A década da educação digital no campo
Por Roberto Araújo, líder de educação e boas práticas agrícolas na CropLife Brasil
Desde a safra 2005/06, quando mortes generalizadas de plantas de soja foram observadas no Brasil, o combate à podridão radicular por fitóftora registrou progressos importantes.
Há dez anos, na safra 2005/06, ocorreu um surto de plantas de soja mortas logo após a emergência, em lavouras nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com tombamento de plantas em pós-emergência, em locais de solo compactado e com acúmulo de água, levando a falhas de estande inicial, à ressemeadura de áreas extensas e à morte de plantas adultas. A Embrapa Trigo, juntamente com especialista da Embrapa Soja, organizou várias visitas, percorrendo 38 lavouras em 22 municípios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, entre os meses de dezembro/2005 e fevereiro/2006, para tentar elucidar mais este novo problema fitossanitário em soja.
Várias hipóteses quanto à causa dessas mortes foram levantadas. Como algumas plantas mortas foram encontradas em locais de solo mais compactado, pensou-se que o motivo fosse anaerobiose em raízes, causada por excesso hídrico no período de pós-emergência (mais de metade da precipitação de novembro foi registrada entre os dias 23 e 25, depois da semeadura destas lavouras) e pela própria compactação de solo. Mas um grande número de plantas também morreu sem local específico e sem padrão de distribuição. Um fator relevante observado reside no fato de que, na maioria das lavouras com o problema, não havia rotação de culturas de verão, com o cultivo de soja intensivo há várias safras, inclusive com um caso de cultivo contínuo de soja por mais de 30 anos. Além disto, esta morte de plantas estava ocorrendo com um pequeno número de cultivares, principalmente em BRS 244 RR, BRS 245 RR e em BRS Charrua RR.
Após estas visitas e análises em laboratório, identificou-se o patógeno como Phytophthora sojae, causador da doença conhecida como podridão radicular por fitóftora ou podridão da raiz e da haste por fitóftora.
Esta doença foi identificada, pela primeira vez, nos EUA, em 1955, e também ocorre em outros países, como Austrália, Argentina, China e Canadá. No Brasil, a doença foi identificada no Rio Grande do Sul na safra 1994/95, mas perdas significativas ocorreram apenas na safra 2005/06. Depois disto, no Brasil, a doença foi também encontrada em Santa Catarina, no Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais, em Goiás e em Tocantins. Nas últimas seis safras, o Laboratório de Fitopatologia da Universidade de Passo Fundo analisou 802 amostras de soja com sintomas de podridões radiculares, sendo que 11% foram diagnosticadas como podridão por fitóftora. A maior incidência da doença foi no ano de 2015, com 22%, seguido dos anos 2012 e 2011, com 16% e 15%, respectivamente.
Os sintomas podem ser observados desde a pré-emergência até a fase adulta, sendo que plantas mais jovens são mais suscetíveis e morrem mais rapidamente. Em pré-emergência, pode ocorrer apodrecimento de sementes ou flacidez e escurecimento na radícula e nos cotilédones. Sementes infectadas germinam lentamente e, quase sempre, as plântulas morrem durante a emergência. No período de emissão dos primeiros trifólios, a extremidade da raiz principal torna-se flácida e marrom e esse apodrecimento envolve o hipocótilo até o nó cotiledonar, ocorrendo o colapso do tecido. As folhas ficam amareladas e murchas e a planta murcha, seca e morre, permanecendo as folhas presas às plantas, voltadas para baixo. A doença promove a destruição quase completa de raízes secundárias e apodrecimento da raiz principal, que adquire coloração marrom-escura. Nessa fase, o sintoma característico é o aparecimento, no exterior da haste, de apodrecimento marrom-escuro, a partir da superfície do solo, frequentemente progredindo ao longo da haste principal e das hastes laterais em direção ao topo da planta. Plantas infectadas podem aparecer isoladas entre plantas sadias, ou em grupos, geralmente onde há acúmulo de umidade no solo. É comum observar, em um mesmo momento, plantas com sintomas da doença em diferentes estádios de desenvolvimento.
As condições climáticas que favorecem a ocorrência da podridão radicular por fitóftora são temperatura igual ou superior a 25°C e água livre no solo. Desse modo, chuvas no início do ciclo favorecem o apodrecimento de sementes e o tombamento de plântulas, enquanto chuvas durante o ciclo propiciam a ocorrência de murcha, escurecimento externo na haste, apodrecimento de raízes e morte de plantas adultas. Práticas culturais como cultivo mínimo do solo, plantio direto em monocultura de soja e aplicação de altas doses de fertilizantes orgânicos ou com potássio, imediatamente antes da semeadura, podem tornar a doença mais severa.
Os esporos de resistência (oósporos), formados em raízes e hastes infectadas, podem sobreviver no solo por muitos anos na ausência do hospedeiro, não germinando todos ao mesmo tempo. Os oósporos servem de inóculo primário e, em temperaturas próximas a 25°C, germinam e produzem esporângios que se acumulam até que ocorra encharcamento do solo, quando liberam zoósporos que nadam em direção às raízes de soja. Nas raízes, os zoósporos germinam e penetram diretamente, dando início à doença na planta, onde serão produzidos oósporos, encerrando o ciclo. Outras estruturas, como micélio e esporângio, podem também germinar diretamente e causar a doença.
Além de soja, P. sojae infecta apenas a ancestral selvagem Glycine soja e espécies de tremoço (Lupinus spp.), que não são culturas comercialmente importantes no Brasil. As principais fontes de inóculo são o solo e os restos culturais de soja contaminados. A transmissão e a disseminação do patógeno não ocorrem por sementes de soja.
O uso de cultivares de soja com resistência genética é o principal método de controle da doença. Esta resistência pode ser completa (genes maiores) ou parcial (conhecida como tolerância ou resistência de campo, que limita o dano à raiz). Existem 14 genes de resistência na soja: Rps 1a, 1b, 1c, 1d, 1k, 2, 3a, 3b, 3c, 4, 5, 6, 7 e 8, além de mais dois recentemente descritos, mas ainda não incorporados à série diferencial. Os genes Rps 1a, 1c, 1k, 3a e 6 são amplamente utilizados em cultivares de soja em uso nos EUA, onde a duração da efetividade da resistência variou entre oito anos, para Rps 1a, e 20 anos, para Rps 1k.
Após análise da população brasileira de P sojae, constatou-se que todas as raças, ou patótipos, encontradas foram inéditas, significando que a população brasileira do patógeno é nativa. Foram identificados 17 tipos diferentes, sendo que os mais frequentes causam doença em variedades de soja sem genes Rps, ou que possuem os genes Rps 1d, 2, 3c, 4, 5, 6 e 7. Os genes que ainda não são afetados são Rps 1a, 1c, 1k, 3b e 8. Na Embrapa Trigo, linhagens de soja em processo final de melhoramento, com resistência à podridão por fitóftora, carregam preferencialmente os genes Rps 1a ou 1c, e 3a ou 8. Também há linhagens, em menor número, com o gene Rps 1k.
Já a resistência parcial é durável e não específica a raças do patógeno, sendo efetiva a partir da emissão da folha unifoliolada. Linhagens da Embrapa Trigo também têm alto nível de resistência parcial.
Assim, muito já se evoluiu desde a safra 2005/06, quando mortes generalizadas de plantas de soja foram observadas. Atualmente, há condições de se realizar diagnóstico mais rápido e preciso, e há cultivares de soja resistentes para indicar. Dificilmente observam-se casos tão severos de mortes generalizadas, levando a replantio de grandes áreas e à consequente perda de investimentos pelo agricultor. Empresas de melhoramento de soja têm permanecido atentas à importância da liberação de cultivares resistentes a esta doença e desenvolvem testes para caracterizar suas linhagens, ou contratam este serviço. Desta forma, é possível considerar, em um futuro não muito distante, a podridão radicular por fitóftora sob controle, no Brasil.
Leila Maria Costamilan e Cláudia Cristina Clebsch, Embrapa Trigo; Carolina Cardoso Deuner, Universidade de Passo Fundo
Artigo publicado na edição 196 da Cultivar Grandes Culturas.
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