Sistema reduz custos no cultivo da pimenteira-do-reino

Cultivo em árvore leguminosa reduz custos e melhora qualidade da pimenta-do-reino

15.04.2025 | 16:49 (UTC -3)
Ana Laura Lima
Foto: Ronaldo Rosa
Foto: Ronaldo Rosa

Ao usar gliricídia (Gliricidia sepium L.), espécie de árvore leguminosa, como tutor vivo para o crescimento da pimenteira-do-reino, pesquisadores confirmaram que o sistema reduz em até 46% os custos de implantação por hectare, consome metade da água usada no modelo tradicional e ainda melhora a qualidade do produto. Esses resultados estão publicados nos mais recentes estudos conduzidos pela Embrapa que consolidam o sistema de produção sustentável de pimenta-do-reino na Amazônia, e que será apresentado na Jornada pelo Clima, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2025 (COP 30), em novembro deste ano, em Belém (PA).

A técnica, chamada de “sistema de produção da pimenta-do-reino em tutor vivo”, substitui as tradicionais estacas de madeira por plantas da gliricídia, que oferece suporte à pimenteira-do-reino e, ao mesmo tempo, contribui para a fixação de nitrogênio do ar, sequestro de carbono e o enriquecimento do solo. Segundo a Embrapa, o sistema combina aumento da produtividade com práticas sustentáveis e já é adotado em diversas regiões produtoras do Pará.

O trabalho da pesquisa, realizado na região nordeste do estado do Pará, comparou o comportamento de seis clones (cultivares desenvolvidas pela pesquisa ou cultivadas pelos produtores de pimenta-do-reino) nos dois diferentes sistemas de cultivo: em estacão de madeira e em tutor vivo de gliricídia. Foram avaliadas a viabilidade econômica das lavouras irrigadas, redução de custos, eficiência do uso da água e da energia, qualidade do produto final e o impacto ambiental do cultivo nos dois sistemas.

A gliricídia

A Gliricidia sepium L. é uma árvore leguminosa nativa do México e da América Central, que possui alta capacidade de fixação de nitrogênio através de suas raízes. A inclusão dessa espécie no sistema agrícola contribui para o sequestro de CO2, ajudando a reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

A pimenteira-do-reino é uma planta trepadeira e precisa de um tutor para o seu crescimento. O uso de estacas de gliricídia como tutor vivo (suporte) é uma alternativa aos pipericultores devido ao baixo custo e às dificuldades de aquisição de estacão de madeira, geralmente confeccionado com espécies das chamadas “madeiras-de-lei” (acapu, maçaranduba, jarana, entre outros) que se encontram em condição de esgotamento.

"O uso do tutor vivo de gliricídia na pimenta-do-reino vem sendo adotado no Pará desde 2004, mas a expansão se deu a partir de 2014 com o aumento do preço do estacão de acapu e suas restrições legais e que causam grande impacto ambiental” conta João Paulo Both, analista da Embrapa Amazônia Oriental (PA). O segmento produtivo, no entanto, como explica o especialista, ainda carecia de informações mais precisas sobre irrigação, espaçamento, nutrição, manejo e outros fatores de produção das cultivares de pimenteira-do-reino nesse tipo de tutor para a consolidação de um sistema de produção sustentável.

Produção nacional

A pimenta-do-reino é uma das especiarias mais consumidas do mundo. O Brasil é o segundo produtor mundial dessa commodity, com uma produção de cerca 130 mil toneladas em 2023, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estado Pará é o segundo maior produtor nacional de pimenta-do-reino, com produção de 38 mil toneladas em 2023, em 18 mil hectares (IBGE/PAM, 2024). Apesar de sua tradição no cultivo, o estado enfrenta desafios para uma produtividade semelhante ao Espírito Santo, que lidera a produção nacional: 61% do total.

A pimenta-do-reino brasileira é amplamente exportada para mercados como Alemanha, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e Egito.

Mais economia para o produtor

Do ponto de vista econômico, o trabalho avaliou os custos de implantação de um hectare de pimenta-do-reino nos dois sistemas de produção para cada cultivar, e ainda o custo do sistema de irrigação. Um dos resultados é a redução em 46% no custo total de implantação de um hectare de pimenta-do-reino em tutor vivo de gliricídia quando comparado ao estacão de madeira (tutor morto). Para implantar um hectare de pimenta em estacão de madeira o produtor precisa desembolsar R$ 59.313,00 enquanto que um hectare em tutor vivo de glirícidia custa ao produtor R$ 32.038,00.

“O elevado preço das estacas de madeiras praticados no estado do Pará foi o principal fator para a diferença nesse custo de implantação. O preço da estaca de madeira chega a R$ 25,00 enquanto que o valor mais alto encontrado para o tutor vivo de gliricídia foi R$ 5,00 a unidade”, relata Both. Para implantar um hectare de pimenta no espaçamento de fileiras duplas (2,20m X 2,20m X 4,00m) são necessários 1.500 estacões.

“Com o tutor vivo de gliricídia, os custos de implantação diminuem significativamente, permitindo que os produtores utilizem esses recursos para adotar tecnologias como a irrigação, essencial em períodos de déficit hídrico”, destaca Both.

Custo da irrigação cai pela metade

A demanda hídrica nos dois sistemas de plantio também foi avaliada pelos pesquisadores. A pimenteira-do-reino na gliricídia demanda menos água que no estacão de madeira. Comparando o mesmo sistema de irrigação em duas linhas, o cultivo no tutor vivo consumiu cerca de quatro litros de água por planta por dia, metade da demanda observada no cultivo tradicional. “Em um cenário de mudanças climáticas com a redução de chuvas e ampliação dos períodos secos, essa diminuição na demanda hídrica sinaliza um ponto positivo de adaptação às mudanças do clima”, afirma o pesquisador da Embrapa Oriel Lemos.

A redução em mais de 50% no custo da irrigação também é um ponto positivo do cultivo em tutor vivo. Considerando o valor tarifário de energia no estado do Pará, o sistema de irrigação com a gliricídia teve custo anual de operação de cerca de R$ 1.413,50 por hectare (ha), enquanto a irrigação no sistema de tutor morto foi R$ 3.324,00/ha/ano.

Conservação de recursos florestais

Foto: Ronaldo Rosa
Foto: Ronaldo Rosa

A economia de água tem relação direta com os impactos ambientais do uso do tutor vivo nas lavouras. A sombra parcial da gliricídia reduz a perda de água por evaporação e a biomassa incorporada ao solo, proporciona o aumento da retenção de água e adição de matéria orgânica. “A gliricídia, que é uma leguminosa, fixa nitrogênio no solo e ajuda a melhorar suas propriedades físicas e químicas”, afirma Lemos.

O pesquisador explica que a biomassa gerada nas podas da gliricídia é utilizada como cobertura e adubação orgânica, promovendo maior retenção de nutrientes no solo e fixação de nitrogênio atmosférico. O trabalho aponta uma redução em até 30% no uso de adubos químicos nos plantios quando comparado ao sistema tradicional com tutor morto.

“Uma das importantes contribuições desse sistema também é a conservação de recursos florestais uma vez que o tutor vivo diminui a dependência de madeira comercial para os estacões e consequentemente a manutenção da biodiversidade local”, destaca o pesquisador.

Pimenta-do-reino com mais qualidade e valor de mercado

Os trabalhos avaliaram também a qualidade da pimenta-do-reino produzida em tutor vivo de gliricídia e um dos principais resultados foi a maior densidade do produto final. Both explica que a densidade do produto é uma análise fundamental para precificar a pimenta e classificá-la para exportação, já que é uma commodity. “Quanto mais pesado o grão, maior é o valor pago ao produtor”, pontua.

O Brasil utiliza três parâmetros de densidade e o uso do tutor de gliricídia apresentou efeito positivo na densidade dos frutos, com tendência a aumentar a frequência nas classes de maior densidade. “Os grãos produzidos nesse sistema são frequentemente maiores e, portanto, com maior densidade”, esclarece o analista. 

Outros pontos evidenciados no trabalho são os parâmetros físico-químicos de qualidade da pimenta-do-reino, especialmente o teor de piperina. “A piperina é o composto bioativo majoritário da pimenta-do-reino e é identificada como um dos principais alcaloides responsáveis pela pungência, ou seja, o ardor do produto”, explica a pesquisadora da Embrapa Nádia Paracampo.

No conjunto das seis cultivares analisadas, o teor de piperina foi cerca de 14% maior sob as condições de cultivo no tutor vivo de gliricídia em comparação ao sistema tradicional de tutor morto (estação de madeira).  

Multiplicação da tecnologia mantendo a floresta

Para atender à demanda dos pipericultores pelos tutores vivos, a pesquisa vem aprimorando o sistema de produção de gliricídia. O jardim clonal, como é tecnicamente chamada a área de multiplicação de estacas da planta, é uma tecnologia que complementa o sistema de produção sustentável da primenta-do-reino. “Cada planta matriz pode fornecer quatro estacas de gliricídia por ano”, afirma Both.

De acordo com a Embrapa, a área de adoção do tutor vivo no cultivo da pimenteira-do-reino no Pará cresceu mais de 400% nos últimos dez anos. Saltou de 80 hectares em 2014 para 421 hectares em 2024. “A ampliação da adoção do tutor vivo por parte dos produtores é fruto da parceria entre Embrapa e empresa Tropoc, que exporta a pimenta-do-reino paraense para diversos países e se junta à instituição para consolidar o sistema de produção sustentável da pimenta na Amazônia”, acrescenta Lemos.

Isso mostra, continua o pesquisador, que é possível aumentar a produção de pimenta-do-reino sem precisar cortar nenhuma árvore na Amazônia. “Este ano em que se discute a produção de alimentos frente às mudanças climáticas, essa mensagem ganha uma dimensão global. É fundamental que o consumidor saiba que ao comprar a pimenta-do-reino produzida no Brasil, ele está adquirindo um produto que respeita o meio ambiente e contribui para o sequestro de carbono”, finaliza.

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