Máquinas para biomassa em cana

Biomassa da cana possui potencial para geração de energia, mas palha necessita de várias operações de logística que possibilitem seu recolhimento antes de utilizada para este fim

05.05.2020 | 20:59 (UTC -3)

A biomassa produzida pela cana-de-açúcar tem enorme potencial para a geração de energia, chegando a ser comparada com a produção de algumas Usinas. Porém, a palha necessita de várias operações de logística que possibilitem o seu recolhimento na lavoura, o transporte até a unidade industrial e o processamento antes de ser utilizada para a geração de energia.

Constantemente temos sido alertados sobre a crise relativa aos recursos hídricos, principalmente no estado de São Paulo, que poderá nos levar a uma grave situação de escassez ou racionamento, tanto de água quanto de energia elétrica. Considerando-se apenas a questão energética, o setor sucroenergético pode contribuir de forma sustentável para a minimização deste problema.

A cultura da cana-de-açúcar é uma excelente produtora de biomassa. Esta biomassa pode ser dividida em três diferentes partes: o caldo que é transformado em açúcar e etanol; as fibras ou bagaço, que é queimado nas caldeiras gerando energia térmica e elétrica ao processo industrial e também excedentes que podem ser comercializados no sistema elétrico; e as folhas, também chamadas de palha que, anteriormente, eram queimadas para facilitar a colheita e, agora, graças à colheita mecânica, são separadas dos colmos e deixadas no campo.

Em cada tonelada de colmo de cana produzido temos aproximadamente 140kg de açúcar, 280kg de bagaço com 50% de umidade e 140kg de folhas em base seca. A energia contida em cada uma destas três frações é aproximadamente a mesma, ou seja, a palha remanescente no canavial após a colheita tem um potencial enorme para a geração de energia. Considerando as condições atuais das caldeiras utilizadas nas usinas, cada tonelada de palha com umidade de 15% (umidade para enfardamento) gera aproximadamente 0,7MWh. Com base nestes números e tomando apenas a utilização parcial da palha disponível no campo no pós-colheita (50% do total para evitar problemas agronômicos na lavoura), seria possível gerar aproximadamente 27,5 TWh anuais, cerca de 5% do total da energia consumida no Brasil em 2013 (600TWh) e duas vezes e meia a geração da Usina de Belo Monte (11,2TWh).

Além dessa utilização, a palha também está sendo utilizada como matéria-prima na produção de etanol celulósico ou etanol de segunda geração. Este processo consiste na quebra das fibras de celulose em açúcares que são fermentados, produzindo o etanol.

Entretanto, a palha necessita de uma série de operações de logística agrícola que possibilitem o seu recolhimento na lavoura, no transporte até a unidade industrial e no processamento antes de ser utilizada, quer para a geração de energia elétrica ou como matéria-prima na produção do etanol de segunda geração. Atualmente, as usinas utilizam duas rotas de recolhimento distintas em função de suas características locais. As duas rotas são o transporte da palha junto com a cana picada colhida mecanicamente, também chamada de limpeza parcial, e o enfardamento da palha mais seca em fardos retangulares, realizado em operação posterior à colheita mecanizada da cana (Figura 1). Ambos os sistemas têm suas vantagens e desvantagens, tanto do ponto de vista de viabilidade técnica quanto econômica.

Figura 1 – Rotas de recolhimento da palha da cana-de-açúcar
Figura 1 – Rotas de recolhimento da palha da cana-de-açúcar

A colheita mecânica de cana é baseada na separação dos colmos das folhas através de picagem e de um sistema de ventilação composto por dois extratores. Este sistema não consegue separar toda a palha dos colmos e os valores usuais de palha junto com a cana, também chamada de impurezas vegetais, são entre 5% e 6%.

Na rota de recolhimento baseada em limpeza parcial diminui-se a rotação dos ventiladores e consequentemente a sua capacidade de limpeza, fazendo com que uma maior quantidade de impurezas vegetais seja adicionada à carga de cana, com valores entre 10% e 15%. Esta maior quantidade de palha atrapalha o processo industrial e deve ser separada em unidade industrial chamada estação de limpeza a seco, onde a palha será separada dos colmos logo na entrada do processo industrial através de ventilação.

O recolhimento dos fardos e sua transferência para os talhões começam com equipamento que recolhe e transporta os fardos.
O recolhimento dos fardos e sua transferência para os talhões começam com equipamento que recolhe e transporta os fardos.

Esta forma de recolhimento tem como principal vantagem a facilidade operacional, pois tem pequeno impacto na rotina da operação de colheita da usina, entretanto demanda uma maior quantidade de equipamentos de transporte, pois a densidade de carga é impactada de forma negativa pelo aumento do teor de impureza vegetal, aumentando os custos de transporte de cana. Diversos estudos conduzidos mostraram que a densidade da carga (mistura cana picada e palha) cai para cerca de 70% a 75% da densidade original quando o nível de impurezas vegetais encontra-se entre 10% e 15%. Outro aspecto que deve ser considerado é a umidade do teor de palha, pois quando comparamos os sistemas devemos compará-los em base seca, pois suas umidades são muito diferentes e consequentemente o seu poder calorífico. No sistema de limpeza parcial a palha possui umidade em torno de 35% a 40% com um poder calorífico de 2.250kcal/kg, enquanto que na palha enfardada a umidade é de aproximadamente 15% com poder calorífico de 3.100kcal/kg.

O terceiro e último ponto a ser considerado é o desempenho da estação de limpeza a seco com relação à eficiência de limpeza, pois o custo deve ser calculado em função da quantidade de palha separada na unidade industrial e não em função da quantidade de palha transportada. Estações de limpeza com maiores eficiências fazem com que o custo total da palha seja menor quando comparado às unidades menos eficientes.

A segunda rota utilizada é o enfardamento de palha, que se mostrou mais eficiente com a utilização de enfardadoras retangulares grandes em virtude de expressiva quantidade de biomassa no canavial, densidade e facilidade de manuseio dos fardos produzidos quando comparado à utilização das enfardadoras de fardos cilíndricos.

A máquina utilizada é basicamente a mesma utilizada na produção de feno e forragem, porém algumas empresas encontram-se em um estágio maior de desenvolvimento, fornecendo ao mercado uma solução mais robusta e com características mais interessantes ao setor canavieiro.

O recolhimento da palha através do enfardamento é realizado de quatro a sete dias após a colheita para garantir a secagem. Porém, é necessário ressaltar que o mais importante não é o tempo de exposição ao sol e sim a umidade do material, que deverá estar entre 10% e 15%, podendo, em alguns casos, devido às condições climáticas do local, chegar a valores de até 5%. No instante da colheita, grande parte das folhas encontra-se verde e a sua umidade média é de aproximadamente 40%. Apenas após garantida a umidade ideal, inicia-se a sequência de operações de recolhimento, mostrada na Figura 2.

Figura 2 - Recolhimento da palha da cana-de-açúcar através do enfardamento
Figura 2 - Recolhimento da palha da cana-de-açúcar através do enfardamento

A operação de recolhimento inicia-se com o aleiramento, que consiste no agrupamento da palha em leiras triangulares. Esta operação é muito importante, pois tem impacto direto na quantidade de impurezas minerais adicionada ao fardo e também no desempenho operacional da enfardadora, que é a operação subsequente e a mais cara de toda a logística.

A operação do recolhimento inicia-se com o aleiramento, que consiste no agrupamento da palha em leiras triangulares.
A operação do recolhimento inicia-se com o aleiramento, que consiste no agrupamento da palha em leiras triangulares.

A enfardadora recolhe a palha contida na leira, compactando-a em fardos retangulares amarrados com barbantes longitudinais. As dimensões e densidade dos fardos dependem do modelo de enfardadora adotado. Assim que são produzidos, os fardos são automaticamente depositados no solo. Tanto o aleiramento como o enfardamento devem ser realizados apenas em condições de palha com umidade abaixo de 15% e por isso devem ser realizados somente em um único turno de trabalho.

O recolhimento dos fardos e sua a transferência para os talhões são realizados pela carreta recolhedora de fardos, equipamento que recolhe e transporta os fardos, agrupando-os em pilhas no local onde serão carregados nos equipamentos de transporte rodoviário. Existem no mercado diversos modelos de carreta recolhedora com diferentes capacidades de trabalho.

A enfardadora recolhe a palha contida na leira, compactando-a em fardos retangulares amarrados com barbantes.
A enfardadora recolhe a palha contida na leira, compactando-a em fardos retangulares amarrados com barbantes.

A última etapa da logística agrícola é o transporte rodoviário, que poderá ser feito utilizando-se diferentes tipos de composições rodoviárias, dependendo das características de cada usina e da quantidade de palha a ser transportada durante a safra.

Os fardos, ao chegarem na usina, são processados passando pelas seguintes operações: descarregamento, remoção de impurezas minerais e barbante e trituração. Para a realização deste processamento existem diferentes soluções industriais para diferentes escalas.

Os principais pontos a serem considerados no enfardamento são: desempenho da enfardadora, equipamento de menor produtividade e maior custo; custo do barbante, distância da lavoura à usina devido ao custo de transporte, umidade da palha no momento do enfardamento e desempenho na remoção de terra e na trituração na instalação industrial, pois o fardo possui alto teor de impurezas minerais que poderão causar danos às caldeiras e o tamanho final da partícula influencia a eficiência da mesma. Além disso, o enfardamento introduz uma “nova colheita” na usina e precisa ser gerenciada de forma a minimizar os impactos em outras operações subsequentes como tratos culturais e aplicação de vinhaça.

Atualmente o setor vem utilizando as duas rotas de recolhimento descritas e cada uma tem suas vantagens e desvantagens que devem ser avaliadas considerando-se as condições locais de cada usina, tanto agrícola quanto de instalações industriais, e quantidade de palha necessária e disponível. Porém, tem se observado nos últimos projetos a tendência de uma maior viabilidade da utilização do enfardamento, tanto com relação aos equipamentos agrícolas e industriais, quanto no aprendizado da operação.

Máquinas ou tratores com implementos colocam os fardos sobre o transporte.
Máquinas ou tratores com implementos colocam os fardos sobre o transporte.


Marcelo de Almeida Pierossi, AgroPerforma Consultoria Agrícola


Artigo publicado na edição 157 da Cultivar Máquinas. 

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