Basf leva soluções e tecnologias para os produtores de Ponta Grossa/PR
Estudo desenvolvido na ESALQ obteve economia de 60% de água na obtenção de mudas cítricas direcionadas à agroindústria.
A escassez crescente de água e a competição com outros setores econômicos e sociais interferem na gestão da irrigação agrícola. Neste panorama, o conceito de irrigação deficitária vem crescendo nos sistemas de produção de diferentes espécies cultivadas, inclusive os citros. Considerando que um ciclo produtivo dura cerca de um ano, é necessário grande quantidade de água para se formar uma muda sadia. Ocorre que a irrigação não é praticada de forma automatizada, ou seja, na maioria dos viveiros, é feita manualmente. “Essa situação gera um quadro de despesas elevadas, o que representa cerca de 20% dos custos da produção, incluindo mão de obra, máquinas e energia. Considere-se ainda o fato de que a água pode ser taxada em breve, principalmente para agricultura, e este índice pode aumentar”, lembra o engenheiro agrônomo Eduardo Girardi, que conduziu a pesquisa “Fisiologia da produção de mudas cítricas sob deficiência hídrica”, desenvolvida na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ). Procurando responder se é possível produzir mudas de laranjeiras de alta qualidade usando menos água, Girardi estudou o comportamento das plantas em diferentes níveis de déficit hídricos e conseguiu mostrar que não é necessário tanta água como usualmente se faz.
Na ESALQ, já se pesquisa há alguns anos novas tecnologias de produção de mudas de citros em estufas, mas essa é uma realidade recente no Brasil. Somente a partir de 2001, o Estado de São Paulo regulamentou este novo sistema, integrando um pacote tecnológico para enfrentar doenças graves que afetam a citricultura. Uma das estratégias de controle de doenças é o uso de mudas provenientes de cultivo protegidas por telas e com o emprego de substratos sem solo. O processo produção em estufa diminui o tempo para que se chegue a um exemplar apto ao plantio, já que em um ano a muda está pronta, em contraste com os 3 anos requeridos pelas mudas anteriormente produzidas em céu aberto.
A citricultura do Estado de São Paulo é a maior do mundo, com uma capacidade de produção, de cerca de 30 milhões de mudas e porta enxertos por ano em aproximadamente 550 viveiros. “Hoje este modelo de produção já é adotado em outros estados como Sergipe, Paraná, em Minas será a partir de 2011, e provavelmente no Brasil todo no futuro. No mundo também vem sendo adotado, porque as mesmas doenças que afetam o Brasil têm atacado outros países como EUA, África do Sul, China, Austrália e Índia”, destaca Girardi.
O objetivo da pesquisa foi avaliar o efeito de deficiência hídrica sobre o desenvolvimento de mudas de laranja ‘Valência’, que é a principal variedade para suco no mercado brasileiro e mundial. Como porta enxerto, fora utilizado o limão cravo, que é bem resistente à seca e está presente em mais de 70% dos pomares do país e o citrumelo Swingle, que hoje é empregado em cerca de 15% do cultivo paulista e induz boa qualidade à variedade comercial, já que é resistente a várias doenças que o limão não é. “O limão Cravo se mostrou ser uma planta muito capaz de se adaptar a deficiência hídrica temporária e de se recuperar após a retomada da irrigação,e mesmo o citrumelo Swingle sendo mais sensível à seca, também atingiu resultado satisfatorio”, ressalta o autor da pesquisa
O estudo se desenvolveu em um viveiro comercial na cidade de Araras-SP e parte dos dados finais foi coletada na ESALQ. A vantagem é que o ciclo produtivo fora experimentado em condições comerciais e, a partir de agora este viveiro, que faz parte da Organização Paulista de Viveiros de Mudas Cítricas, vem utilizando no seu manejo informações geradas pelo estudo. Por volta de 1300 mudas foram produzidas em sacolas plásticas de 4,5 litros, contendo substrato a base de casca de pinus e submetidas à deficiência hídrica durante duas épocas do ano (outono-inverno e primavera-verão). Nas sacolas, foram irrigadas à vontade por mais três meses e então, com 1m de altura e medindo 7mm de diâmetro, fora feita a enxertia a partir de plantas cadastradas na Secretaria de Agricultura do Estado.
Posteriormente foram aplicadas duas metodologias com intenção de avaliar o crescimento vegetativo, performance fisiológica e os parâmetros de produção comercial, considerando tempo de produção e aproveitamento de mudas aptas ao plantio. Em um dos casos, a situação de déficit hídrico foi controlada pela interrupção da irrigação, em um experimento paralelo, houve a adição de polietileno glicol (PEG), um polímero de oxido de etileno de uso extenso na experimentação química e agronômica. O PEG é um pó moído que, adicionado a um volume de água, gera uma força que obriga a planta a despender mais energia para que obtenha água. É uma simulação de condição de seca. Ao final, constatou-se que o uso deste polímero não é interessante para plantas cítricas, porque os efeitos na planta vão além do efeito da seca, já que foram notados efeitos tóxicos diretos. Já a metodologia que aplica a interrupção da irrigação de forma controlada obteve êxito. “Este método de indução reproduz situações possivelmente vivenciadas no viveiro. Além de compreender melhor o que acontece com as mudas submetidas à deficiência hídrica temporária, o viveirista poderá se beneficiar das informações geradas para orientar o manejo da irrigação em sua estufa. Será possível reavaliar a quantidade e freqüência de água fornecida às plantas enxertadas sem prejuízos na sua qualidade”, explica o professor Francisco de Assis Alves Mourão Filho, do departamento de Produção Vegetal (LPV) e orientador do projeto.
Para chegar a esta conclusão, foram avaliados o nível de clorofila, parâmetros comerciais, concentração de carboidratos em raízes, caule e folhas, aproveitamento comercial de mudas, açúcares de reserva, área foliar, taxa de assimilação de CO2, transpiração e eficiência do uso da água. “Observamos todas as variáveis que podem comprometer a qualidade horticultural e desempenho dessas mudas. Vimos que é possível diminuir em até cinco vezes a freqüência de irrigação”, afirma o agrônomo. A informação principal é que embora a planta submetida a déficit hídrico moderado apresente uma certa redução de tamanho, esse manejo resultou em uma produção satisfatória. A performance do sistema produtivo, ou seja, a quantidade de plantas aptas, atingidas ao final do processo, foi equivalente nos sistemas convencional e controlado.
Na prática, a redução do uso de água foi substancial e fora verificada economia de cerca de 60%. Em 134 dias de avaliação, da enxertia até muda pronta, o manejo convencional demandou 114 irrigações, com consumo de 40 litros de água por planta. No manejo controlado, caiu para 26 irrigações, resultando em um volume de apenas 16 litros. No caso do limão cravo, o aproveitamento comercial ficou em torno de 97% das mudas na irrigação convencional e 92% no manejo controlado. Com o citrumelo, não há diferença. Em situação mais intensa, com maior economia de água, o aproveitamento ficou ainda na casa dos 70%. Desta forma, julgam-se essenciais estudos que avaliem o efeito da deficiência hídrica sobre o desenvolvimento vegetal e variáveis fisiológicas de mudas cítricas em recipientes, de forma a ampliar os conhecimentos sobre os diferentes aspectos da produção e comportamento das plantas cítricas jovens nestas condições, e fomentar as práticas de irrigação sob cultivo protegido.
Outro aspecto relevante que ainda pode se confirmar em momento posterior é o menor índice de lixiviação de nutrientes. Mesmo não tendo executado a medição, os pesquisadores da ESALQ supõem uma diminuição do impacto no solo, uma vez que a produção comercial requer uma adubação pesada e concentrada. E quanto maior a parcela de água depositada, maior a perda de adubo. O orientador ressalta ainda o caráter multidisciplinar da pesquisa. “Importante mencionar que o estudo fora desenvolvido em parceria com outros setores da Universidade. Além do financiamento e auxílio à pesquisa oferecido pela Fapesp, recebemos ajuda de outros departamentos da Escola e significativa contribuição do biólogo Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da USP”.
Os resultados da pesquisa desenvolvida na ESALQ foram debatidos no Campus de Excelencia 2008, evento realizado da Universidade Las Palmas de Gran Canária, na Espanha. Neste congresso, estiveram reunidos 100 alunos de pós-graduação do mundo todo, de variadas áreas do conhecimento, e as mudanças climáticas estavam em pauta, entre outras questões contemporâneas. “Penso que estamos no caminho certo, uma vez que essas mesmas técnicas estão sendo avaliadas em outras partes do mundo. A comunidade científica está focada no uso mais eficiente da água”, frisa Girardi.
Na Flórida (EUA), por exemplo, esta nova maneira de se produzir mudas de citros vem ocorrendo há 2 anos. Além disso, essa linha de pesquisa também é verificada na Espanha e em outros países produtores. “Há que se ressaltar trabalhos que procuram ajudar na resolução de questões de grande impacto na agricultura. O mérito desta pesquisa não se resume apenas ao treinamento eficiente do aluno de doutorado da ESALQ, mas também no fato da investigação identificar um problema, desenvolver sua solução em ambiente que reflete sua realidade, dentro do ambiente produtivo, levando à produção de resultados e soluções diretamente aplicáveis”, reforça Mourão Filho.
Caio Albuquerque
Esalq
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