Entende-se por fotossen sibilização as manifestações de sensibilidade exagerada do animal aos raios solares. A doença é conhecida popularmente pelo nome de requeima. Há dois tipos de fotossensibilização causados pela ingestão de plantas: a fotossensibilização primária, e a secundária ou hepatógena. Ambos os tipos de fotossensibilização estão ligados à presença de um pigmento, geralmente fluorescente, na corrente sangüínea do animal. Levado à pele pela circulação periférica, o pigmento aí recebe a radiação do sol transformando-se em radiações prejudiciais, semelhantes ao calor. O resultado são queimaduras.
Na fotossensibilização primária, a planta possui um pigmento que é absorvido pela mucosa intestinal, atravessa a barreira hepática e cai na circulação geral, indo, também à pele, onde então causa sensibilidade exagerada aos raios solares. Na fotossensibilização secundária ou hepatógena o processo é mais complexo. A planta possui uma substância hepatotóxica, e a lesão hepática interfere no metabolismo da filoeritrina. A filoeritrina é um pigmento fluorescente formado a partir da clorofila nos pré-estômagos dos ruminantes, pela ação desdobradora de microrganismos (protozoários) aí existentes, que em condições normais é absorvida pela mucosa intestinal, e eliminada pelo fígado através da bile. Quando há lesão hepática, a filoeritrina pode não ser metabolizada e passar à circulação sangüínea alcançando finalmente a pele, onde então causa sensibilidade exagerada aos raios solares, ocorrendo fotossensibilização, a qual é denominada secundária. A maioria das plantas tóxicas fotossensibilizantes é de ação fotossensibilizante secundária.
Dentre as plantas causadoras de fotossensibilização hepatógena destacam-se as pertencentes ao gênero
, as quais, por serem forrageiras amplamente utilizadas no Brasil, são as principais responsáveis pela ocorrência de surtos da intoxicação.
Embora os primeiros relatos de casos de fotossensibilização em pastagens de Brachiaria sp. tenham sido inicialmente atribuídos a intoxicação por esporidesmina (uma toxina produzida pelo fungo
), estudos recentes evidenciam que o problema deve-se a princípios tóxicos presentes nas próprias plantas do gênero
, principalmente
. Essas evidências, a exemplo do que ocorre em outros países baseiam-se nos seguintes fatos: a) nos surtos estudados não foram encontrados esporos de
b) a grande maioria de
isolados de surtos de fotossensibilização em Mato Grosso do Sul mostrou não ser produtora de esporidesmina, e portanto, não são tóxicos para os bovinos; c) o exame microscópico do fígado de animais intoxicados revela lesões características das intoxicações por diversas plantas que contém níveis elevados de saponinas (episarsapogenina e epi espilagenina) e que não são descrita na intoxicação por esporidesmina; d) níveis dessas saponinas semelhantes aos descritos nas plantas causadoras de fotossensibilização associada a cristais em outros países, foram encontrados em amostras de
sp colhidas em surtos de fotossensibilização no Mato Grosso do Sul; e) os surtos de fotossensibilização por
ocorrem principalmente em animais jovens enquanto que a intoxicação por esporidesmina acomete animais de qualquer idade; f) a morte de animais em casos de intoxicação por
não é muito freqüente nos casos de intoxicação por esporidesmina tende a ser elevada. Recentemente a doença foi reproduzida com extratos de B. decumbens que apresentavam quantidade de esporos de
abaixo do mínimo necessário para serem detectados. Os resultados desse experimento confirmam que a planta é tóxica independentemente do envolvimento da esporidesmina.
A enfermidade acomete principalmente bezerros (próximos ao desmame ou recentemente desmamados) embora possam ser observados casos em bovinos adultos. A
é a espécie mais freqüentemente envolvida, mas outras espécies de
sp, como a
podem causar o problema. O número de animais afetado é variável, podendo acometer poucos animais até quase a totalidade do lote. Na maioria das vezes, a mortalidade é baixa, entretanto em alguns surtos podem ocorrer perdas significativas.
Casos da enfermidade têm sido observados nas diferentes épocas do ano e fatores como primeiro contato com a planta, ocorrência anterior de queimadas ou secas prolongadas podem estar relacionados com o problema. Muitos relatos descrevem a ocorrência do problema quando pastos de
são vedados por longos períodos e após, são introduzidos os bovinos. Nestas situações o problema parece ser mais grave afetando bovinos de qualquer idade, inclusive com óbitos. Outra situação observada é a ocorrência do problema no final da estação seca agravando-se, seriamente, com o surgimento de vários casos após as primeiras chuvas, coincidindo com a brotação da pastagem.
Os sinais clínicos variam de acordo com a gravidade do caso. Casos graves podem iniciar com inquietação (animal sacode constantemente a cabeça e orelhas) seguidos por edema (inchaço) da barbela e graus variáveis de icterícia, ocorrendo a morte do animal em 2 ou 3 dias, sem que se observem sinais característicos de fotossensibilização. Os animais que sobrevivem a esta fase apresentam ressecamento da pele, a qual assume aspecto quebradiço, predominantemente nas regiões dos flancos, virilha, períneo, vulva, úbere e barbela. As orelhas assumem aspecto característico, apresentando-se contorcidas e com as extremidades voltadas para cima. Posteriormente, há formação de crostas nestes locais, com desprendimento da pele, que pode ser observado no focinho e parte ventral da língua. Outra característica da enfermidade é que os animais procuram a sombra constantemente. Alguns animais podem apresentar lacrimejamento, opacidade da córnea e cegueira.
O diagnóstico baseia-se no histórico, nos sinais clínicos e dever ser confirmado com a realização de necropsias e exames laboratoriais. A enfermidade deve ser diferenciada de outras causas de fotossensibilização, principalmente a intoxicação por
e a
sp. Nestes casos é importante a interpretação dos dados clínicos e epidemiológicos, uma vez que a intoxicação por E. contortisiliquum ocorre entre os meses de agosto a novembro, afetando também animais adultos e de forma severa, sendo que vacas prenhes geralmente abortam. Por sua vez, a intoxicação por
sp, geralmente está associada a transporte ou fome e causa sinais clínicos severos, com alta mortalidade de animais adultos. Por outro lado é importante lembrar que plantas do gênero
, inclusive forrageiras, podem produzir fotossensibilização, a exemplo do que corre com as plantas do gênero
, embora até o momento não tenham sido descritos no Mato Grosso do Sul.
Não há tratamento específico para a intoxicação, sendo a remoção dos animais do pasto problema para outro, preferencialmente formado por forrageiras não pertencentes ao gênero
sp (principalmente
), a principal medida a ser tomada. Adicionalmente, deve-se colocar os animais em locais com bastante sombra. Protetores hepáticos podem ser utilizados, embora não exista comprovação de que sua eficácia, uma vez que animais que não recebem este tipo de tratamento, recuperam-se freqüentemente, sugerindo que a recuperação espontânea geralmente ocorre desde que os animais sejam retirados do pasto problema e colocados à sombra.
Considerando-se que não se conhece exatamente o princípio tóxico de
, ou mesmo as condições que favorecem a ocorrência da intoxicação, não se tem, até o momento, recomendações precisas para a prevenção do problema. A medida preventiva mais eficaz é a não utilização de
sp (principalmente
vedada) para animais jovens. Esta medida nem sempre é viável tanto do ponto de vista prático como do ponto de vista econômico, sendo recomendada apenas naquelas propriedades onde o problema ocorre periodicamente afetando número significativo de animais. Animais que não tiveram contato prévio com a planta devem ser adaptados ao seu consumo. Estudos sobre a utilização de zinco em doses elevadas no sal mineral têm apresentado resultados satisfatórios na prevenção do eczema facial em ovinos na Nova Zelândia. Embora esta enfermidade seja causada pela esporidesmina, acredita-se que o zinco possa ter papel preventivo em outros processos hepatotóxicos. Deve-se salientar que não existem dados sobre possíveis efeitos desta prática sobre interações com outros microelementos, nem seu efeito sobre o consumo de sal mineral.
Ricardo Antonio Amaral de Lemos
UFMS
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