Por que utilizar sementes de feijão?
Por Luciene Camarano, Murillo Lôbo Jr. e Sérgio Vaz da Costa, Embrapa Arroz e Feijão
Há muito tempo o café tem sido sinônimo de bebida agradável, aromática e estimulante, propriedades que atraem cada vez mais consumidores. Diante disso, nos últimos dez anos, a procura e a exigência, do mercado e dos consumidores, e a consequente preocupação das pessoas envolvidas no setor cafeeiro em produzir café com qualidade têm crescido consideravelmente.
Contudo, ofertar qualidade ao mercado consumidor não tem sido uma tarefa fácil para os cafeicultores, pois a qualidade do café sofre influência direta do ambiente, seja por fatores bióticos ou abióticos. Neste sentido, o clima, a altitude, os tratos culturais, a colheita, o processamento, o armazenamento e a atividades até a etapa de preparo para o consumo podem interferir diretamente na qualidade da bebida.
Dessa forma, todas as etapas da produção do café devem ser realizadas da melhor maneira possível, seguindo as premissas para produção de cafés com qualidade superior e se atentando à interação dos frutos de café com o clima, principalmente com o fator umidade.
Então, o conhecimento sobre as características que implicam maior valorização do café no mercado é de grande importância para o cafeicultor, para que nos momentos de tomada de decisão, os métodos utilizados sejam voltados à qualidade, e que, especialmente, estes sejam perceptíveis na avaliação do produto.
A colheita, assim como as demais etapas, interfere fortemente na qualidade do café. Diante disso, algumas práticas devem ser adotadas para a obtenção do potencial máximo do fruto de café. Neste sentido, sabe-se que o cafeeiro emite mais de uma florada e possui, consequentemente, maturação desuniforme. As fases de maturação são divididas em chumbinho, verde, verde-cana, cereja, passa e seco, respectivamente, em que a fase cereja do fruto é quando o mesmo atingiu o seu total desenvolvimento, ou seja, ele está maduro, pronto para ser colhido.
Por conseguinte, preconiza-se fazer a colheita com a maior quantidade de frutos cereja possível, pois frutos em fase avançada de secagem natural na planta são mais sujeitos à contaminação por micro-organismos indesejados, que são responsáveis pelas fermentações negativas na qualidade.
A tomada de decisão para dar início à colheita deve ser dada a partir da quantificação do percentual de grãos verdes, sugerindo-se de 5% a 20% destes para o início da colheita. Além disso, também devem ser levados em consideração outros fatores como disponibilidade de mão de obra e de equipamentos, volume da safra e estrutura de secagem.
Diante disso, a colheita pode ser feita a partir de diferentes métodos, dentre estes tem-se a colheita manual, a colheita semimecanizada e a colheita mecanizada. A colheita manual se baseia na retirada total, manualmente, dos frutos do cafeeiro por meio de colhedores, podendo ser realizada também de forma seletiva, onde os frutos cerejas são selecionados e colhidos um a um. Este tipo de colheita seletiva traz bons resultados, porém, pelos diversos repasses na lavoura, pode ter um alto custo.
Outro método é o semimecanizado, que retira o fruto por meio de equipamentos manuais, conhecidos como derriçadores. Este método possui maior rendimento quando comparado ao manual, porém, não pode ser feito de forma seletiva. E, por fim, o método mecanizado, que por meio de colhedoras automotrizes ou tracionadas possibilita a colheita de forma otimizada.
A colheita mecanizada também pode ser feita de forma seletiva, pela retirada dos conjuntos de varetas vibratórias inferiores da colhedora, de forma que somente o terço superior da planta seja colhido. A regulagem da intensidade de vibração e da velocidade da colhedora também auxilia no processo.
Após a colheita, o café segue vias de processamento, podendo ser via seca ou via úmida. O preparo por via seca é o mais difundido e utilizado no Brasil, e se baseia na secagem diretamente no terreiro, ou pela lavagem e separação hidráulica após a colheita, originando dois lotes, um de café cereja e verde e outro lote com café boia, ou seja, em estado avançado de maturação, sendo que estes lotes são levados para a secagem em terreiro ou em secadores mecânicos. Ressalta-se que neste processamento não se retira nenhuma parte constituinte do fruto.
Aliado a isto, têm-se o preparo do café por via úmida que se baseia em descascamento, desmucilamento ou despolpamento dos frutos após a lavagem e separação dos lotes. Este tipo de processamento dá origem ao café cereja descascado, desmucilado ou despolpado. Desta forma, o preparo por via úmida é a melhor escolha para locais com alta umidade relativa, além de que, pode-se obter também cafés de excelente qualidade com menor suscetibilidade a fermentações indesejadas.
Os cafés da via seca, normalmente, se manejados corretamente, principalmente no processo de secagem, originam cafés de melhor qualidade quando comparados aos processados por via úmida, apesar de serem mais sujeitos à ação de fermentações indesejadas.
É inevitável a colheita com a presença de cafés verdes junto aos frutos cerejas, porém, cabe ao cafeicultor adotar práticas que possam viabilizar a produção de cafés com qualidade. Sobretudo, a separação dos frutos por meio do uso de separação hidráulica, aliada ao descascamento dos frutos cereja, separando assim os frutos verdes, se mostra como o primeiro manejo a ser seguido.
Posteriormente, ocorre a secagem deste café, que é o momento em que na maioria das vezes o erro ocorre, depreciando assim a sua qualidade. A maioria dos cafeicultores que separam os grãos de café verde dos grãos cerejas e optam pela secagem do mesmo com a presença do exocarpo, ou seja, sem realizar o seu descascamento, maneja a secagem de uma maneira equivocada, resultando, assim, em um grande número de defeitos no lote deste tipo de café.
O manejo até então realizado se baseava na formação de leiras de 15cm a 20cm logo após a separação no descascador, permanecendo nesta espessura até o momento em que este tivesse sua coloração externa alterada, saindo do aspecto verde para o aspecto de coloração escura, próximo da cor preta. Posteriormente, era realizada a redução da espessura da leira, deixando-a grão a grão, com o intuito de finalizar o processo de secagem de maneira mais acelerada.
Contudo, este método de secagem fazia com que, na maioria dos casos, a presença de defeitos PVA (preto, verdes e ardidos) fosse muito elevada, e consequentemente a qualidade do café era inferior, se caracterizando como bebida dura/fenicada.
Hoje, recomenda-se a esparramação grão a grão destes frutos, até a casca escurecer, posteriormente, aumenta-se a camada de secagem rapidamente e prossegue-se com o maior número possível de revolvimentos deste lote. Esta técnica possibilita que cafés que tradicionalmente produziriam defeitos tenham um melhor mercado de comercialização.
A secagem do café dependerá em grande parte do método de processamento escolhido e da estrutura física para a realização desta etapa. No que diz respeito à qualidade, os terreiros de concreto são indispensáveis, visto que há um menor contato dos frutos com o solo, reduzindo assim a possibilidade de contaminação com micro-organismos indesejados.
Para a secagem do café descascado, aplica-se um manejo diferenciado, visto que sem a proteção da casca, os grãos ficam mais expostos, além de que quando se elimina a casca, grande quantidade de água e açúcar é perdida, diminuindo o tempo de secagem.
Diante disso, é recomendada a esparramação com sete litros de café por m² de terreiro no primeiro dia. No segundo dia, é recomendado realizar a dobra de camada, de forma que serão alocados 14 litros de café por m² de terreiro. Após a dobra no segundo dia, este café deve ser revolvido no mínimo 16 vezes ao dia, realizando a interposição de leiras. A partir do terceiro dia, sempre realizar dobras de camada diariamente, reduzindo a área ocupada no terreiro. A partir da “meia seca”, o café deve ser amontoado e coberto após as 15 horas de cada dia, até chegar em uma umidade de 11,5% a 11%.
Para a via seca, em seu primeiro dia de terreiro, colocam-se os frutos grão a grão com 12 litros m², sem revolvimento, até o murchamento da casca, geralmente no segundo ou terceiro dia de terreiro. Seguinte a isto, realiza-se a dobra de camada, com cerca de 12 revolvimentos diários. Após a “meia seca”, realizam-se a amontoa do café e o seu cobrimento com pano nos finais de tarde, até atingir a umidade ideal.
Salienta-se que o manejo de secagem adotado na propriedade dependerá do nível tecnológico disponível ao cafeicultor, de forma em que ela poderá ser feita tanto em terreiros, como em secadores mecânicos. A integração dos dois métodos é uma ótima alternativa para a produção de cafés de alta qualidade, onde são feitos o início da secagem em terreiros e o término em secadores mecânicos.
A fermentação ocorrente nos frutos de café foi tratada por muito tempo como prejudicial, com correlação direta à ocorrência de cafés com qualidade inferior. Entretanto, a tendência é de mudança, visto que estudos recentes comprovam que em alguns casos a fermentação quando induzida e controlada pode elevar a qualidade sensorial do café e melhorar seu preço final.
Todo café sofre um processo fermentativo, seja no preparo via seca ou via úmida, pois no fruto estão presentes diversos micro-organismos que auxiliam no consumo do mesocarpo (mucilagem) do fruto. No preparo via seca o café vem da lavoura, é colocado no terreiro e leva um certo tempo até a secagem, o que ocasiona um processo fermentativo natural durante esse tempo no terreiro. Em via úmida, o café é descascado e colocado em tanques de fermentação, onde permanece em período de tempo variável, entre 12-24 horas, resultando também na retirada do mesocarpo via agentes fermentativos. Os dois processos resultaram em bebidas de diferentes características sensoriais.
O que difere um processo controlado de um não controlado é que em uma fermentação não controlada o processo é espontâneo, onde os grãos ficam expostos com a finalidade de fazer com que a mucilagem seja retirada. Entretanto, o problema é que a qualidade final é influenciada por vários fatores, fazendo com que a bebida possa apresentar características distintas, visto que a repetitividade do processo é difícil. Já em uma fermentação controlada, o café é colocado em contato com alguns tipos de micro-organismos no terreiro ou em tanques, que podem acentuar os aromas e modificar componentes do grão, implicando, assim, quando positiva, fragrâncias como as de chocolate e de frutas. Neste processo controlado, fatores como o pH, a temperatura e o grau Brix inicial dos frutos são de grande importância para a manutenção da repetitividade e o sucesso na obtenção de cafés com melhores características sensoriais.
Estudos ligados à microbiologia, ou seja, referentes aos micro-organismos presentes no processamento do café, indicam que pode-se encontrar diversos micro-organismos junto aos frutos, e que estes variam de acordo com as condições ambientais e geográficas de uma lavoura de café.
A solução encontrada para iniciar os estudos com maior controle foi isolar alguns destes micro-organismos dominantes, e a partir de seleção posterior, selecionar os que implicavam características de maior interesse. Neste sentido, alguns ensaios conduzidos pela professora Rosane Schwan, do Departamento de Microbiologia da Ufla, indicam melhora no perfil sensorial do café e um aumento na pontuação final da bebida, que pode chegar a até quatro pontas na escala da SCAA.
Desta forma, ressalta-se a importância da ciência neste segmento, visando elucidar cada vez mais os componentes envolvidos neste processo, e que a entrada e a comercialização desses micro-organismos no mercado irão respaldar os cafeicultores na produção de cafés com melhor qualidade.
Por fim, a produção de cafés com qualidade superior deve ser cada vez maior, visando atender o crescente mercado consumidor neste segmento. Aliado a isto, a maior qualidade do café assegura maior precificação ao produto, fazendo com que o cafeicultor deixe de ser refém do mercado commodity de café.
*Por Joana Caroline D’arc de Oliveira, João Pedro Miranda Silvestre, Giovani Belutti Voltolini, Larissa Cocato da Silva e Ademilson de Oliveira Alecrim, da Universidade Federal de Lavras
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