ganho de ECC ou diminuem a perda de ECC de vacas magras que utilizam o excesso de proteínas para a gliconeogênese. Dietas pobres em fibras, mas ricas em amido aumentam o ganho de ECC em vacas magras e diminuem a perda de ECC em vacas gordas, provavelmente por aumentar os níveis de insulina.
4. Balanço Energético, Saúde e Reprodução.
Nos últimos anos, o grande aumento na produção dos rebanhos leiteiros vem sendo associado à queda nos índices reprodutivos. Em vacas de alta produção, o redirecionamento de nutrientes a favor da glândula mamária faz com que as atividades reprodutivas acabem sendo obliteradas em detrimento da sobrevivência e da lactação.
O status nutricional é um fator de importante influência na reprodução, afetando a idade da puberdade, anestro pós-parto e a taxa de sobrevivência embrionária. O anestro pós-parto pode ser parcialmente explicado pelo fato das vacas estarem em BEN, aumentando o intervalo à primeira ovulação.
O período de BEN inclui alterações nas concentrações de hormônios, fatores de crescimento, combustíveis metabólicos, que, interferem no fim do anestro pós-parto e retorno à ciclicidade, no intervalo do parto à primeira ovulação, na fisiologia normal da dinâmica folicular, no tamanho dos folículos, na qualidade e número de oócitos.
5. Alternativas para a amenização do BEN.
Uma das alternativas é a manipulação do ECC nos períodos de pré e pós-parto, onde o consumo de energia não pode ser prejudicado sendo que, qualquer fator que restrinja o consumo alimentar nesta fase, aumenta a mobilização de gorduras corporais pelos animais, afim de obter energia. O BEN pode ser reduzido parcialmente aumentando-se o plano de nutrição durante o início da lactação. No entanto, benefícios maiores podem ser atingidos ao controlar o ECC durante a fase média e tardia da lactação e no período seco. O ideal para este período é que as vacas estejam em condição corporal 3 (em uma escala de 1 a 5).
João Paulo Costa dos Santos
– Graduando em Veterinária
Sofia Del Carmen Bonilla de Souza Leal
- Graduanda em Veterinária
Mauri Mazurek
– Graduando em Veterinária
Elisângela Mirapalheta Madeira
– Mestranda em Veterinária
Elizabeth Schwegler
– Doutoranda em Veterinária
Francisco A. B. Del Pino
– Doutor em Bioquímica
Ivan Bianchi
– Doutor em Biotecnologia Agrícola
Marcio Nunes Corrêa
– Doutor em Biotecnologia
Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Pecuária
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