Manejo efetivo do bicudo-do-algodoeiro
O bicudo-do-algodoeiro é praga agressiva, responsável por perdas drásticas, capazes de levar até mesmo à inviabilização do cultivo em situação de ataque severo
os últimos dez anos, a área de cultivo com uvas finas de mesa, no sistema de cultivo protegido na região da Serra gaúcha, tem aumentado em média 80 hectares ao ano, totalizando cerca de 800 hectares na safra 2012/13 (Figura 1).
Figura 1 - Áreas de produção de videira sob cultivo protegido na região da Serra gaúcha (RS)
Fotos: Ruben Machota Jr
Grande parte do aumento da área cultivada deve-se à adoção de novas tecnologias pelos produtores, com destaque para os voltados à produção de uvas finas de mesa, com alto valor agregado, que buscam uma fruta com melhor aspecto visual, sanidade, ausência de resíduos químicos e maturação adequada.
A mosca-das-frutas sul-americana Anastrepha fraterculus (Wied., 1830) (Diptera: Tephritidae) é um dos principais insetos que podem atingir status de praga ao danificar as bagas de uvas finas de mesa Vitis vinifera L. da cultivar Itália, principal variedade de uva cultivada sob plástico na região (Figura 2).
Figura 2 - Cultivo de videira cultivar Itália manejada sob cultivo protegido: aspecto geral dos cachos (A) e adulto de Anastrepha fraterculus em bagas (B)
Fotos: Ruben Machota Jr
Os danos são atribuídos às fêmeas adultas, que perfuram a epiderme das bagas para realizar a oviposição, ou às larvas, que destroem a polpa pelo desenvolvimento e locomoção no interior dos frutos formando galerias, que são facilmente observadas em cultivares com epiderme clara (Figura 3). Outro prejuízo adicional é a queda de bagas verdes devido às puncturas (perfuração causada devido à introdução de parte do ovipositor na epiderme da fruta) realizadas pelas fêmeas.
Figura 3 - Danos causados pelo ovipositor da mosca-das-frutas sul-americana Anastrepha fraterculus (A) e galerias causadas por larvas em bagas de videira da cultivar Itália (B)
Fotos: Ruben Machota Jr
Além dos danos diretos causados pelas puncturas e galerias, a mosca-das-frutas também auxilia na dispersão de fitopatógenos causadores de podridões que são inoculados durante a oviposição, aumentando as perdas na colheita (Figura 4).
Figura 4 - Bagas intactas mesmo após a pulverização de uma suspensão de 1x106 conídios de Botrytis cinerea Pers. (A); bagas com podridões resultantes da associação entre a oviposição de Anastrepha fraterculus e a pulverização de conídios de B. cinerea (B)
Fotos: Ruben Machota Jr
Monitoramento
Um dos pontos fundamentais para estabelecer uma estratégia de manejo da mosca-das-frutas sul-americana na cultura da videira é seu monitoramento. A presença da mosca-das-frutas no parreiral é detectada através do emprego de substâncias atrativas, com destaque para os sucos de frutas, proteínas hidrolisadas ou a levedura torula, dispostas no interior de armadilhas McPhail. No entanto, falhas significativas no controle de A. fraterculus foram registradas em pomares que utilizam sucos como atrativos. Em hipótese, as moscas-das-frutas não são atraídas pelas armadilhas devido à elevada concentração de voláteis emitidos pelas frutas maduras ou em decomposição presentes no parreiral, reduzindo, desta forma, a eficácia do monitoramento. Nestes casos, mesmo com o inseto presente no parreiral, as armadilhas não conseguem atraí-lo, resultando em prejuízos ao produtor.
A avaliação dos atrativos disponíveis no mercado para o monitoramento da mosca-das-frutas demonstrou baixa atratividade do suco de uva e da glicose de milho, além de uma captura equivalente entre a levedura torula e a proteína hidrolisada tradicional (Figura 5). No entanto, merece destaque a atratividade exercida por uma nova formulação de proteína hidrolisada (CeraTrap, BioIbérica S.A.) (Figura 5). Além de uma captura de adultos superior aos atrativos tradicionais, permanece estável por um período de até 60 dias, sem a necessidade de reposição, revelando-se uma nova ferramenta para o monitoramento da espécie na cultura.
Figura 5 - Número médio de adultos de mosca-das-frutas sul-americana Anastrepha fraterculus capturadas por dia (MAD) em armadilhas McPhail iscadas com diferentes atrativos alimentares ao final de 26 semanas de avaliação (novembro de 2012 a maio de 2013) na cultura da videira. Legenda: CeraTrap (BioIbérica S.A., sem diluição, repondo o atrativo a cada 60 dias); Torula (Isca Tecnologias Ltda, seis pastilhas/L), BioAnastrepha (BioControle – Métodos de Controle de Pragas Ltda, a 5%), glicose de milho (Yoki Alimentos Ltda, a 10%) e suco de uva tinto (Embrapa Uva e Vinho, a 25%), trocados semanalmente. *Médias seguidas de mesma letra não diferem pelo teste Tukey a 5% de significância.
Manejo de moscas-das-frutas
De modo geral, o manejo da mosca-das-frutas tem sido realizado através do emprego de inseticidas organofosforados pulverizados em cobertura, associados ao emprego de iscas tóxicas a partir da captura dos adultos em armadilhas de monitoramento. No entanto, devido à retirada destes inseticidas do mercado, a eficácia das pulverizações em cobertura tem sido limitada. Os novos inseticidas disponíveis não têm sido eficazes no controle das larvas presentes no interior dos frutos. Este fato tem obrigado os produtores a utilizar outras estratégias de manejo, com destaque para o emprego de iscas tóxicas.
Devido à estabilidade apresentada pela formulação da proteína hidrolisada CeraTrap (atratividade aos adultos mantida por um período de até 60 dias), a antiga técnica da captura massal passa a ser novamente objeto de estudos para o controle da mosca-das-frutas sul-americana. Esta técnica, descrita pela primeira vez no Brasil na década de 1980 utilizando suco de frutas como atrativo, tem como base o controle dos adultos através da instalação de uma elevada densidade de armadilhas por área.
Para emprego da técnica, recomenda-se a utilização de armadilhas confeccionadas com garrafas de polietileno tereftalado (PET) de dois litros, de cor transparente (cristal) ou verde, contendo quatro orifícios circulares de 7mm de diâmetro, localizados na porção mediana da garrafa, distanciados equidistantemente entre si no interior das quais o atrativo é colocado sem a necessidade de adicionar inseticidas químicos (Figura 7).
Figura 7 - Armadilha confeccionada com garrafa PET de dois litros. Detalhe dos orifícios circulares de 7mm de diâmetro (A). Disposição da armadilha no campo com o atrativo no seu interior (B)
Fotos: Ruben Machota Jr
As armadilhas devem ser confeccionadas utilizando garrafas limpas, com paredes translúcidas e sem rótulos. Os orifícios podem ser feitos com auxílio de um arame galvanizado com bitola de 0,89mm, moldado de modo a formar um círculo de 7mm de diâmetro ligado a uma haste de cerca de 20cm.
O círculo de metal formado com o arame galvanizado deverá ser aquecido ao rubro e encostado na superfície da garrafa. Este procedimento promove a formação de um orifício com bordas lisas e bem definidas. Outros procedimentos, como o uso de brocas acopladas a furadeiras, devem ser evitados, pois, embora aparentemente sejam mais práticos, promovem orifícios irregulares que dificultam a entrada do inseto na armadilha e reduzem as capturas.
O volume de atrativo a ser empregado no interior de cada armadilha deverá ser de 300ml, sem diluição. Sua reposição é recomendada durante o ciclo da cultura conforme a evaporação do produto, buscando-se manter o volume inicial.
Experimentos realizados em parreirais de uvas finas de mesa da cultivar Itália sob cultivo protegido na região da Serra gaúcha demonstraram que o volume médio evaporado por armadilha nos meses mais quentes do ano (dezembro e janeiro) situa-se ao redor de 7,5ml por dia. Dependendo da cultivar, o período de ataque da mosca (grão ervilha à colheita) é de aproximadamente 3 a 3,5 meses (90 a 105 dias), sendo que o total evaporado por garrafa pode chegar a 900ml. É importante salientar que este volume de atrativo por armadilha deverá ser considerado no planejamento da quantidade a ser adquirida por safra.
Embora a densidade de armadilhas (número de armadilhas por hectare) possa ser ajustada de acordo com características peculiares de cada parreiral (histórico de infestação, localização da área e presença de hospedeiros nativos da mosca-das-frutas próximo ao cultivo), sugere-se uma densidade de 100 armadilhas/ha.
A localização das armadilhas no parreiral é outro ponto de fundamental importância na correta utilização da técnica. Em função de características diferenciadas de ambiente promovidas pelo cultivo protegido, em especial da barreira física da cobertura plástica posicionada sobre a copa das plantas, recomenda-se a colocação das armadilhas nas bordas do parreiral, penduradas na primeira planta imediatamente abaixo da cobertura plástica. Desta forma, estabelece-se uma “barreira" que reduz de forma significativa a entrada da mosca-das-frutas no parreiral. A altura de colocação das armadilhas é de 1,5m a 1,7m, de modo a facilitar os procedimentos de troca e reposição do atrativo. Para facilitar a colocação das armadilhas no parreiral, pode-se amarrar um fio de cobre esmaltado de 0,5mm e 30cm de comprimento no gargalo da garrafa (Figura 8E).
É fundamental que os produtores acompanhem a infestação ao longo da safra observando os insetos capturados nas armadilhas. Realizando este procedimento, é possível identificar os focos de infestação e, consequentemente, reposicionar as armadilhas aumentando a densidade nestes locais.
Recomenda-se a manutenção das armadilhas até o término da colheita. No entanto, em locais onde existe uma grande diversidade de hospedeiros da mosca-das-frutas e que apresentam frutificação escalonada ao longo do ano, a manutenção das armadilhas durante todo o ano auxilia na redução da infestação.
Após a utilização, as garrafas deverão ser limpas e armazenadas em local apropriado para serem reutilizadas na safra seguinte, ou, ainda, poderão ser instaladas em outros cultivos, especialmente aqueles próximos a bordas de mata ou de hospedeiros alternativos da mosca-das-frutas. Devido à composição pastosa adquirida pelo atrativo com o passar do tempo, existe a necessidade de adicionar algumas gotas de detergente neutro à água utilizada na limpeza das armadilhas ao final da safra.
Nos experimentos conduzidos em parreirais de uva fina de mesa da cultivar Itália cultivada sob cobertura plástica nas safras 2011/12 e 2012/13 na região da Serra gaúcha foi registrada uma redução significativa de danos causados pela mosca-das-frutas em comparação ao manejo convencional que tem como base a aplicação de inseticidas em cobertura (fentiona), demonstrando a viabilidade de uso desta tecnologia na cultura da videira (Figura 8).
Figura 8- Porcentagem (%) de cachos de videira da cultivar Itália com presença de galerias causadas por larvas de Anastrepha fraterculus no período de colheita. Caxias do Sul (RS)
Legenda: CeraTrap (técnica de captura massal utilizando proteína hidrolisada CeraTrap® na densidade de 100 armadilhas/ha nas bordas do vinhedo); Convencional (tratamento convencional utilizando o inseticida organofosforado fentiona respeitando o intervalo de carência de 21 dias).
Considerações finais
A proteína hidrolisada CeraTrap é uma alternativa para o monitoramento e o controle da mosca-das-frutas sul-americana no cultivo protegido de videira através do emprego da técnica da captura massal.
A grande atratividade apresentada pela proteína hidrolisada CeraTrap torna possível a redução da população de moscas-das-frutas no interior dos parreirais conduzidos no sistema de cultivo protegido. Esta redução da população resulta em menores danos às bagas e, indiretamente, na diminuição da mão de obra destinada ao raleio de bagas em uvas finas de mesa.
Clique aqui para ler o artigo na exemplar 81 da Revista Cultivar Hortaliças e Frutas.
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