Ações de manejo da mosca branca em soja

Manejar a praga demanda ações amplas e planejadas, que incluem a correta rotação de inseticidas para prevenir resistência

20.08.2020 | 20:59 (UTC -3)

Inseto pequeno, a mosca branca transforma-se em gigante quando o assunto é potencial de danos e dificuldades de controle nas lavouras. A introdução de biótipos inexistentes no Brasil, como o Q (Mediterranean), aumenta ainda mais a preocupação. Manejar esta praga demanda ações amplas e planejadas, que incluem a correta rotação de inseticidas para prevenir resistência.

A mosca branca (Bemisia tabaci) tem causado preocupação aos sojicultores brasileiros em várias regiões do país devido aos prejuízos observados e à dificuldade do controle com inseticidas. Para melhorar o manejo deste pequeno inseto é importante que o agricultor aprenda a reconhece-lo em suas diferentes formas e compreenda a interação da praga com as diversas culturas que compõem o sistema agrícola.

Apesar do termo mosca branca ser utilizado de modo geral para designar a espécie B. tabaci, este inseto não é uma mosca. Pertencendo à ordem Hemiptera e à família Aleyrodidae, é mais próximo aos percevejos e pulgões que às moscas. A própria espécie B. tabaci ainda gera questionamentos, pois há 24 biótipos de B. tabaci distribuídos pelo mundo. É muito provável que os biótipos não sejam variações da mesma espécie, mas sim um complexo de espécies que, apesar de compartilharem similaridades morfológicas, apresentam incompatibilidade reprodutiva. Desta forma, apesar do termo biótipo não estar correto, ele ainda é utilizado até que uma solução melhor seja apresentada.

No Brasil, o primeiro registro de B. tabaci deu-se em 1923. Nessa época, tratava-se provavelmente do biótipo A ou New World, segundo a classificação mais atual. Sua importância econômica era, entretanto, secundária. Na década de 90, populações elevadas de B. tabaci foram observadas em diversas regiões do país causando prejuízos, principalmente no Sudeste, Centro Oeste e Nordeste do país. Estudos posteriores confirmaram a presença de um novo biótipo no Brasil, o biótipo B ou Middle East-Asia Minor 1 – MEAM1. Atualmente este é o biótipo mais comum no Brasil. Mais recentemente, em 2013, um novo biótipo, o Q (Mediterranean), foi detectado no Rio Grande do Sul. A diferenciação destes biótipos somente pode ser feita mediante a utilização de ferramentas moleculares.

Algumas preocupações surgem com as introduções de bióticos inexistentes no país. Os problemas com B. tabaci eram menores até a entrada do biótipo B no final do século passado. Após a sua introdução a frequência de prejuízos com este inseto cresceu no Brasil. Relatos de outros países já ocupados pelo biótipo Q informam a maior capacidade deste biótipo em tolerar altas temperaturas, de resistir a diferentes grupos de inseticidas e de transmitir vírus. Na China, a expansão do biótipo Q está associada à maior incidência do vírus TYLCV (Tomato yellow leaf curl virus) em tomate. Em Israel, onde os biótipos B e Q coexistem, em lavouras submetidas a pressão com inseticidas, o biótipo Q torna-se predominante.

Independente do biótipo, B. tabaci é altamente polífaga, isto é, possui centenas de hospedeiros entre plantas cultivadas (soja, algodão, girassol, feijão, tomate etc.), ornamentais e invasoras. Essa habilidade favorece a manutenção e a formação de grandes populações da praga. As invasoras servem de abrigo na entressafra, as plantas cultivadas permitem a proliferação da praga em períodos favoráveis e as ornamentais facilitam sua disseminação a longas distâncias pelo transporte humano. As plantas hospedeiras pertencem principalmente às famílias Asteraceae, Brassicaceae, Convolvulaceae, Cucurbitaceae, Euphorbiaceae, Fabaceae, Malvaceae e Solanaceae.

É também preciso delimitar os problemas causados por B. tabaci como vetor de doenças daqueles causados pela sucção da seiva e formação de fumagina. Como vetor de doenças, os prejuízos potenciais são maiores e o tamanho da população de mosca branca tem uma importância menor: a simples presença dos adultos associada à presença de plantas portadoras de vírus é capaz de disseminar a doença para toda a lavoura. Nessa situação, a mosca branca assume uma importância maior para culturas como o feijão e o tomateiro, que são suscetíveis a doenças virais transmitidas pelo inseto, como o mosaico dourado do feijoeiro e as geminiviroses do tomateiro.

Figura 1. Formação de fumagina sobre as folhas de soja decorrente da deposição de açucares por ninfas de Bemisia tabaci (Hemiptera: Aleyrodidae).
Figura 1. Formação de fumagina sobre as folhas de soja decorrente da deposição de açucares por ninfas de Bemisia tabaci (Hemiptera: Aleyrodidae).

Para a soja, o impacto de B. tabaci depende diretamente do tamanho da população da mosca branca e do estádio em que a cultura é atacada. Isto porque a mosca branca favorece o aparecimento da fumagina, um fungo que se desenvolve devido aos açúcares excretado pelas ninfas e depositado sobre as folhas (Fig. 1). A fumagina, dependendo de sua intensidade, dificulta a fotossíntese e, em condições extremas, pode causar a morte prematura da planta antes do enchimento dos grãos. Portanto, a presença de ninfas associada às condições climáticas é que determinarão a ocorrência de fumagina. Mas para entendermos como isto ocorre é preciso compreender o ciclo de vida deste inseto e os fatores que afetam o seu desenvolvimento.

B. tabaci é um inseto de metamorfose incompleta, em que o ciclo de vida é dividido em ovo, ninfa (forma jovem) e adulto (Fig. 2). A fêmea adulta, que tem apenas 1,5 mm de comprimento por 0,5 mm de largura, deposita de 30 ovos a 150 ovos durante sua vida. Os ovos são depositados na face inferior das folhas e levam entre 5 dias e 6 dias para eclodirem. A ninfa, ao sair do ovo, caminha sobre a folha até encontrar um local onde possa penetrar o aparelho bucal em forma de estilete. Ao se conectar com um vaso de transporte de seiva, a ninfa fixa-se, permanecendo ligada à folha até a fase adulta. Esse período dura em média 18 dias, até a emergência do adulto. Todo o ciclo de vida pode durar de 20 dias a 35 dias, dependendo principalmente da temperatura. Temperaturas mais elevadas favorecem o desenvolvimento mais rápido da praga, e consequentemente sua multiplicação.

Nos períodos de entressafra, a mosca branca sobrevive em baixas densidades em plantas daninhas. Com o final do inverno e do período seco em outubro no Centro-Oeste do Brasil, inicia-se a semeadura das diversas culturas, principalmente a soja. A partir dos focos iniciais em plantas espontâneas, a mosca branca dispersa-se e, graças às temperaturas mais altas e à abundância de plantas hospedeiras, multiplica-se rapidamente. Assim, as lavouras que são semeadas tardiamente e possuem um ciclo maior são as que mais sofrem com altas populações de mosca branca, pois as primeiras lavouras são a fonte primária das grandes populações de B. tabaci para as lavouras tardias, quando estas ainda estão em desenvolvimento. Somando-se a isto, períodos quentes e veranicos favorecem as explosões populacionais. São as lavouras tardias que geralmente exigem intervenções para reduzir a população da praga.

As moscas brancas são voadoras pouco eficientes. Caso a planta hospedeira apresente condições que permitam a multiplicação do inseto, os adultos não se expõem, realizando somente voos curtos nos períodos mais frescos do dia. Quando as populações atingem altas densidades, os insetos deslocam-se em nuvens para novas áreas, transportados pelas correntes de ar, buscando novos hospedeiros onde possam se manter.  A ocupação da lavoura pela mosca branca ocorre de forma agregada, a partir das bordas do talhão para o centro. Dessa maneira, o monitoramento deve dar prioridade às bordas dos talhões. A contagem de adultos em soja é mais difícil e normalmente de baixa precisão. Por isso, recomenda-se observar a presença de ninfas, com o auxílio de uma lupa, nas folhas do terço médio das plantas para acompanhar a evolução da população da mosca branca.

Ao se optar pelo controle químico é indispensável a orientação de um técnico para a escolha do inseticida mais adequado e orientações sobre a pulverização. A grande dificuldade no controle da mosca branca reside em atingir o alvo, pois trata-se de um inseto diminuto cujas ninfas crescem imóveis na face inferior das folhas. A contaminação do inseto pelo inseticida durante o caminhamento, portanto, praticamente não existe. Por isso é vital que a pulverização garanta a melhor cobertura possível com o inseticida.

Figura 2. Ciclo de vida de Bemisia tabaci (Hemiptera: Aleyrodidae) – ovo, ninfa (fase jovem) e adulto.
Figura 2. Ciclo de vida de Bemisia tabaci (Hemiptera: Aleyrodidae) – ovo, ninfa (fase jovem) e adulto.

Outro grande desafio no controle da mosca branca consiste na sua capacidade de evolução rápida para populações resistentes a inseticidas. Apesar de aparentemente haver muitos inseticidas comerciais para o controle da mosca branca, a maior parte é baseaeda nos mesmos ingredientes ativos, que podem ser agrupados em: neonicotinóides, piretróides, juvenoide, feniltiouréia, análogo de pirazol, cetoenol, tiadiazinona e mais recentemente diamida. A bibliografia internacional está repleta de registros de resistência à maioria destes grupos inseticidas. Entretanto, aproximadamente 50% dos casos de resistência foram registrados para o grupo dos neonicotinóides. Isto não surpreende, uma vez que são os inseticidas mais amplamente utilizados, de forma maciça, sem o manejo adequado, o que  certamente é a causa dos problemas com resistência.

Como recomendações gerais para um bom manejo da mosca branca sugere-se semear e colher dentro do menor período possível. Monitorar os talhões para a chegada e a distribuição de B. tabaci. Caso seja necessário, buscar as melhores condições de pulverização e uma boa cobertura das plantas e folhas. Rotacionar os inseticidas considerando seus diferentes modos de ação para impedir a rápida evolução da resistência. Em um contexto mais amplo deve-se analisar toda a paisagem espaço temporal do agroecossistema, observando a dinâmica da mosca branca, da cultura precedente e subsequente. Deve-se avaliar se há risco de transmissão de doenças, a área ocupada por estas culturas e a distribuição das lavouras dentro da propriedade e das propriedades vizinhas. Apenas dessa forma é possível manejar esta importante praga.


Edson Hirose, Embrapa Soja


Artigo publicado na edição 213 da Cultivar Grandes Culturas.

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