O setor agropecuário brasileiro está passando por um processo de transição sócio-econômico e agro-ambiental e, apesar de lento e silencioso, observa-se a expansão do plantio direto, a consorciação de lavouras e forrageiras, a preocupação de utilização racional da água e de agroquímicos e a necessidade de maior competitividade e sustentabilidade. Essas alternativas visam a redução nos custos de produção, uma vez que tanto a recuperação da produtividade de áreas de agricultura como sob pastagem, pelos métodos tradicionais, tem acarretado grandes dispêndios com insumos químicos.
A competitividade e a sustentabilidade são requisitos essenciais em tempos de globalização da economia. No Brasil, entretanto, os produtores e técnicos enfrentam grandes desafios, às vezes desleais, como as barreiras comerciais aos produtos, o oligopólio dos fornecedores de insumos, os subsídios dos produtos nos países concorrentes e a grandiosa extensão geográfica, aliado ainda à falta de alternativas de transporte que faz com que nosso frete seja um dos mais caros do mundo. Isso tudo obriga ao aprimoramento de processos de produção, com maior produtividade e menor custo. E o cerrado já deu inúmeros exemplos de recordes de produtividade.
Na área de fitossanidade, os defensivos agrícolas têm promovido importante papel, entretanto, observa-se um exagero no seu uso. Um alto custo energético está sendo gasto, muitas vezes sem necessidade, talvez por falta de informações ou pela idéia de eliminar os riscos inexistentes e garantir a produção agrícola. Isso tem promovido um aumento dos custos de produção, principalmente na cultura do feijoeiro, que, em alguns casos, pode chegar a mais de R$ 1,2 mil/ha. Manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas tornam-se importantes para reduzir estes gastos, além de preservar o ambiente.
No manejo de plantas daninhas, o controle total das invasoras parece ser uma unanimidade entre a maioria dos produtores e técnicos. Entretanto, existe realmente a necessidade de se eliminar todas as invasoras? A resposta de um humilde, porém experiente agricultor de café no Sul de Minas: "Não, não há necessidade de controlar todo o mato, devemos tirar proveito da presença do mato sem que ele prejudique a roça". Essa idéia é simples numa primeira impressão, mas extremamente complexa, pois depende do domínio de conhecimentos da competição interespecífica, em diferentes estádios fisiológicos das culturas e densidades de invasoras, das interações de doenças e pragas com as plantas daninhas, das estratégias de colheita e outras. Entretanto, a resposta do experiente agricultor já está saindo da teoria para a prática. Alguns técnicos utilizam sistemas em que a presença de plantas daninhas (gramíneas), por exemplo, na cultura do milho, promove benefícios no controle de fungos de solo para a cultura subseqüente do feijoeiro em plantio direto.
Por que, então, não manter plantas daninhas com baixo poder competitivo inicial com as culturas, desde que não sejam hospedeiras de doenças e pragas, e que ainda nos tragam benefícios como a reciclagem de nutrientes, proteção e melhoria das propriedades físicas do solo, inibição do crescimento de fungos patogênicos no solo, servindo ainda como alimento para o gado após a colheita da cultura? Isso já é possível. O Sistema Santa Fé, desenvolvido pela Embrapa Arroz e Feijão, contempla todos esses aspectos com grande praticabilidade econômica para pequenos, médios e grandes produtores. E redefine o conceito de planta daninha, ou seja, ela deixa de ser daninha para ser "companheira".
O Sistema Santa Fé, implantado anualmente, consiste no cultivo consorciado de culturas anuais, graníferas ou forrageiras-milho, sorgo, milheto, arroz de terras altas e soja, com espécies forrageiras, principalmente as braquiárias, em áreas agrícolas, em solos parcial ou devidamente corrigidos. As práticas que compõem o sistema minimizam a competição precoce da forrageira, evitando redução do rendimento das culturas anuais e permitindo, após a colheita destas, uma produção forrageira abundante e de alta qualidade que poderá abrigar parte representativa do rebanho bovino no período seco, inclusive para a produção de novilho precoce a pasto. Com essa técnica consegue-se uma produção de forragem na entressafra em áreas hoje ociosas no período da seca. No cerrado são cultivadas, no verão, mais de 10 milhões de hectares com as principais culturas anuais (soja, arroz, feijão, sorgo e milho) e na seca somente cerca de 1 milhão de hectares sãos utilizados para cultivo (safrinha ou áreas irrigadas).
No Sistema Santa Fé, no verão, produz-se grãos em quantidades equivalentes ao sistema solteiro, já que a técnica preconiza minimizar a competição da braquiária com a cultura anual, seja com uso de subdoses de herbicidas, seja através de prática cultural com o plantio da forrageira em pós-emergência da cultura. Outros fatores como culturas mais competitivas (Ex: Milho), número correto de braquiárias/m2 (4 a 6 plantas/m2 - suficiente para formação de pasto em solos férteis) e desenvolvimento inicial vigoroso das culturas, ajudam a igualar as produtividades atingidas pelo sistema solteiro.
A planta do milho é uma grande competidora com as braquiárias (Figura 1 -
).
Em consórcio com a Brachiaria brizantha, vinte e cinco dias após emergência (DAE), a taxa de acúmulo de matéria seca do milho é bem superior ao da braquiária, principalmente devido ao fato de que neste sistema toda adubação nitrogenada de cobertura é feita 20 DAE. A braquiária, em sistema solteiro, apresenta um aumento da taxa de acumulo de matéria seca ("arranque da planta") a partir dos 45 DAE. Entretanto, no sistema consorciado com o milho o "arranque" da planta não acontece devido ao sombreamento exercido pela cultura do milho. A aplicação de sub-doses de herbicidas ou o plantio da braquiária em pós- emergência da cultura aumentam a diferença do acumulo de matéria seca entre as espécies, diminuindo ainda mais a competição da braquiária.
O consórcio milho e braquiária vêm sendo estudado há 3 anos pela Embrapa e é altamente viável como mostram os resultados apresentados na Tabela 1. Em algumas localidades, a presença da braquiária não afetou a produtividade do milho (comparação com o sistema solteiro). Em outras localidades foi necessário o uso de nicosulfuron, na dose de 8 g i.a./ha, (30% da dose cheia), para reduzir o crescimento da braquiária e conseqüentemente não afetar o rendimento do milho.
O consórcio entre soja e braquiária ainda está em estudo, e apresenta alguns desafios devido ao menor poder competitivo da cultura com a braquiária (Figura 2) e dificuldades na colheita.
Entretanto manejos de aplicação de herbicidas ou plantio de braquiária em pós-emergência da soja, uso de variedades de porte médio a alto e precoces e com maior altura de inserção da primeira vagem deverão viabilizar o sistema. Para a cultura do arroz, os estudos estão no início, porém com muita chance de sucesso.
Num futuro próximo procurar-se-á viabilizar este consórcio também com a cultura do feijoeiro de inverno e algodão.
O plantio direto, devido às suas prerrogativas produtivas e conservacionistas, está sendo largamente adotado pelos produtores nas regiões de clima temperado, subtropical e no cerrado. No cerrado já somam mais de quatro milhões de hectares com este sistema. No entanto, sua evolução qualitativa dependerá de fontes eficientes de cobertura morta, capazes de proteger plenamente a superfície do solo e ter longevidade adequada. A palhada de braquiária tem atendido a estes dois quesitos, produzindo mais de 15t/ha de matéria seca, quando corretamente manejada, e persistindo por mais de seis meses na superfície do solo.
Além disto, sua palhada reduz a intensidade de ataque de algumas doenças causadas por fungos habitantes do solo na cultura do feijoeiro, como o mofo branco e podridões radiculares causadas por Rhizoctonia solani e Fusarium solani f. sp. phaseoli. Melhores rendimentos de grãos de feijão (Tabela 2) e soja (Figuras 3 e 4) em palhada de braquiária também já foram registrados.
No plantio do feijão, a maior quantidade de cobertura morta proveniente do Sistema Santa Fé (Figura 5) contribuiu para a menor emergência de plantas daninhas na cultura do feijoeiro no inverno (Figuras 6 e 7). Ao que tudo indica quebra o ciclo das plantas daninhas, diminuindo a sua incidência.
O Sistema Santa Fé pode ser estabelecido de forma simultânea ou após a emergência da cultura anual.
A dessecação da resteva ou o preparo do solo devem ser feitos seguindo-se as recomendações vigentes nos métodos convencionais. No sistema de plantio direto, a aplicação correta de herbicidas tanto de manejo (dessecante) como os pós-emergentes é de primordial importância. É importante, na semeadura simultânea, que, até a completa emergência das plântulas das espécies consorciadas, ainda não tenham emergido muitas plantas daninhas. Para isto, deve-se realizar a semeadura imediatamente após a dessecação caso a área não apresente grande quantidade de cobertura viva, em número de plantas e volume de massa. Caso contrário, deve-se proceder a dessecação com herbicida sistêmico, aguardar o secamento das plantas e a emergência de novas plantas daninhas, realizar a semeadura, e em seguida, antes da emergência das espécies consorciadas, dessecar as plantas daninhas com herbicida de contato.
Devem ser utilizados de 5 a 10 kg de semente de braquiária (B. brizantha, B. decumbens ou B. ruziziensis) por hectare com valor cultural (vc) igual a 30%. Caso o VC da semente seja diferente deste, ajustar a quantidade por hectare. Para os consórcios de milho e sorgo, utilizar 7 a 10 kg de semente e 5 kg para a soja. No caso do consórcio com o milheto, pode-se utilizar até 10 kg de semente da braquiária por hectare. São necessárias de quatro a seis plantas de braquiária por metro quadrado para o seu pleno estabelecimento. As sementes da forrageira devem ser misturadas ao adubo correspondente a um hectare. Não armazenar a mistura por mais de 48 e 24 horas, para adubos com médio teor de nitrogênio (N) e potássio (K), exemplo (5-30-15) e ricos em N e K (exemplo 8-20-20), respectivamente.
Na operação de semeadura, regular para que a mistura de adubo e semente da forrageira seja colocada mais profundamente (4 a 6 cm) do que as sementes da cultura anual. Nos solos com mais de 70% de argila ou areia, a adubação deve ser mais superficial, em torno de 2 a 3 cm abaixo das sementes da cultura anual.
Para as culturas que exigem espaçamento entre linhas entre 30 e 70 cm, utilizar a plantadora de forma convencional, semeando a forrageira (misturada ao adubo) em todas as linhas da cultura anual. Para espaçamentos maiores que 70 cm, fileiras adicionais podem ser semeadas utilizando-se os carrinhos de sementes do entremeio, sendo as sementes da forrageira misturadas ao adubo ou puras, dosadas pelo disco recomendado para o sorgo. A adubação nitrogenada em cobertura deve ser antecipada, em relação ao convencional. Nos solos com mais de 30% de argila aplicar todo o nitrogênio cerca de 10 dias após a emergência das plântulas. Nos solos com mais de 70% de areia, aplicar 50% aos 10 dias da emergência e o restante quando o milho, o sorgo ou o milheto apresentarem 6 a 7 folhas totalmente expandidas, e o arroz estiver no estádio de primórdio floral.
No manejo de herbicidas em pós-emergência, no caso de consórcio entre gramíneas (exemplo: milho x braquiária), pode-se lançar mão de herbicidas específicos para plantas daninhas de folha larga, seguindo-se as recomendações convencionais.
No caso do consórcio soja x forrageira, pode-se utilizar sub-doses de herbicida específico para a cultura, devendo-se manter estreito relacionamento com os autores desta tecnologia. Para os consórcios entre sorgo, arroz ou milho com forrageira, o procedimento de colheita é o convencional. Deve-se, contudo, evitar atrasos, já que a partir de senescência da cultura, as forrageiras tendem a crescer muito vigorosamente, podendo causar embuchamento ou reduzir a velocidade de operação da colhedora.
No caso do consórcio com soja, dependendo do desenvolvimento e população da forrageira, pode-se necessitar de uma aplicação de dessecante de contato antes da colheita.
A prática de semeadura em pós-emergência da cultura anual é particularmente recomendada para áreas muito infestadas por plantas daninhas, pois permite controlá-las em pós-emergência precoce e em seguida semear a espécie forrageira. Deve ser realizada entre 10 e 20 dias após a emergência da cultura anual.
e
Embrapa Arroz e Feijão
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