Manejo de pragas em milho
Tratamento de sementes com inseticidas é uma das alternativas para proteger cultura de ataques na emergência e em estádios iniciais de desenvolvimento das plantas
O aparecimento de populações resistentes a herbicidas é um fenômeno mundial, que começou na década de 70 e já atinge mais de 250 espécies de plantas daninhas, causando perdas financeiras de bilhões de dólares, constituindo-se em uma grave ameaça à produção sustentável de alimentos no mundo. Somente o uso racional de herbicidas, em um sistema onde se utilizem produtos com diferentes mecanismos de ação aliados a diversas ferramentas de controle poderá permitir que as tecnologias atualmente disponíveis não se percam e assim, alterar este cenário em favor dos produtores.
A cena está se tornando cada vez mais comum. De um lado, um produtor preocupado e insatisfeito com o herbicida que apresentou controle ineficiente de uma ou mais espécies de plantas daninhas presentes em sua lavoura. De outro lado, profissionais do setor público e privado, consultores e especialistas em manejo de plantas daninhas, algumas vezes perplexos ao explicar ao agricultor o porquê aquele produto, que era tradicionalmente eficiente sobre determinada espécie, repentinamente, não é mais capaz de exercer o seu controle.
Resistência ou tolerância? É importante definir o que é a resistência a herbicidas, e como ela difere de outro conceito importante, conhecido por "tolerância" a herbicidas. Resistência define-se como a habilidade de uma planta, biótipo ou população de plantas daninhas, de sobreviver e se reproduzir após a aplicação de um herbicida, em dose que seja letal a plantas suscetíveis da mesma espécie. Mais recentemente, definiu-se que biótipos resistentes devem sobreviver ao herbicida, quando usado em dose cheia (100% da dose recomendada de acordo com a bula), para eliminar plantas supostamente resistentes. Resistência se refere a plantas, de uma determinada espécie, que são capazes de se comportar de maneira distinta a espécie, no caso sobreviver à aplicação de doses que seriam letais a espécie. Já o conceito de tolerância a herbicidas relaciona-se à habilidade da espécie em sobreviver à aplicação do herbicida, sendo, portanto, a resposta inerente à espécie e não sendo exclusiva de algumas populações ou biótipos. Populações de três espécies de buva ou voadeira (Conyza canadensis, C. sumatrensis, e C. bonariensis) resistentes ao herbicida glifosato, ingrediente ativo presente em produtos como o Roundup, foram encontradas em lavouras de vários estados brasileiros. O controle de buva com este herbicida era eficiente nestes estados, em decorrência do predomínio de populações suscetíveis. Este exemplo caracteriza-se, então, como um caso de resistência. Por outro lado, há plantas daninhas, como a trapoeraba (Commelina benghalensis) e a corda-de-viola ou corriola (Ipomoea spp.), que devido a fatores morfológicos e fisiológicos apresentam dificuldade de controle com a utilização de glifosato. Essas espécies exigem altas doses do herbicida e caracterizam-se como espécies em que o escape de plantas e ausência de controle são comuns. Neste caso, a tolerância ao glifosato é algo inato das espécies, e não apresenta-se como uma particularidade de alguns biótipos ou populações, como é o caso da buva.
Diferentemente das culturas, as populações de plantas daninhas apresentam uma grande variabilidade genética entre si. Em uma mesma área geográfica, quanto maior for a variabilidade genética e maior for a densidade da infestação, maiores as chances de surgimento de resistência a um determinado herbicida ou a mecanismos de ação. O mecanismo de ação de um herbicida é a maneira pela qual o herbicida afeta a planta a nível histológico ou celular. Como exemplo, há o ingrediente ativo glifosato (presente em uma gama de produtos formulados), que atua através da inibição da enzima EPSPs (enol-piruvil-shiquimato-fosfato sintase). Esta enzima está presente no cloroplasto e age na rota do ácido chiquímico, sendo o glifosato o único ativo que possui este mecanismo de ação. A resistência a um mecanismo de ação, em uma população ou biótipo, ocorre de formas distintas. Pode processar-se quando a mutação acontece diretamente sobre o sítio de ação do herbicida (como mutações em uma enzima-alvo ou super-produção desta), ou quando age sobre mecanismos fora do sítio de ação. Os mecanismos fora do sítio de ação são variados e englobam importantes mecanismos de resistência, como a metabolização acelerada do herbicida em populações resistentes (evitando assim que o herbicida se acumule no sítio de ação e alcance níveis fitotóxicos), e como a reduzida translocação e absorção do herbicida, através da cutícula foliar, dentre outros. A elucidação do mecanismo de resistência em determinada população da planta daninha é de extrema importância, para que medidas de manejo sejam definidas. As medidas de manejo devem levar em conta a fisiologia da planta, visto que alguns biótipos resistentes podem apresentar mais de um mecanismo de resistência em uma mesma planta, dificultando o uso de outros herbicidas do mesmo mecanismo de ação, ou mesmo de outros mecanismos de ação.
A resistência é, portanto, a perda de eficácia de um herbicida que ocorre ao longo do tempo, devido à intensa pressão de seleção exercida pelo herbicida, através de seu uso repetitivo no campo. Herbicidas são ferramentas altamente eficazes para controle de plantas daninhas, apresentando em geral controle acima de 80%-90%. Assim, ano após ano, plantas resistentes conseguem sobreviver e se reproduzir, sofrendo seleção até que torne-se perceptível e estabeleça-se o problema de resistência a herbicidas na lavoura. Contudo, a resistência a herbicidas não é o único problema que pode levar a falhas de controle após a aplicação de herbicida. Na realidade, antes que haja a suspeita da presença de populações resistentes, todos os fatores envolvidos nas falhas de aplicação devem ser eliminados (Figura 1).
È possível dividir os fatores relacionados ao controle ineficiente de plantas daninhas por um herbicida em duas categorias: (i) problemas com a aplicação do produto, como emprego de pontas de aplicação entupidas, equipamento mal calibrado, pulverização em situações climáticas inadequadas (temperaturas muito elevadas, umidade relativa baixa, presença de ventos fortes, chuva após a aplicação), ou uso de produtos sem validade; (ii) aspectos relacionados ao alvo - aplicação realizada em estádio de crescimento das plantas daninhas inadequado (por exemplo, aplicação sobre planta em estádio mais avançado do que o indicado para o produto), ou sob plantas em condições de estresse ambiental. Deve-se também garantir que possíveis misturas de tanque que, apesar de não permitidas são às vezes utilizadas, não sejam as responsáveis pela diminuição da eficácia dos produtos, visto que casos de antagonismo entre produtos são comuns. As características de distribuição de invasoras geralmente estão associadas ao desenvolvimento de resistência a herbicidas em determinada lavoura (Tabela 1).
Até o presente momento já foram relatados mais de 450 casos de resistência a herbicidas no mundo, englobando mais de 250 espécies de invasoras em 86 países, e afetando ao todo 66 culturas diferentes (Tabela 2). O problema se torna mais claro quando analisa-se o número de mecanismos de ação (M.D.A) afetados pela resistência, 23 de 26 existentes. Mesmo que sejam lançados novos herbicidas constantemente no mercado, o último mecanismo de ação foi lançado há mais de 20 anos, indicando que a taxa de lançamento de moléculas com novos mecanismos não tem acompanhado o rápido crescimento de casos de resistência. No Brasil são 37 casos de resistência relatados, afetando 27 espécies em 8 culturas diferentes. Apesar do panorama favorável, deve-se mencionar que, casos de resistência nem sempre são relatados por pesquisadores brasileiros ao banco de dados mundial da área (website www.weedscience.org) e estes números podem não representar um retrato fiel dos problemas de resistência a herbicida na agricultura nacional.
No Brasil, algumas plantas daninhas resistentes a herbicida têm recebido bastante atenção devido a extrema dificuldade de manejo de populações resistentes pelos produtores. Nesta lista encontram-se as três espécies de buva citadas anteriormente, que são competidoras agressivas em lavouras de soja, milho e trigo. Cabe destacar que a resistência ao glifosato foi desenvolvida recentemente, além de casos de resistência a múltiplos herbicidas em C. sumatrensis. Além destas, as espécies Bidens pilosa e B. subalternans, chamadas comumente de picão-preto, e invasoras agressivas em soja, também desenvolveram resistência a herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS), como por exemplo, os ativos no grupo das sulfoniluréias e imidazolinonas. Como resultado do surgimento de biótipos resistentes, têm-se muitas vezes um aumento na complexidade do programa de manejo de plantas daninhas, acompanhada da elevação de custos, de perdas financeiras ocasionadas pela mato-competição dos biótipos resistentes, dentre outros efeitos deletérios.
Como se já não houvesse problemas suficientes para lidar no tocante ao manejo de plantas daninhas no Brasil, em 2015, veio somar-se à lista acima a planta daninha caruru-gigante (Amaranthus palmeri). Plantas da espécie, nativa da América do Norte, foram recentemente encontradas em lavouras de algodão no Mato Grosso - sua presença nunca havia sido relatada no Brasil. Trata-se de uma espécie altamente agressiva, de crescimento acelerado e tolerante a condições de altas temperaturas e baixa disponibilidade de água, capaz de produzir mais de 1 milhão de sementes por planta. A presença da espécie, por si só, em território nacional, já seria o suficiente para causar alvoroço, pois o clima favorece sua disseminação. Porém, há alguns meses, confirmou-se que as populações encontradas são resistentes ao herbicida glifosato, o que elevou a preocupação e colocou sob o holofote as medidas de contenção desenvolvidas pelos órgãos competentes, e trazidas ao público através da Instrução normativa número 47 de 2015.
Dada a severidade do problema e a importância dos herbicidas para a agricultura moderna, é de extrema importância que se saiba utilizar as várias ferramentas existentes para manejo de plantas daninhas, de forma racional e em conjunto com outras técnicas, em um sistema, no qual, o manejo integrado de plantas daninhas seja posto em prática. Assim, recomenda-se que o uso de herbicidas para controle de plantas daninhas esteja aliado à um sistema de manejo diversificado, objetivando dificultar a adaptação de plantas daninhas ao sistema, diminuindo a pressão de seleção de plantas resistentes. Várias medidas podem incluídas como partes essenciais de um sistema de manejo de plantas daninhas robusto como o uso de manejo mecânico (como emprego de roçada ou cultivador para controle de plântulas), e o manejo cultural, (como a rotação de culturas, as variações no espaçamento, o uso de plantio direto, visto que a presença de palha constitui-se como uma barreira física, prejudicando a germinação de sementes de plantas daninhas que necessitam de luz e a emergência de plântulas). Deve-se também alternar os mecanismos de ação dos herbicidas e não somente os herbicidas ou ingredientes ativos, para que espécies que, por ventura, tenham sobrevivido a aplicações em safras anteriores sejam controladas com eficiência, antes que se disseminem e tornem-se dominantes. Nesta ótica, a rotação de culturas é de extrema importância, pois favorece a utilização de herbicidas de diferentes mecanismos de ação. Indica-se também, o uso de herbicidas de diferentes tipos e modalidades de uso, como pré-emergentes ou pós-emergentes, especialmente quando há a possibilidade de adicionar um mecanismo de ação em pré-emergência que não esteja disponível em pós. Por fim, é também importante controlar escapes ou plantas daninhas que estejam presentes na lavoura através do uso de herbicidas dessecantes ou controle mecânico mesmo que próximo à colheita, para evitar o aumento do banco de sementes da área e maiores dificuldades para a safra seguinte, especialmente tratando-se de espécies resistentes. A agricultura moderna demanda pró-atividade do produtor e monitoramento extensivo dos campos. Quanto mais cedo o problema foi identificado, menores serão os custos para contorná-lo e menores serão as perdas. Deve-se, portanto, investir no controle de plantas daninhas previamente à instalação do problema, para que não hajam mais gastos quando o problema tiver fugido do controle e adquirido proporções que dificultem sua resolução.
Rafael M. Pedroso, Carla Siqueira, Instituto Phytus
Artigo publicado na edição 208 da Cultivar Grandes Culturas.
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