Novo cenário para a agricultura
Por Fernando Mendes Lamas, Pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste
Sul, Centro-Oeste, Sudeste e algumas áreas do Nordeste enfrentam problemas de capim amargoso resistente à aplicação de glifosato no Brasil. Com risco de seleção de resistência múltipla, o manejo deste problema exige muito critério e atenção. Controlar esta daninha, sempre que possível, antes que forme touceiras é uma estratégia importante, porque após isso ocorrer o combate se torna mais difícil e eleva substancialmente o custo de produção
A resistência de plantas daninhas a herbicidas não é um tema novo para a agricultura brasileira. Na década de noventa, com o uso de herbicidas tradicionais, os produtores já se deparavam com problemas associados à resistência de plantas daninhas como capim-marmelada, picão-preto e amendoim-bravo.
Com o advento das culturas geneticamente modificadas com tolerância ao glifosato, surgiu uma ferramenta importante para manejar os problemas de resistência de plantas daninhas, uma vez que o glifosato é um herbicida de amplo espectro de ação e de alta eficiência. O uso intensivo do glifosato, no entanto, trouxe novos problemas de resistência, como a buva (Conyza spp.), o azevém (Lolium perenne ssp. multiflorum), o capim-branco (Chloris elata) e o capim-amargoso (Digitaria insularis).
O primeiro caso de resistência de capim-amargoso ao glifosato no mundo foi registrado em 2005 pelo pesquisador Fernando Adegas (EMBRAPA SOJA) quando foi relatada a existência de biótipos resistentes em lavouras de soja do Paraguai. No ano de 2008, em região geograficamente próxima ao primeiro foco de resistência, foi constatado o primeiro caso de resistência de capim-amargoso ao glifosato em lavouras de soja do Paraná, no município de Guaíra. E no ano de 2011, relatou-se a presença de plantas resistentes em pomares de laranja da região de Matão, São Paulo. Atualmente, sabe-se que populações de capim-amargoso resistentes ao glifosato estão espalhadas por toda a região Sul, Centro-Oeste e Sudeste, além de algumas áreas do Nordeste do Brasil.
O capim-amargoso é uma espécie nativa de regiões tropicais e subtropicais da América, onde é frequentemente encontrado em pastagens, cafezais, pomares, beiras de estradas e terrenos baldios. No Brasil, a espécie Digitaria insularis possui diversos nomes comuns, sendo os principais: capim-amargoso, capim-flecha, capim-açu, capim-pororó e milheto-gigante. Na língua inglesa, o nome comum é sourgrass, que significa capim ácido, devido ao paladar ácido que a planta apresenta.
Embora o capim-amargoso seja uma planta daninha de ciclo perene e de metabolismo fotossintético de alta eficiência do tipo C4, nos primeiros 45 dias após a emergência apresenta desenvolvimento lento, o que torna esse tipo de planta facilmente controlável pelo sombreamento imposto pela cultura (controle cultural). A partir desse estádio ocorre um crescimento acelerado devido à alta capacidade de perfilhamento e também à formação de rizomas, até a emissão da inflorescência, aproximadamente aos 70 dias.
Devido ao tipo de desenvolvimento dessas plantas, o capim-amargoso é considerado como uma planta daninha de alta agressividade. No entanto, observa-se que as plantas originárias de sementes, quando jovens, são controladas facilmente por herbicidas; contudo, quando se desenvolvem e formam rizomas, seu controle é dificultado. Dessa forma, o melhor período para controle de capim-amargoso é até por volta de 45 dias após a emergência, quando os rizomas ainda não foram formados.
Um outro fator que dificulta o controle das plantas de capim-amargoso é o fato de que, embora o pico de emergência seja durante a estação mais quente e chuvosa do ano, sua emergência ocorre durante todo o ano. Sendo assim, o ponto-chave no manejo de capim-amargoso é que, uma vez estabelecida, a planta se torna muito rústica devido à formação de inúmeros rizomas, e com o conjunto destes, há formação de grandes touceiras. Uma vez ocorrido o processo de perenização, esta planta pode florescer e disseminar sementes durante o ano todo. Assim, com a dispersão das sementes pelo vento ou pelo tráfego de máquinas, novos fluxos de emergência passam a ocorrer. Diante disso, estratégias de manejo devem ser baseadas em ações durante todo o ano em função do ciclo perene do capim-amargoso.
O controle de capim-amargoso por meio de herbicidas pode ser realizado em duas modalidades, pré e/ou pós-emergência. Em pré-emergência existem vários mecanismos de ação que podem ser utilizados: inibidores de divisão celular, inibidores do fotossistema II, inibidores da síntese de carotenoides, inibidores da ALS e inibidores da protox. Pesquisas realizadas mostram que os herbicidas utilizados em pré-emergência, que têm apresentado algum controle são: alachlor, clomazone, diuron, diuron+hexazinona, pendimenthalin, s-metolachlor, flumioxazin, diclosulam, imazethapyr, sulfentrazone e trifluralin.
Em pós-emergência esta planta daninha deve ser controlada até o estádio de no máximo três perfilhos (por volta de 35 dias), antes da formação de rizomas. Para este estádio de desenvolvimento, os herbicidas inibidores da GS-GOGAT, inibidores da ACCase, inibidores do FSI e inibidores da síntese de carotenóides apresentam algum controle de capim-amargoso. Neste caso, herbicidas com ação de contato como paraquat e glufosinato de amônio funcionam como uma “roçada química” mas normalmente permitem a rebrota das plantas. Herbicidas com ação sistêmica como os graminicidas (FOP’s e DIM’s) apresentam bom controle em pós-emergência, com destaque para clethodim, haloxifop e quizalofop. Para plantas de até um perfilho, mesotrione e tembotrione proporcionam bom controle, o que é importante ferramenta para manejo de capim-amargoso na pós-emergência do milho. No entanto, mesmo para herbicidas de ação sistêmica, o controle é bom somente quando a aplicação é realizada em estádio de desenvolvimento precoce.
Em plantas já entouceiradas o controle é extremamente oneroso, uma vez que há necessidade de aplicar doses mais altas e mesmo assim, na maioria dos casos ocorre rebrota, o que gera a necessidade de uma segunda ou terceira aplicação (aplicações sequenciais). Os herbicidas inibidores da ACCase atuam diretamente nos pontos de crescimento, porém não são eficazes para reduzir drasticamente a área foliar dessas plantas, o que permite que ainda ocorra competição por luz com a cultura. Por outro lado, herbicidas de ação de contato reduzem drasticamente a área foliar das plantas de capim-amargoso, porém o controle exercido por esses produtos tende a diminuir com o passar do tempo, pois estes não atuam nos órgãos de reserva da planta, fazendo com que tenha capacidade de rebrota. É justamente em função disso que para plantas já entouceiradas há necessidade de mais de uma aplicação sequencial, uma vez que após a primeira aplicação a planta necessita gastar suas reservas para emitir novas folhas. Assim após as aplicações seguintes a planta passa a ter menor capacidade de rebrota.
Quando há plantas de capim-amargoso grandes (entouceiradas) antecedendo a semeadura da soja, um dos sistemas de manejo químico que têm mostrado potencial é a adoção de pelo menos 3 aplicações sucessivas, alternando herbicidas de ação sistêmica e herbicidas com ação de contato: 1ª aplicação 15-20 dias antes da semeadura da soja: Roundup Transorb + Select + Assist (3,0 L/ha + 0,8 L/ha + 0,5% v/v). 2ª aplicação na pré-semeadura da soja: Gramoxone + Assist (2,0 L/ha + 0,1% v/v) ou Gramocil + Agral (2,0 L/ha + 0,5% v/v). 3ª aplicação após a emergência da soja, aproximadamente 20-30 dias após a emergência: Roundup Transorb + Select + Assist (2,0 L/ha + 0,45 L/ha + 0,5% v/v).
Dois pontos devem ser considerados nessas aplicações em pós-emergência. O primeiro é o fato de que onde há buva e capim-amargoso na mesma área, é necessário estar atento à aplicação de graminicidas e latifolicidas (ex: 2,4-D) em mistura, devido à possibilidade de ocorrência de antagonismo que ocorre pela incompatibilidade que alguns herbicidas apresentam. O segundo ponto é que, mesmo com a eficácia apresentada por esses graminicidas em pós-emergência, é necessário considerar a pressão de seleção imposta por essas aplicações. Ou seja, se não houver uso racional desses herbicidas, é possível que em breve haja plantas de capim-amargoso com resistência ao glifosato e aos graminicidas (resistência múltipla).
Diante disso, recomenda-se que os produtores não permitam que essas plantas formem touceiras, pois o controle nesta situação é mais difícil e eleva substancialmente o custo de produção. É desejado que as recomendações de controle sejam baseadas também na utilização de outros métodos de manejo diferentes dessas aplicações de graminicidas em pós-emergência. O uso de pré-emergentes associado à cobertura de palha na entressafra apresenta-se como uma excelente opção para o controle de fluxos de emergência de capim-amargoso. Como culturas de cobertura, o trigo, a aveia, o milheto ou a braquiária são opções viáveis, e a escolha de cada uma depende da região em que a propriedade se encontra.
O controle mecânico muitas vezes apresenta-se como uma alternativa viável devido ao custo de operação ser menor do que a aplicação de herbicidas em doses elevadas e/ou aplicações sequenciais. O uso de métodos tradicionais como a enxada para eliminação de plantas adultas, e qualquer outra prática que não permita que essas plantas se reproduzam é válido e pode contribuir na redução do custo de produção.
De modo geral, apesar da resistência de capim-amargoso ao glifosato ser um problema grave na agricultura brasileira, ainda não se difundiu para todas as regiões do Brasil. E, apesar da elevada pressão de seleção de graminicidas sobre populações de capim-amargoso, atualmente ainda se lida com resistência a apenas um mecanismo de ação. Para que este problema não se alastre para essas regiões, e para que as áreas onde já se instalou sejam manejadas corretamente, cabe a pesquisadores, técnicos e produtores desvendar e aplicar medidas para o manejo eficiente com o objetivo de reduzir perdas na produtividade devido à presença dessas plantas na lavoura.
Rubem Silvério de Oliveira Jr., Hudson Kagueyama Takano, Jamil Constantin, NAPD/UEM
Artigo publicado na edição 209 da Cultivar Grandes Culturas.
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura