Tecnologia impulsiona a agricultura e reforça o papel do agricultor frente aos desafios climáticos e ao crescimento populacional
Por Francisco Soares, presidente da TMG - Tropical Melhoramento & Genética
O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo. Na safra 2020/2021 a área plantada foi de 44,073 milhões de hectares, produção de 154,603 milhões de toneladas e rendimento de 3,508 quilos por hectare (Conab, 2023). O centro-oeste brasileiro é responsável por quase 50% de toda a produção do Brasil. Com a expansão da produção de soja no país na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e incluindo Minas Gerais, constata-se que os produtores de soja do Cerrado são responsáveis por 69% da produção nacional.
Embora o Cerrado tenha um grande potencial para a produção de soja e outras culturas, é necessário entender as particularidades climáticas e ambientais do bioma e suas influências na agricultura. Uma das características que mais afetam o rendimento das culturas é a distribuição de chuvas. Devido à sua grande extensão, a precipitação anual do Cerrado possui elevada variabilidade apresentando menor volume de precipitação na região de fronteira com a Caatinga e maior precipitação na fronteira com a floresta amazônica, enquanto a região central se caracteriza pela precipitação mais típica do Cerrado (Figura 1).
Pesquisas estão sendo conduzidas pela Embrapa Cerrados com o objetivo de avaliar o efeito da restrição hídrica durante diferentes estádios de desenvolvimento da soja. No Cerrado, a precipitação média de todo o bioma varia de 1486 mm ± 146,8 mm. A distribuição das chuvas nessa região é caracterizada por duas estações bem definidas: uma seca (de maio a setembro) e outra chuvosa (de outubro a abril). Estudos climatológicos demonstraram que, nas últimas décadas, houve uma tendência de aumento de chuvas nas regiões sul e sudeste, enquanto o centro-norte observa-se tendências de redução da precipitação.
Também foi observado tendências de redução significativa da precipitação no bioma no início e fim da estação chuvosa em análises do período de 1971 a 2006, indicando um prolongamento da estação seca no bioma. Análises com bases em dados climatológicos da estação principal da Embrapa Cerrados corroboram os resultados apresentados por Campos e Chaves (2020). Pesquisadores identificaram um decréscimo de 23% na precipitação anual da região de 1974 a 2013, principalmente nos últimos 10 anos de análise. Outro dado similar foi o decréscimo precipitação nos meses de outubro (estabelecimento da estação chuvosa) e março.
Em função das variabilidades climáticas e ambientais, foram desenvolvidas políticas públicas, entre elas o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC). O Zarc é uma poderosa ferramenta que orienta políticas Agrícolas Brasileiras como por exemplo o Proagro, Proagro Mais e Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural. Com isso, os produtores conseguem negociar garantias para a solicitação de crédito de custeio visando reduzir o risco na sua produção. Estudos de zoneamento climático da soja definem as melhores épocas de plantio em função do tipo de solo e do ciclo de desenvolvimento da cultura.
Esses estudos foram realizados considerando as Fases I (germinação e início do desenvolvimento) e III (reprodutivo), como os períodos críticos para a ocorrência de veranicos. Assim sendo, a janela de plantio no Brasil Central se inicia em outubro e termina em dezembro e a colheita ocorre de janeiro a março. Esse é um período chuvoso no Cerrado, porém, é comum que durante a fase de cultivo da soja ocorram veranicos, que são intervalos variáveis de dias sem a ocorrência de chuvas. Esses momentos de estiagem, dependendo da intensidade e da extensão do período seco, bem como da fase fenológica que a cultura se encontra podem interferir no rendimento da soja.
Um estudo realizado na região do cerrado mineiro avaliou que dos 30 postos pluviométricos analisados, 21 sofreram correlação negativa, ou seja, quanto maior o número de veranicos menor o rendimento, constatando que a cultura da soja sob influência de veranicos tem uma perda de produtividade. Entretanto, o grau de influência do veranico sob a cultura vai depender da época de fenológica de ocorrência, da frequência que ocorre e o número de dias de duração.
A cultura da soja, para ter um bom desenvolvimento durante o seu ciclo, apresenta uma exigência hídrica que varia de 450 a 800 mm de água, mas essa demanda varia de acordo com a cultivar, com o clima e com o manejo da cultura. A planta atinge sua máxima absorção de água na fase de floração e de enchimento de grão. Para a que a semente tenha uma boa germinação, ela deve absorver entre 50 e 85% do seu peso em água. Após o umedecimento começa a degradar o amido da semente e inicia seu processo de germinação.
Conforme a planta vai se desenvolvendo, a necessidade hídrica aumenta sendo que os estudos demonstram que a fase mais crítica para soja é o estádio de floração-enchimento de grão: se nesta etapa faltar água, a produtividade da planta será muito reduzida. No entanto, praticamente não há estudos avaliando o impacto do estresse hídrico na fase vegetativa (Fase II) e, considerando que a janela de plantio da soja inicia em outubro e que os dados climatológicos demonstram uma diminuição da precipitação nesse período, há necessidade de avaliar o impacto da seca na fase vegetativa da soja.
Os experimentos foram realizados nos campos experimentais da Embrapa Cerrados com a cultivar BRS7581RR. O solo da área é classificado como latossolo vermelho, contendo 52% de argila. A temperatura média na região é de 22°C e a precipitação pluvial total média igual a 1.500 mm ano, sendo concentrada entre os meses de outubro a março. Antes da semeadura foi aplicado no sulco de semeadura 22,5 kg de N; 112,5 kg de P2O5 e 112,5 kg de K2O por hectare.
Até 10 dias após a semeadura foram aplicadas lâminas de irrigação com o objetivo de manter o solo úmido e, assim, garantir a germinação e emergência das plântulas. A partir do 13º dia iniciou-se o monitoramento para aplicação de cada estratégia. No tratamento controle (T1), a irrigação foi completa em todos os estádios de desenvolvimento; ou seja, a irrigação foi manejada de forma a suprir toda a demanda hídrica da cultura. Nos demais tratamentos, a irrigação foi totalmente suspensa durante o período de duração da fase. Finalizada a fase fenológica, a irrigação era retomada conforme o tratamento controle.
A implantação dos experimentos foi realizada no período da seca (maio a setembro), nos anos de 2019, 2021 e 2022. Foi utilizado irrigação em sistema de gotejamento subterrâneo, sendo que em 2019 foram avaliados cinco tratamentos diferentes de estresse hídrico. No verão de 2019, foi implantado o primeiro experimento para validar os dados observados no período de inverno. Os resultados demonstraram perdas de 10 a 40% do rendimento dependendo da fase de desenvolvimento durante o estresse, duração do mesmo e do ano de avaliação (Tabela 1).
As maiores perdas foram observadas quando o estresse hídrico ocorreu na fase reprodutiva e variaram entre 30 e 40%, tanto no período de floração, formação das vagens (R1 a R4) quanto no de enchimento de grãos (R5.1 a R7). A falta de água nessas fases ocasiona diminuições drásticas nos componentes produção, como por exemplo, aborto de flores e consequentemente menor número de vagens por planta; aborto de sementes o que diminui o número de grãos por planta; queda na fotossíntese levando a uma diminuição do tamanho e peso das sementes, enfim um efeito drástico potencial produtivo total.
No entanto, as perdas na fase vegetativa não foram desprezíveis, pois variaram entre 20 e 35% dependendo do ano e dos diferentes de tempo de estresse (Tabela 1). Interessante notar que, independente do ano e das condições climáticas, a soja que estava com irrigação constante (T1) produziu praticamente o mesmo número de sacas (Tabela 1). No entanto o mesmo não acontece nos tratamentos de estresse. Observando a figura 2 (A, B e C) verificamos que o comportamento climático variou nos diferentes anos, tanto ocorrendo chuvas abundantes antes do plantio ou apresentando alguns traços de chuvas durante a fase vegetativa. No entanto, mesmo assim houve impacto considerável nos tratamentos com estresse durante a fase de desenvolvimento vegetativa.
No verão de 2019 (setembro), época recomendada de plantio da soja no Cerrado, foi semeado um experimento com os mesmos tratamentos descritos acima. Na figura 2.D verificamos que praticamente não houve precipitação no período vegetativo tanto de VC a V2, quanto de V3 a V5, bem como de R1 a R5.1, tratamentos 2, 3 e 4 respectivamente. Isso impactou em 24% de perdas no tratamento 2, e 11% no tratamento 3 e 4 (Figura 3). Esses dados novamente corroboram o impacto considerável do estresse hídrico no rendimento da soja quando ocorre na fase vegetativa. Com a ocorrência de chuvas, em maior ou menor intensidade, durante as demais fases de desenvolvimento verificamos um menor impacto no rendimento da soja (Figura 2.D).
Esses resultados levantaram duas hipóteses: 1) é um efeito genético, ou seja, é uma resposta desta cultivar; 2) há um impacto direto na nodulação, ocasionando uma queda na quantidade e qualidade dos nódulos, consequentemente na fixação biológica no nitrogênio. Segundo Hungria e Vargas (2000), nas condições tropicais, os fatores que mais afetam o processo de fixação biológica do N2 são as altas temperaturas, a seca e a acidez do solo. Isso poderia explicar o motivo pelo qual com o retorno das chuvas, ou da irrigação, as plantas não retomam o crescimento normal, ou seja, ocorre um impacto negativo na formação de nódulos de fixação de nitrogênio e, com isso, as plantas não teriam nitrogênio suficiente para atingir seu potencial de produção. As próximas etapas da pesquisa serão verificar essas duas hipóteses e sugerir possíveis soluções para dirimir esses impactos dos veranicos.
Por Solange Rocha Monteiro de Andrade, Embrapa Cerrados
Artigo publicado na edição 295 da Revista Cultivar Grandes Culturas
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