Seminário discute desafios da produção de trigo no Sul do Brasil

Debates envolveram a introdução de novas tecnologias, pesquisas sobre o manejo pré e pós-colheita, viabilidade econômica da cultura e os novos limites para o teor de micotoxinas no trigo

01.05.2019 | 20:59 (UTC -3)
Daniela Wiethölter Lopes

A produtividade do trigo cresce a cada ano e junto dela, surgem novos desafios para a pesquisa, para setor o produtivo e para a indústria. Para atender e buscar respostas para essas demandas, ocorreu na terça-feira (30/04) no Gran Palazzo Centro de Eventos, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, a 9ª edição do Seminário Técnico de Trigo. Promovido pela Biotrigo Genética, o evento debateu as mais recentes pesquisas sobre a importância do manejo da Giberela e como os cuidados no campo, além dos processos de armazenagem, beneficiamento e secagem dos grãos, podem comprometer ou valorizar um lote de grãos. Participaram 165 empresas, totalizando mais de 450 pessoas, entre agricultores, produtores de sementes, cerealistas, técnicos, agrônomos e moinhos dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Os efeitos da temperatura e do tempo de secagem dos grãos na qualidade da farinha foi o tema da palestra da supervisora de qualidade industrial da Biotrigo, Kênia Meneguzzi. Ela citou os primeiros dados de uma pesquisa iniciada na safra de 2018 da Biotrigo, em conjunto com o Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Campus de Ibirubá, que testou diferentes tempos e temperaturas de secagem dos grãos e os efeitos na qualidade da farinha. “Um processo de secagem mal feito compromete a qualidade tecnológica da farinha, porque altas temperaturas ou exposição excessiva ao calor desnaturam as proteínas presentes no grão e os efeitos são percebidos na massa, que perde extensibilidade e força”, explicou. Um dos testes realizados é a alveografia, que permite analisar características como Força de Glúten (W), Tenacidade (P), Extensibilidade (L) e a relação entre Tenacidade e Extensibilidade (P/L). “A condução inadequada desta importante etapa pode comprometer a comercialização dos lotes de trigo, pois limita a utilização dos grãos pela indústria. É importante saber que o trigo é diferente da soja, por exemplo, que tolera temperaturas maiores. Para o trigo, o controle do secador e a temperatura da massa de grãos são imprescindíveis para que a qualidade entregue pela genética e construída no campo cheguem até a indústria”, concluiu.

Giberela do trigo

Ainda falando sobre qualidade dos grãos, um dos temas em discussão foi a importância do manejo da Giberela do trigo e os novos limites estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o teor de micotoxinas, especialmente o Desoxinivalenol (DON). Segundo o fitopatologista da Biotrigo, Paulo Kuhnem, os limites máximos de micotoxinas nos alimentos à base de trigo começaram a entrar em vigor em 2012, mas a busca por variedades mais resistentes ao fungo sempre esteveram no programa de melhoramento da Biotrigo. “Por não se dispor de cultivares imunes a doença, o controle dos níveis de DON devem começar no início da safra com a escolha de cultivares com maior nível de resistência genética à doença e, durante a safra, através do monitoramento das lavouras, especialmente quando o tempo está muito úmido na fase final do cultivo para realizar as aplicações estratégicas de fungicidas no florescimento e reduzir os teores de micotoxinas nos grãos colhidos”, explicou.

Separação de grãos valorizam lotes

Uma pesquisa realizada pela Biotrigo em parceria com a Universidade de Passo Fundo (UPF), avaliou o uso de equipamentos comuns no fluxo de beneficiamento de sementes na redução do DON em trigo. Um dos objetivos do estudo foi avaliar os teores de DON nos grãos e suas respectivas farinhas, com o intuito de verificar se as formas de separação foram eficientes na redução da micotoxina. Segundo o gerente de produção de sementes, Bruno Moncks da Silva, os dados preliminares da pesquisa com a utilização de equipamentos no beneficiamento são muito positivos. “A separação dos grãos de acordo com as suas características de forma, tamanho e peso e, especialmente grãos giberelados e não giberelados, é uma estratégia indispensável para preservar e/ou melhorar a qualidade de um lote de grãos. Essa etapa não vai melhorar um grão ruim, mas vai selecionar os bons. Ações como estas são importantes para somar-se aos esforços do melhoramento genético e do manejo no campo e termos, no final, um resultado positivo”, concluiu.

Viabilidade econômica do trigo para toda cadeia

Com o objetivo de promover a eficiência do cultivo do cereal, aumentar a produtividade e a segurança do trigo gaúcho os debates também envolveram a viabilidade econômica da cultura do trigo e a visão da indústria na originação da matéria prima.

O coordenador da assessoria do Grupo Agros, Carlos André Fiorin, falou sobre a importância da cultura do trigo no sistema. Segundo ele, o trigo requer manejos e cuidados tanto quanto a soja, mas traz como contrapartida uma maior rentabilidade da propriedade rural, além de manter a sua estrutura ativa durante o inverno. “É preciso pensar na melhor performance de todos as culturas envolvidas na propriedade. Isso não deixa o time ficar sem ritmo de jogo, fazendo uma analogia com o futebol”, comentou.

Baseado nos históricos de produtividade na soja semeada sobre trigo nas últimas 8 safras, Carlos mostrou que o cereal tem viabilidade econômica. “A média de contribuição da cultura do trigo fica em torno de R$ 300,00 por hectare, o que ajuda muito no pagamento dos custos fixos. Considerando como exemplo a safra 2018/2019, onde os custos de produção da soja irão se aproximar muito da receita, há riscos para a rentabilidade do negócio. Na prática, sem uma cultura comercial no inverno, o custo fixo da propriedade é debitado todo na conta da soja. Por isso, ressaltamos que as culturas de inverno podem agregar receitas e são ferramentas importantes para a longevidade do negócio”, finalizou.

Andreas Elter, sócio-gerente do moinho Taquariense, falou sobre a visão da indústria na originação da matéria prima. Segundo ele, os processos na pesquisa, na lavoura e no pós-colheita interferem na qualidade do trigo que chega à indústria. “É uma via de várias mãos que valoriza o produto final. O melhoramento tem que trabalhar em cultivares mais resistentes, como por exemplo, a Giberela. O produtor deve buscar informações sobre o mercado, as vocações das cultivares para a sua região e, especialmente, ser caprichoso, usar os produtos corretos e na hora certa. Na etapa de armazenagem, são importantes os cuidados na secagem, assim como investir na homogeneização e na transilagem dos lotes”, disse.

Trigo recordista em Força de Glúten

Francisco Gnocato, melhorista da Biotrigo Genética, apresentou o TBIO Astro, cultivar de trigo Melhorador, de ciclo superprecoce, que já bateu três recordes dentro do programa de melhoramento da Biotrigo. “Agronomicamente é o mais resistente a germinação na espiga e ao acamamento e, considerando o nosso ranking de qualidade industrial, é o que alcançou maior Força de Glúten (W), com valores médios de 550 e de até 800 em algumas amostras”, disse. A vantagem de ter maior Força beneficia tanto o produtor de trigo quanto ao cerealista. “Como ele tem Força sobrando, esse trigo vai colaborar para a valorização de todo o lote, elevando a média de outros trigos que não possuem Força tão alta, mas que são agronomicamente desejados pelos produtores”. Já quando ele estiver segregado no silo, pode ser usado para produção de pães especiais, que precisam de uma maior Força de Glúten. “A rentabilidade dele beneficiará toda a cadeia já a partir de 2021, quando estará disponível comercialmente aos agricultores”, finalizou.

Trigo Clearfield

Vitor Bernardes, gerente de Marketing Arroz e Trigo da Basf, e André Cunha Rosa, melhorista e diretor da Biotrigo Genética, apresentaram a primeira cultivar de trigo do Brasil com a tecnologia Clearfield e os impactos da introdução dela no controle de plantas daninhas. A linhagem BIO 135033, cujo nome sugerido é TBIO Capricho CL, é resultado de uma parceria inédita firmada em 2018 entre a Basf e a Biotrigo. Segundo André Cunha Rosa, a nova cultivar resistente a um grupo de herbicidas pertencente às imidazolinonas, qualifica o portfólio da Biotrigo ao oferecer uma nova tecnologia que ajuda a eliminar importantes plantas daninhas, como o azevém (Lolium spp.) e aveia (Avena spp.).

Segundo o gerente da Basf, atualmente, aveia e azevém são responsáveis por 20% das perdas potenciais nas lavouras de trigo. “O trigo Clearfield é a primeira tecnologia do mercado que une a melhor genética com o mais eficiente sistema de controle de plantas daninhas.  Com o manejo eficiente das plantas daninhas, o resultado de longo prazo é a maior longevidade e rentabilidade da cultura do trigo”, comentou Vitor.

Em 2021, a cultivar Clearfield de trigo estará disponível para produção com volume para área correspondente a 5% do total plantado com o cereal e, gradualmente, a área com a tecnologia deve aumentar com a introdução de novas variedades de trigo CL.

Posicionamento técnico para safra 2019

O posicionamento técnico das cultivares do portfólio, TBIO Ponteiro e TBIO Aton, e de alimentação animal, Lenox (para pastejo) e Energix (linha de trigos específicas para silagem e pré-secado), foram apresentadas pela equipe comercial da Biotrigo, Tiago de Pauli, Everton Garcia e Lorenzo Mattioni Viecili. O Seminário Técnico do Trigo é uma realização da Biotrigo Genética, com apoio da Sementes Butiá, Basf e INTL FCStone.

Homenagem

Durante o seminário, o engenheiro agrônomo Antonio Eduardo Loureiro da Silva, recebeu uma homenagem pelo incentivo à inovação, pesquisa, melhoria constante da qualidade da semente, evolução da produtividade e, em especial, pela sua contribuição para o fortalecimento da cadeia produtiva do trigo. Loureiro esteve à frente da direção da Associação dos Produtores e Comerciantes de Mudas e Sementes do Rio Grande do Sul (Apassul) por 44 anos.

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