Avaliação de acessibilidade e ergonomia da cabine para operadores de tratores

Avaliação da distribuição dos comandos de operação em tratores agrícolas nacionais com 75cv de potência bruta do motor mostra que o grau de acessibilidade e conforto de operadores

02.01.2018 | 21:59 (UTC -3)

O trator agrícola foi a máquina que alavancou o processo de desenvolvimento da agricultura brasileira devido à sua versatilidade na execução de inúmeras tarefas no meio rural, servindo como fonte de potência e tração de diversos equipamentos e implementos agrícolas. Muitos autores consideram o trator agrícola como sendo a base da mecanização agrícola moderna.

A operação com tratores agrícolas, assim como qualquer outra máquina agrícola, é uma tarefa árdua, exigindo esforço físico e mental por parte do operador, resultando em fadiga no decorrer de uma jornada de trabalho. A intensidade desta fadiga irá depender da qualidade do posto de operação da máquina. Níveis elevados de fadiga aumentam consideravelmente o risco de acidentes e perdas econômicas na cadeia produtiva.

O posto de operação é o local de interação entre homem e máquina, composto por órgãos de comando e equipamentos que auxiliam na condução da máquina no ambiente de trabalho. Um posto de operação bem projetado deve ser composto por um local de trabalho organizado de acordo com a segurança e natureza do operador.

As dimensões do posto de operação de uma máquina agrícola devem respeitar o fator humano, seguindo os padrões estabelecidos por normas como: ISO (International Organization for Standardization), ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e Asae (American Society of Agricultural Engineers). Essas normas definem parâmetros a serem utilizados em projetos de máquinas agrícolas, estabelecendo distâncias máximas e mínimas de acesso aos comandos e delimitando áreas onde os comandos de operação devem ser posicionados para conferir conforto e segurança ao operador.

Para simular o operador sentado no posto de operação de uma máquina agrícola adota-se um ponto de referência sobre o assento do operador, o Ponto de Referência do Assento (SIP), que é definido pela norma ISO 5353. Já a norma ISO 15077 delimita áreas de alcance para o operador sentado, em relação ao SIP, abrangendo todos os comandos presentes no posto de operação de máquinas agrícolas autopropelidas. Ainda segundo essa norma, os comandos acionados em um intervalo igual ou inferior a cinco minutos durante a operação são considerados de uso frequente, caso contrário, esses comandos são classificados como raramente utilizados.

Existem áreas ou zonas que delimitam o posicionamento dos comandos no posto de operação, sendo classificadas como zonas de conforto, de acesso e zonas inacessíveis, abrangendo tanto comandos de acionamento manual quanto comandos acionados pelos pés. Assim, torna-se coerente conhecer o espaço do qual as mãos e os braços necessitam para a apreensão e o movimento, o que acarreta em um melhor planejamento do posicionamento de controles e comandos de operação.

A zona de conforto permite um fácil acesso aos comandos pelo operador e nela devem estar situados os comandos principais, e se associa aos comandos frequentemente acionados por mãos e pés. A zona de acesso permite um alcance do condutor do trator agrícola desde a sua posição sentada, admitindo um deslocamento e uma inclinação lateral ou adiante para acionar os comandos de operação nessa posição. Essa zona está associada aos comandos raramente acionados. Um comando localizado numa zona inacessível ao alcance do operador ocorrerá quando estiver localizado fora da zona de conforto ou de acesso definidas anteriormente.

Nesse sentido, foi realizada uma avaliação por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria com o objetivo de identificar e comparar a localização dos comandos de uso frequente e raro pelo operador, em relação às áreas de alcance, em quatro diferentes modelos de tratores agrícolas nacionais, com 75cv de potência, estabelecendo como referencial o SIP, sob orientação das normas NBR ISO 4253 e ISO 15077.

Para a realização deste trabalho foram avaliados apenas tratores pertencentes à Classe III (70 a 100cv), segundo classificação proposta por Farias 2014. A opção por esta classe de tratores se justifica pelo fato de o mercado dessas máquinas se encontrar aquecido devido, em parte, aos incentivos fornecidos pelo Governo Federal, em especial ao programa Mais Alimentos. Assim, foram avaliados quatro postos de operação, do tipo plataformado, de tratores da marca Massey Ferguson, modelo MF 4275; New Holland, modelo TL 75E; Valtra, modelo A750, e da marca John Deere, modelo 5078E.

As medições foram realizadas nas concessionárias representantes de cada marca, visto que todos os tratores estudados eram novos. Nenhuma das máquinas se apresentava na configuração de bitola reduzida (inferior a 1.150mm), permitindo a aplicação das normas NBR ISO 4253 e ISO 15077 como referencial de avaliação.

Para a determinação do SIP, utilizou-se um dispositivo metálico, seguindo as orientações da norma ISO 5353. Sobre esse dispositivo adicionaram-se massas metálicas padronizadas até atingir 75kg, que é considerada a massa média dos operadores brasileiros. Feito isso, com o auxílio de um nível de bolha, esquadro e fitas métricas, uma primeira linha era posicionada na horizontal entre o SIP e o centro do volante logo em seguida, outras duas linhas, passando pelo centro do SIP, perpendicularmente à primeira linha, foram fixadas horizontalmente nas laterais internas do trator.

Cada comando de operação medido foi representado por um ponto identificado por coordenadas em três dimensões (x, y e z). Foram considerados três planos referenciais perpendiculares entre si, passando pelo SIP, apresentados na Figura 1. Assim, o plano vertical longitudinal divide o trator em duas partes: esquerda e direita, indicando o posicionamento lateral dos comandos em relação ao SIP. O plano vertical transversal, por sua vez, divide o trator em duas porções: anterior e posterior, indicando o posicionamento frontal e traseiro dos comandos de operação em relação ao SIP. Da mesma forma, o plano horizontal divide o trator agrícola em dois hemisférios: superior e inferior, estabelecendo a altura dos comandos em relação ao SIP. As coordenadas do SIP tiveram origem no ponto zero (0, 0, 0).

Figura 1 – Planos utilizados como referencial para a determinação das coordenadas de cada comando de operação

Foram medidos todos os comandos presentes no posto de operação dos tratores, sejam eles de acionamento frequente ou raro. Os comandos classificados como de uso frequente são: pedais de freio (direito e esquerdo); pedal de embreagem; pedal de acelerador; acelerador manual; comandos do sistema hidráulico (posição, profundidade, sensibilidade e controle remoto); comandos de câmbio (comando de marchas, seletor de grupos e seletor de regime). Já os classificados como de acionamento raro são: chaves de luzes; buzina; tomada de potência; comando de tração dianteira e bloqueio do diferencial. As coordenadas dos comandos de operação (x, y e z) foram confrontadas com a norma ISO 15077, que determina as regiões de alcance do operador sentado e as posições dos comandos em relação ao SIP.

Nas Figuras 2A e 2B estão representadas as áreas de alcance no plano vertical longitudinal (PVL) e no plano superior horizontal (PSH), respectivamente.

Figura 2 – Áreas de alcance do operador sentado no plano vertical longitudinal (A) e no plano superior horizontal (B).Fonte: ISO 15077

Os resultados da distribuição dos comandos nos postos de operação avaliados foram comparados entre si, com o objetivo de gerar informações para a realização de trabalhos subsequentes, demonstrando grande importância dos parâmetros de ergonomia e segurança para a elaboração e execução de projetos de máquinas agrícolas.

MASSEY FERGUSON MF 4275

Foram avaliados 25 comandos de operação, sendo 15 classificados como comandos de acionamento frequente e dez como de acionamento raro. Ao analisar o PVL, 33,3% dos comandos de acionamento frequente estão distribuídos na zona de conforto; 33,3% na zona de acesso e 33,3% na zona inacessível. Quando avaliados os comandos de acionamento raro, não foram encontrados comandos localizados na zona de conforto, sendo 70% na zona de acesso e 30% na zona inacessível. Já no plano superior horizontal (PSH), os comandos de acionamento frequente estiveram distribuídos na proporção de 60% na zona de conforto e 40% na zona inacessível.

VALTRA A750

Neste modelo foram avaliados 23 comandos de operação, sendo 13 classificados como de acionamento frequente e dez de acionamento raro. Quando avaliados os comandos de acionamento frequente no PVL, 38,5%, 23% e 38,5% localizavam-se na zona de conforto, de acesso e inacessível, respectivamente. Quanto aos comandos de acionamento raro, 100% estavam posicionados na zona de acesso. Na avaliação do PSH, os comandos frequentemente acionados estavam posicionados 38,5% na zona de conforto, 38,5% na zona de acesso e 23% na zona inacessível.

NEW HOLLAND TL 75E

Este modelo foi o que teve o maior número de itens avaliados, 27 ao total, sendo 16 classificados como de acionamento frequente e 11 de acionamento raro. Na avaliação do PVL, 25% dos comandos de acionamento frequente localizavam-se na zona de conforto, 43,8% na zona de acesso e 31,2% na zona inacessível. Já os considerados como de acionamento raro, 72,7% estavam posicionados na zona de acesso e 27,3% na zona inacessível. Com relação ao plano superior horizontal (PSH), 50% dos comandos de acionamento frequente estavam localizados na zona de conforto, 12,5% na zona de acesso e 37,5% na zona inacessível.

JOHN DEERE 5078E

Este modelo foi o que apresentou o menor número de comandos de operação, 22 ao total, desses, dez são de acionamento frequente e 12 de acionamento raro. Ao avaliar o PVL constatou-se que 40% dos comandos de acionamento frequente estavam localizados na zona de conforto e 60% na zona de acesso. Quanto aos comandos de acionamento raro, 8,33% posicionavam-se na zona de conforto; 58,33% na zona de acesso e 33,33% na zona inacessível. Ao avaliar os comandos de acionamento frequente no PSH, 70% situavam-se na zona de conforto, 10% na de acesso e 20% na zona inacessível. Todos os resultados encontrados são apresentados na Figura 3.

Figura 3 – Distribuição dos comandos de acionamento frequente e raro no PVL e PSH dos quatro tratores agrícolas avaliados

Em máquinas agrícolas mais modernas é comum que a maioria dos comandos de operação se situe nas zonas de conforto e de acesso, expressando a evolução dos projetos dessas máquinas, no que se refere à ergonomia e à segurança.

Analisando-se o PVL, o trator John Deere apresentou o maior número de comandos de uso frequente presentes nas zonas de conforto e de acesso, não possuindo comandos na zona inacessível. Com relação ao PSH, o trator JD 5078E apresenta o maior número de comandos de uso frequente na zona de conforto e o Valtra A750 o maior número de comandos de uso frequente na zona de acesso.

Todas as máquinas apresentam alguma desconformidade no posicionamento de determinados comandos de operação. Embora existindo algumas desconformidades, tendo como base o perfil dos operadores brasileiros, os atuais projetos de máquinas agrícolas apresentam resultados satisfatórios, no que se refere à ergonomia e à segurança dos tratores agrícolas fabricados no País.

Este artigo foi publicado na edição 145 da revista Cultivar Máquinas. Clique aqui para ler a edição.

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