Como se manter relevante na agricultura
Por Marcelo Batistela, vice-presidente da BASF Soluções para Agricultura no Brasil
Durante anos houve uma discussão sobre se os adjuvantes deveriam ou não ser considerados um “afim” na Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/89 regulamentada pelo Decreto no 4.074/02) e por isso são submetidos ao mesmo processo de registro ao qual são submetidos tais produtos. Na dúvida, os produtos classificados como adjuvantes eram registrados desta forma. Tal discussão foi finalizada com a publicação em 20 de novembro de 2017, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), do Ato no 104 que cancela o registro de produtos registrados exclusivamente como adjuvantes, “tendo em vista não existir obrigatoriedade de registro na Lei no 7.802 e no Decreto no 4.074”. Esta atitude, ao mesmo tempo em que correta, é temerária.
Adjuvante, por definição, é “qualquer substância ou composto sem propriedades fitossanitárias, exceto a água, que é acrescido numa preparação de agroquímico, para facilitar a aplicação, aumentar a eficácia ou diminuir riscos”. Dessa forma, se ele “não possui propriedades fitossanitárias” e se é desenvolvido para ser “acrescido numa preparação de agroquímico”, por si só ele não exerce nenhum controle e, portanto, não é um agroquímico. Por outro lado, para “facilitar a aplicação, aumentar a eficácia ou diminuir riscos”, ele interfere nas características da calda (mistura do agroquímico com a água), podendo alterar aspectos importantes da pulverização. Esta interferência pode ser positiva ou negativa no processo de pulverização, na eficácia do produto e também na segurança do trabalhador, do ambiente e do alimento. Como exemplo, um adjuvante pode alterar a tensão superficial e/ou a viscosidade da calda de pulverização. Alterando tais características, ele irá interferir em fatores como o tamanho de gotas, o espalhamento e a velocidade de evaporação, interferindo na tecnologia e na segurança da aplicação. Na solução do problema, voltar a ser registrado como agroquímico não seria uma alternativa viável, uma vez que os ensaios de eficácia exigidos no processo de registro não traduzem a funcionalidade dos adjuvantes. Assim, a alternativa é conhecer, analisar e classificar os adjuvantes por suas características funcionais.
Na Classificação Funcional, os adjuvantes podem ser divididos em dois grandes grupos: os utilitários, que atuam no processo de pulverização, ou seja, entre o tanque e o alvo; e os potencializadores, que melhoram o desempenho do produto depois que a gota atinge o alvo. Dentro destes grupos estão as funcionalidades do adjuvante, que são sua forma de ação, como espalhantes, adesionantes, penetrantes, umectantes ou redutores da evaporação, tamponantes, quelatizantes, redutores de deriva etc. Neste contexto, os adjuvantes desempenham funções específicas, e não genéricas como normalmente difundidas. Além disso, a funcionalidade está relacionada com a química, a natureza e a qualidade dos componentes, o que faz com que diferentes formulações de um mesmo produto, como óleo vegetal, por exemplo, possam levar a resultados diferentes. Importante salientar ainda que alguns adjuvantes podem ser multifuncionais, ou seja, possuir mais de uma funcionalidade, mas não existe um único adjuvante que possa desempenhar todas estas funções. Saber selecionar o adjuvante correto é a base da eficácia e economia proporcionada por estes produtos.
Para a correta identificação do adjuvante, o primeiro passo é analisar a situação e entender “o que se espera que ele faça”, ou seja, “qual funcionalidade deve ser buscada”. Uma vez feito isso, algumas opções de adjuvantes devem ser analisadas para comparar não apenas os efeitos positivos, mas também os negativos, que poderão trazer problemas ao tratamento fitossanitário, com a finalidade de mitigá-los, ou mesmo optar por outro produto caso isso não seja possível. Portanto, para buscar a correta funcionalidade e a forma de uso do adjuvante, além de informações do fabricante do produto, é importante entender sua interferência no processo de pulverização e várias funcionalidades podem ser usadas como exemplo deste processo.
O efeito tensoativo dos adjuvantes tem sido erroneamente confundido com o efeito espalhante, mas os dois são independentes em uma pulverização. A tensão superficial é resultado das ligações de hidrogênio, que são forças intermoleculares causadas pela atração do hidrogênio de uma molécula de água (H+) com o oxigênio de moléculas vizinhas (O-). No interior da gota, uma molécula de água está cercada por outras, o que faz com que a atração ocorra em todas as direções, mas, na superfície, a atração ocorre apenas na parte de baixo, fazendo com que se forme na parte externa uma camada com efeito semelhante a uma “cama elástica”. Quanto maior a tensão superficial, maior a dificuldade de deformação desta camada. Assim, uma gota com alta tensão superficial ao ser arremessada contra um alvo, como no caso de uma pulverização, terá maior tendência a ricochetear do que a aderir no alvo. A quebra da tensão superficial, por meio de um tensoativo, faz com que a gota tenha maior capacidade de deformação, absorvendo a energia do impacto e reduzindo o ricocheteio. Grosso modo, é como uma bola de futebol sendo largada de certa altura no chão. Quanto mais cheia a bola (maior tensão), maior a capacidade de a bola ricochetear. Ao se murchar a bola (menor tensão), o ricocheteio diminui, pois ela se deforma no impacto e para no solo. Já o efeito espalhante é a capacidade de uma gota cobrir sobre o alvo uma área maior que a original após ter impactado. Assim, o espalhamento pode ser traduzido como área molhada pela gota após seu impacto no alvo. A elevação do espalhamento pode ser um excelente recurso como ferramenta na redução do volume de água utilizado na pulverização, sem perda da eficácia e com redução significativa do custo, por possibilitar que um menor volume de calda proporcione uma mesma cobertura do alvo. No entanto, alguns adjuvantes chegam a aumentar a área molhada por uma mesma gota em mais de 30 vezes. Nesta situação, dependendo do volume de calda, gotas que inicialmente não coalesceriam, passam a coalescer sobre o alvo, elevando o escorrimento, reduzindo a quantidade de produto na planta e consequentemente a eficácia do tratamento fitossanitário, levando a uma perda de produtividade e/ou a necessidade de um número maior de pulverizações por safra. Para estes adjuvantes, normalmente classificados como “superespalhantes”, os volumes de aplicação devem necessariamente ser reduzidos em função da cobertura do alvo necessária. Ainda, o efeito espalhante é uma interação do adjuvante com características do alvo, como tipo e quantidade de cera. Por isso, o espalhamento de um mesmo produto pode variar para culturas diferentes.
O efeito umectante ou redutor da evaporação da água pode ser pensado de duas formas: antes do impacto na folha ou sobre a folha. Sobre a folha o efeito umectante não pode ser avaliado individualmente, pois sofre a interferência do efeito espalhante. Em dois produtos com exatamente o mesmo efeito umectante, aquele que apresentar maior área de espalhamento terá maior contato direto com o ambiente, evaporando mais rapidamente. Um adjuvante com uma boa característica umectante reduz, por exemplo, a taxa de cristalização do produto químico sobre o alvo, podendo elevar sua eficácia. Por outro lado, reduzir a evaporação das gotas no caminho entre o pulverizador e o alvo eleva a taxa de recuperação do produto, ou seja, a quantidade de produto efetivamente atingindo o alvo. Assim, utilizar um bom umectante pode representar importante fator tanto econômico, uma vez que pode elevar o período de uso dos pulverizadores em função de condições climáticas, quanto de segurança e eficácia, uma vez que gotas que evaporariam antes de atingir o alvo, resultando em possibilidade de contaminação do produtor e ambiental, passam a atingi-lo, elevando a quantidade de produto sobre ele.
No entanto, um efeito inverso a esse será observado caso o adjuvante, mesmo possuindo outras funcionalidades positivas, elevar a velocidade de evaporação da água. Neste caso, medidas de mitigação do risco de evaporação, como a utilização de gotas mais grossas quando possível, maior atenção às condições climáticas ou mesmo a opção por outro adjuvante, devem ser observadas.
O efeito redutor de deriva de um adjuvante pode ser analisado de duas maneiras: ou pela análise do volume da pulverização representado por gotas de diâmetro inferior a 100µm (Potencial de Risco de Deriva) ou pela avaliação direta da deriva em túneis de vento. Qualquer que seja a forma, a redução da deriva normalmente se dá pela elevação do tamanho das gotas e/ou pela redução do número de gotas muito finas em uma pulverização. Reduzir a deriva, fazendo com que uma maior parte da pulverização atinja o alvo, não há dúvidas de que é desejável e reduz problemas de contaminação do trabalhador e ambiental. No entanto, vários adjuvantes podem elevar a deriva, elevar o número de gotas finas e também, neste caso, o efeito negativo deve ser evidenciado para que o produtor possa adotar medidas de mitigação do risco e evitar danos ao ambiente e às culturas vizinhas.
Cabe ainda uma consideração importante. Os adjuvantes são sempre “redutores de” e nunca “anti”, pois esta é uma forma errônea de comunicar ou transmitir a funcionalidade. Um produto antideriva seria aquele que elimina a deriva, ou seja, que faz com que ela deixe de acontecer, o que não existe, enquanto que o redutor de deriva apenas a traz para níveis mais baixos, apesar de continuar existindo.
Várias outras funcionalidades tão importantes quanto as citadas devem ser consideradas, no entanto estas já exemplificam claramente como o conhecimento das características funcionais de um adjuvante é importante não só para elevar a eficácia e a economia do tratamento fitossanitário, como também para reduzir prejuízos por meio da limitação do seu uso, da alteração da forma de regulagem e/ou das condições de uso do pulverizador. Por esta razão é que o Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico (CEA/IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, há mais de 20 anos se dedica a desenvolver métodos para avaliar individualmente as funcionalidades dos adjuvantes, buscando uma recomendação mais técnica destes produtos, que enfatize seu lado positivo, mas, ao mesmo tempo, tome os devidos cuidados com o lado negativo quando necessário.
Pelo exposto, se os adjuvantes não se enquadram como “agrotóxicos ou afins”, também não podem ser “produtos de venda livre, sem necessidade de qualquer autorização pelo Mapa” como especificado no item 5 do Ato no 104, uma vez que podem interferir diretamente na eficácia e na economia do tratamento fitossanitário. Assim, senão um registro, os adjuvantes precisam de pelo menos uma regulamentação. Iniciativas neste sentido já foram tomadas no passado pela Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda) e pelo próprio Mapa, mas não tiveram um resultado efetivo. Funcionalidades básicas precisam ser cientificamente analisadas para servir como parâmetros técnicos à sua recomendação e uso. Como não existem normas, nacionais ou internacionais, para ensaio e classificação de tais funcionalidades, uma ação conjunta entre Mapa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), fabricantes, usuários e pesquisadores, mesmo como uma Comissão de Estudos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) buscando desenvolver normas brasileiras, se faz necessária. Caso isso não seja feito, e rápido, os prejuízos à agricultura, ao agricultor, ao trabalhador e ao ambiente poderão ser significativos.
*Por Hamilton Humberto Ramos, Viviane Corrêa Aguiar, Ana Flávia Villa e Rafael Kenji Nagami Lima, do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico
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