Solubilidade em fertilizantes: impacto na agricultura tropical

Por Paulo Pavinato, Esalq/USP

30.11.2024 | 03:29 (UTC -3)

Aumentar a oferta de alimentos para atender a demanda de uma crescente população mundial representa um desafio para as próximas décadas. Nesse contexto, o Brasil se destaca por ser um dos principais produtores mundiais de alimentos, fibras e bioenergia.

O fósforo (P) é um elemento essencial para a produção agrícola no Brasil, sendo considerado o nutriente mais limitante da produtividade das culturas, em função da natureza geológica dos solos, com predominância de solos altamente intemperizados, caracterizados como de alta capacidade de fixação do P devido à predominância de minerais na fração argila que interagem fortemente com o nutriente, resultando em sua fixação e, consequentemente, na baixa disponibilidade de P para a absorção pelas plantas. Além disso, na região do Cerrado, principal fronteira agrícola do país, os teores médios naturais de P-total são muito baixos (< 200 mg/kg) e o teor naturalmente disponível para as plantas é insignificante (P < 1 mg/kg Mehlich-1) (PAVINATO et al., 2020).

Dessa forma, essas áreas requerem adição de maiores quantidades de fertilizantes fosfatados nos períodos iniciais de cultivo, os quais são indispensáveis para alcançar e manter altas produtividades, o que também chamamos de construção da fertilidade do solo.

A maior parte do P utilizado na agricultura mundial é proveniente dos fertilizantes denominados de fosfatos acidulados, como o fosfato monoamônico (MAP), diamônico (DAP), superfosfato simples (SFS) e triplo (SFT). Para conhecer antecipadamente a eficiência agronômica desses fertilizantes e certificar a qualidade química dos produtos comercializados são utilizadas em laboratório soluções que solubilizam o P, denominadas de extratores químicos.

Os extratores adotados oficialmente correspondem ao P solúvel em água (P-água), que avalia o P prontamente disponível para as plantas, e o P solúvel em uma solução neutra (pH 7) de citrato de amônio (P-CNA+H2O), que também solubiliza formas de P não prontamente solúveis em água, porém teriam sua posterior liberação no solo com a ação radicular das plantas, através da excreção de compostos orgânicos, representando uma parte adicional do P o qual também seria aproveitado pelas plantas no curto e médio prazo após a aplicação do fertilizante.

O P-CNA+H2O foi idealizado e utilizado inicialmente como forma de solubilizar o P na forma de fosfato bicálcico presentes nos fertilizantes, possuindo boa eficiência agronômica. Porém, o extrator também pode solubilizar algumas formas de fosfatos de ferro e alumínio, estas com menor potencial de liberação, sendo que o aproveitamento do P pelas plantas apresentando-se de forma variável (ALCARDE; PROCHNOW, 2004; RIBEIRO et al., 2023).

Os fosfatos de ferro e de alumínio são formados a partir de impurezas presentes na rocha fosfática durante a produção dos fertilizantes, podendo estar presentes em concentrações variadas nos produtos finais de fertilizantes acidulados, as quais variam em função da rocha de origem, do processo de acidulação e industrialização dos concentrados apatíticos pelas indústrias produtoras de fosfatos.

Em um estudo em ambiente controlado onde foram avaliados quatro fertilizantes acidulados foi verificado que o aumento de impurezas (óxidos de ferro e alumínio) nas matérias primas reduziu a concentração do P solúvel em água (P-água) dos fertilizantes (PROCHNOW; KIEHL; RAIJ, 1998). Os fertilizantes apresentaram variações na proporção de P solúvel em água: P solúvel em CNA+H2O de 13% a 78% (denominado índice Fi).

Estas diferenças na razão de solubilidade em água dos fertilizantes se refletiu na produção de massa seca e no acúmulo de P por plantas de milho, sendo verificado que, embora os fertilizantes tenham sido aplicados na mesma dosagem levando-se em conta o teor de P solúvel em CNA+H2O, o aproveitamento inicial pela cultura foi muito inferior nas fontes fertilizantes com menores teores de P solúvel em água, sendo ainda verificado que a fração do P solúvel em CNA+H2O dos fertilizantes com baixo índice de solubilidade estudados era de fato menos disponível para as plantas até mesmo em comparação ao material puro de fosfato monocálcico (PROCHNOW; KIEHL; RAIJ, 1998).

Em outro estudo mais recente, avaliando-se a campo quatro fertilizantes fosfatados com 85, 70, 60 e 50% de índice de solubilidade H2O/solubilidade em CNA+H2O (índice Fi), na cultura da soja, região de Itiquira-MT, aplicados na mesma dosagem com base no teor de P-CNA+H2O, foi verificado menor produtividade com utilização do fertilizante com 50% de Fi, o qual alcançou apenas 62% da eficiência agronômica relativa quando comparado ao fertilizante com maior resposta, que foi o padrão Fi de 85% (SILVA, 2023).

Embora o teor de P2O5 dos fertilizantes fosfatados avaliado pelo extrator P-H2O represente o teor do nutriente prontamente utilizável pelas plantas após a sua reação de hidrólise e, portanto, pouco tempo após a sua aplicação no campo, faz-se necessário o entendimento de que a determinação do teor de P em CNA+H2O pode também representar a quantificação de fração de P cuja solubilidade e, consequentemente sua eficiência, pois pode variar consideravelmente em função da rocha de origem, do processamento e industrialização do concentrado fosfático que dará origem ao fertilizante fosfatado acidulado, o qual pode conter maior ou menor grau de impurezas. Na legislação Brasileira o padrão de garantia de comercialização para fertilizantes minerais acidulados é o teor de P2O5 avaliado pelo extrator CNA+H2O.

Sendo assim, na escolha do fertilizante fosfatado para adubação de manutenção das culturas objetivando resposta rápida, no que diz respeito a qualidade química, o entendimento da solubilidade, composição e presença de impurezas no fertilizante passa a ser um fator de relevância, sobretudo para fertilizantes acidulados com variação na razão entre a solubilidade em H2O e solubilidade em CNA+H2O. Índices Fi abaixo de 60% (considerado como limite mínimo para a garantia) podem ser comprometedores na disponibilidade e aproveitamento deste nutriente no curto prazo pelas culturas, podendo potencialmente reduzir a produtividade e eficiência agronômica do fertilizante.

* Por Paulo Pavinato, Esalq/USP

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