Mais fertilizantes para mais trigo?
Atualmente, apenas 48% do fertilizante aplicado é absorvido pelas plantas; o restante é lixiviado no solo ou emitido para a atmosfera
Uma atualização recente do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) aponta que, no período de 1º de outubro a 20 de novembro, a chance de sucesso do plantio de arroz irrigado no Tocantins é de 80%, considerando os efeitos do clima. O estado é hoje o terceiro maior produtor nacional dessa cultura e o mais proeminente da Região Norte. O Zarc é uma ferramenta fundamental para auxiliar os produtores tocantinenses na gestão de riscos e contribuir para expandir a área de cultivo, tanto em áreas de várzeas como em plantios irrigados em outras áreas.
Atualmente, cerca de 20% do arroz brasileiro é produzido em ambiente tropical, com destaque justamente para o Tocantins, que responde por cerca de 6% do total nacional. Os demais 80% são cultivados em condições subtropicais, especialmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, os dois primeiros do País.
A produção em ambiente tropical é importante porque, além de facilitar a logística de distribuição para os estados do Norte e do Nordeste, diminui os riscos de oferta causados por impactos de fenômenos climáticos severos no ambiente subtropical. São, portanto, locais que se complementam em termos de fortalecer a produção nacional e, sobretudo, a segurança alimentar dos brasileiros.
Fatores climáticos são os que mais influenciam a produtividade em diversas culturas agrícolas; no caso do arroz, não é diferente. Na região sudoeste do Tocantins, foco do estudo, as variáveis climáticas que mais limitam a produção do arroz irrigado são a luminosidade e as altas temperaturas.
A época ideal de semeadura, uma das principais informações disponibilizadas pelo Zarc, tem papel fundamental como prática de manejo que reduz os riscos climáticos. Isso ocorre porque, seguindo as orientações, o produtor rural aumenta as chances de que as fases consideradas críticas ou sensíveis da planta não coincidam com o período de maior frequência dos fenômenos climáticos adversos.
As indicações do Zarc envolvem um trabalho criterioso e complexo. Segundo Balbino Evangelista, geógrafo e analista de pesquisa na Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), o trabalho “exige equipamentos sofisticados e técnicas avançadas de análises de dados”.
As informações e dados necessários envolvem os sistemas de produção de arroz, as cultivares adaptadas e os respectivos ciclos de desenvolvimento, a necessidade de água, as temperaturas ideais para cultivo, as características dos solos (químicas, físicas e hídricas) e, sobretudo, uma longa série de dados climáticos, com destaque para chuva e temperatura.
O ORYZAv3 é um modelo de simulação do crescimento, do desenvolvimento e da produtividade da cultura do arroz que tem sido usado no Brasil com acurácia. Ele foi recentemente adotado nos estudos de Zarc pelo seu bom desempenho, já que gera simulações precisas sobre a realidade do campo.
É importante salientar que, no processo de calibração do modelo para que ele faça a simulação do desenvolvimento e do rendimento do arroz irrigado, não se consideram ocorrências de deficiências hídrica e de nutrientes, nem estresses bióticos durante o cultivo. Ou seja, a pesquisa admite e trabalha com o cenário em que o produtor vai adotar as tecnologias e as práticas recomendadas, a exemplo do controle de pragas e doenças e da oferta adequada tanto de água como de nutrientes.
Pela parametrização do modelo, obtêm-se os coeficientes de uma cultivar usando-se dados observados em experimentos de campo, a exemplo dos índices de produtividade. Nessa pesquisa, foram usados dados de ensaios realizados em Goianira (GO) e na região de Formoso do Araguaia (TO) para parametrizar o ORYZAv3 na simulação da BRS Catiana, uma das principais cultivares de arroz da Embrapa.
O estudo, apresentado na publicação Risco climático e época de semeadura do arroz irrigado no estado do Tocantins, levou em consideração uma base climática de 36 anos de dados diários para cinco municípios bastante representativos da produção tocantinense de arroz irrigado: Dueré, Cristalândia, Lagoa da Confusão, Formoso do Araguaia e Pium. Juntos, eles produzem 96% do arroz tocantinense. Além dessa base, foram usados dados físico-hídricos de um solo hidromórfico, que é representativo de várzea, pois tem lençol freático próximo à superfície na maior parte do ano e fica em áreas de relevo plano que possuem as condições que o arroz necessita.
Foram feitas simulações de semeadura para o período de outubro a janeiro, somando 13 datas. Com os dados obtidos, a proposta foi indicar as épocas de semeadura para o arroz irrigado no sudoeste do Tocantins em três níveis de risco de quebra de rendimento: 20%, 30% e 40%. Considerando de outra forma, são probabilidades de sucesso de 80%, 70% e 60%, respectivamente.
Os resultados mostram que o período ideal de semeadura, especialmente na Bacia Hidrográfica do Rio Formoso (onde ficam os municípios responsáveis pela quase totalidade da produção de arroz no estado), é entre 1º de outubro e 20 de novembro. “Em caso de atraso na semeadura, a redução da radiação solar global no período de enchimento de grãos e o aumento das temperaturas do ar máximas e mínimas são responsáveis por reduzir a produtividade potencial da cultura”, alerta Balbino, um dos autores da publicação.
Ele observa que a utilização dos resultados apresentados nesse estudo trará benefícios aos produtores e aos demais integrantes da cadeia produtiva do arroz irrigado na medida em que permitirá reduzir riscos e aumentar o rendimento das lavouras.
O geógrafo da Embrapa resume o trabalho dizendo que “o estudo de Zarc indica ‘o que’, ‘onde’ e ‘quando’ plantar com maiores chances de sucesso, o que significa menos riscos. Isso permite que os agricultores planejem seus investimentos em níveis de risco baixo e economicamente viáveis”. Ele ressalta que, além de ajudar o produtor a reduzir os danos de perda de produtividade, as informações geradas pelo zoneamento subsidiam o governo em sua política de liberação de crédito rural, considerando os seguros público e privado.
“Os estudos do Zarc permitem ao governo otimizar os recursos destinados ao seguro, de forma a atender a um maior número de produtores rurais. Juntos, produtores e governo contribuem para o aumento da oferta de arroz para a população local e para o mercado em geral”, explica Balbino. Em tempos de desafios climáticos cada vez mais severos e frequentes, todo o cuidado é necessário tanto por parte do produtor rural, como do governo. E o zoneamento de riscos do clima colabora para essa precaução ao oferecer dados e informações confiáveis para a cadeia produtiva de várias culturas agrícolas, entre elas o arroz.
O Tocantins é o terceiro maior produtor de arroz do Brasil, atrás apenas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A colheita da safra de arroz 2023/2024 foi finalizada e a estimativa é que sejam alcançadas 619 mil toneladas com o grão, um aumento de cerca de 19% em relação à safra anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Esse montante é obtido, principalmente, em sistema irrigado em cerca de 100 mil hectares, o que corresponde a aproximadamente 95% da área total plantada com arroz no Tocantins. Os principais municípios produtores são Formoso do Araguaia e Lagoa da Confusão. A produção abastece o mercado interno e estados vizinhos das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Rodrigo Sérgio, analista da Embrapa Arroz e Feijão (GO), estima que em torno de 88 mil hectares (90% da área total com arroz) no Tocantins sejam plantados com sementes geradas pela Embrapa. Oito cultivares com a genética da empresa são importantes para a orizicultura do estado. Em relação ao cultivo em sistema irrigado, destacam-se a BRS A706 CL, a BRSA705, a BRS A704, a BRS Catiana e a BRS Pampeira. No que diz respeito ao sistema de produção de terras altas, as principais cultivares são a BRS A504 CL,a BRS A502 e a BRS Esmeralda.
A relevância do papel desempenhado pelas cultivares da Embrapa no Tocantins emergiu nos últimos cinco anos e, conforme o analista, reflete o trabalho de melhoramento genético do arroz que foi sendo aprimorado ao longo de mais de quatro décadas e remonta também à história de projetos de irrigação, como o Projeto Rio Formoso (1979), de sistematização de extensas áreas de várzeas.
“O Tocantins, que tem uma história de produção a partir da abertura de áreas irrigadas, possui hoje entre 100 mil e 120 mil hectares para o plantio do arroz, sendo a Lagoa da Confusão o principal produtor. Há ainda potencial para alcançar 300 mil hectares de várzeas tropicais. No passado, no início desse processo, faltava genética adaptada à região e é essa genética que foi gerada pela pesquisa que está fazendo a diferença atualmente”, pontua Sérgio.
Ele lembra que, nos primórdios do cultivo irrigado de arroz no Tocantins, as cultivares plantadas vinham da Região Sul e possuíam uma genética adaptada para o ambiente subtropical, mas não estavam aprimoradas para a orizicultura local. Com o trabalho de melhoramento genético específico para as condições tropicais, começaram a surgir cultivares mais produtivas para essas regiões, sendo que um dos diferenciais desse trabalho foi o desenvolvimento de resistência a doenças.
“Para citar apenas a principal doença, a brusone, o Tocantins é um ótimo hotspot (local de intensa pressão da doença) para teste. Se existem 64 raças de brusone mapeadas, 62 ocorrem lá. Por isso, buscar incorporar resistência genética nas próprias cultivares é sempre uma prioridade em ambiente tropical e esse trabalho se reflete hoje com materiais mais resistentes.
Para Daniel Fragoso, atualmente pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura que, por muito tempo, trabalhou no Tocantins pela Embrapa Arroz e Feijão, a orizicultura no estado vem avançando também nos últimos anos no sistema de produção de terras altas. Ele conta que, principalmente a partir do lançamento de cultivares com resistência a herbicidas, o arroz está sendo plantado consorciado com forrageiras para formação e reforma de pastagens nos moldes do sistema Barreirão, que foi bastante usado nos anos 1980.
Fragoso destaca que esse sistema, agora modernizado, vem sendo chamado de Barreirão Plus pelos extensionistas do Tocantins e permite travar temporariamente o crescimento das diversas espécies de forrageiras com subdoses de herbicida do grupo das imidazolinonas, possibilitando o desenvolvimento das plantas de arroz.
Além da Embrapa, o avanço da cultura do arroz no Tocantins envolve instituições como o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a Conab, a Secretaria da Agricultura e Pecuária do Tocantins (Seagro), a Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), a Universidade Federal do Tocantins (UFT), o Instituto Federal do Tocantins (IFTO), o Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins (Ruraltins) e o Sindicato dos Beneficiadores de Arroz do Estado do Tocantins (Sindiato). O trabalho conta ainda com parcerias de produtores de arroz e de empresas do setor de produção de sementes.
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