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Um inseto danado tira o sono dos cafeicultores há muito tempo – ou pelo menos desde o século XIX, quando foi identificado em terras brasileiras, vindo da África, e não quis mais deixar em paz as lavouras do Brasil. Mas se depender das pesquisadoras Erika Albuquerque e Juliana Dantas de Almeida, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF), e dos estagiários e bolsistas da equipe delas, os dias desse inimigo da cafeicultura, batizado de bicho-mineiro (Leucoptera coffeella), estão contados. Nem mesmo a pandemia da covid-19 afastou as duas biólogas das idas e vindas ao laboratório, à casa de vegetação e ao experimento de campo, instalado na Embrapa Cerrados (Planaltina-DF), sempre seguindo as normas de distanciamento social da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da própria Embrapa.
Erika e Juliana, em parceria com o pesquisador Adriano Veiga (da Embrapa Cerrados) montaram uma escala com revezamento, de acordo com as atividades do projeto denominado Minercontrol: Identificação de ativos biotecnológicos para o controle efetivo do bicho-mineiro por aplicação tópica de nanossistemas (confira mais detalhes sobre a equipe no final do texto). Assim, elas cumprem à risca o cronograma de trabalho, iniciado em 2019, com recursos do Consórcio Público para o Desenvolvimento do Café (ConCafé), e que tem como objetivo se valer de diferentes abordagens moleculares para gerar ativos (produtos) biotecnológicos para controlar o bicho- mineiro no manejo integrado de cafeeiros.
Até agora, os cientistas não conseguiram deter ou encontrar um produto que acabe com a pequena mariposa branca conhecida como bicho-mineiro, que ainda na fase de lagarta, devora as folhas das plantas jovens dos cafezais.
Na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a exemplo do que ocorre em toda a Empresa, devido à pandemia da covid-19, os empregados podem optar por uma das modalidades de trabalho: teletrabalho ou revezamento (comparecendo à Unidade em períodos determinados, revezando as atividades com colegas). Juliana Dantas e Erika Albuquerque optaram pelo revezamento: desde o começo do distanciamento social compreenderam que não seria possível concluir a pesquisa sem os trabalhos de campo e laboratório. Isso por conta da responsabilidade de cumprir prazos, da natureza persistente dos biólogos na busca de resultados, e do prejuízo que o inseto causa à cultura cafeeira. Assim, elas não podem cumprir a jornada de oito horas em casa, em segurança, e tampouco paralisaram as atividades do projeto.
A equipe, liderada por Erika Albuquerque, leva a sério o distanciamento. Proximidade, só mesmo com o bicho-mineiro, em todas as fases do inseto, desde quando ainda é larva, passando pela fase adulta e a da reprodução, em armadilhas (espaços específicos onde os bichos são observados), localizadas nas casas de vegetação (ambiente protegido). Por isso, diante do cenário de nenhuma previsão para o novo coronavírus dar trégua à humanidade, as pesquisadoras e seus bolsistas agora têm mais duas ferramentas indispensáveis na rotina de trabalho: máscara e álcool gel.
“Junto com os bolsistas nos esforçamos para que cada um vá, separadamente, fazendo as atividades. Na casa de vegetação é simples porque os estudantes ficam sozinhos. Contamos com uma bolsista que é entomologista e trabalha individualmente, ajudando a manter o projeto em atividade”, conta Juliana Dantas. Conforme a pesquisadora, que responde pela parte da solução de inovação realizada nessa pesquisa, logo no começo do projeto foi observada a falta de informações e dados disponíveis sobre o genoma do bicho-mineiro, bem como o ciclo de vida do inseto.
A rara literatura que existe não está disponível à pesquisa. Embora essa ausência de referências bibliográficas seja um fator limitante, acaba por se tornar mais um motivo para não deixar a pesquisa sobre o tema parar, fazendo com que Erika e Juliana incluam em suas atividades em tempos de pandemia a coleta e analise de materiais no campo (como ovos do inseto nas folhas, larvas e as mariposas em fase adulta e novamente um novo ciclo). “A equipe é multidisciplinar. Tudo é novo e gratificante. Tudo que se descobre impacta, especialmente considerando que se trata de uma praga que afeta somente o café, cultura do qual o Brasil é o principal exportador mundial”, diz Juliana Dantas.
Conforme relatório do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), em 2019 o Brasil exportou 40,6 milhões de café – na soma de café verde, torrado e moído e solúvel. Isso significou US$ 5,1 bilhões, para o preço médio da saca em torno de US$ 125,49. Esse volume é considerado um recorde, tendo ocorrido um aumento de 13,9% do total exportado no ano de 2018.
Para entender melhor porque essa pesquisa é tão importante e não pode parar, especialmente numa época em que esse inseto infesta a lavoura, destaca-se que, até o momento, apenas cafezais muito tratados (com pulverização de produto químico) afastam o bicho-mineiro da única cultura que ele se alimenta. “O controle químico preventivo tem se mostrado ineficaz e acredita-se que a praga adquiriu resistência à maioria dos inseticidas utilizados. O controle biológico apresenta limitações na eficiência e durabilidade dos tratamentos”, explica Erika Albuquerque. Por isso a aposta em alternativas biotecnológicas para gerar produtos que atendam à demanda de soluções sustentáveis, duráveis e seguras para o controle específico desse fitopatógenos.
Durante o desenvolvimento do projeto – com duração de quatro anos a contar de 2019 - as cientistas da Embrapa vão testar extratos e frações vegetais com o objetivo de desenvolver nanossistemas que integrem e potencializem os efeitos de ativos biotecnológicos selecionados em três estratégias: nanomateriais (que possuem graus estruturais na ordem de 10-9m ou um nanômetro, igual a um milionésimo de milímetro), extratos/frações e RNA interferente (que resulta na redução de expressão e silenciamento de genes).
Segundo Erika, a intenção é gerar um banco de dados do transcritoma (ou conjunto completo de organismo, órgão, tecido ou linhagem celular) do bicho-mineiro, ainda desconhecido. “Isso vai representar um grande avanço do conhecimento sobre esse inseto e permitirá estudos moleculares de genes alvo para controle desta praga. Os ativos gerados (produtos) poderão ser utilizados em conjunto entre si e/ou com outros defensivos como parte de sistemas de manejo integrado de pragas do cafeeiro”, explica a cientista.
Para desenvolver um projeto grande e com diferentes “frentes” ou campos do conhecimento, a líder Erika Albuquerque e a colega Juliana Dantas contam com a participação de outros pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, entre eles Rogério Lopes, que trabalha com o delineamento experimental dos bioensaios com os insetos, bem como Luciano Paulino, Eduardo Romano e Thales Rocha.
Lotado na Embrapa Café (Brasília-DF), o pesquisador Carlos Henrique Carvalho contribui na "batalha" contra o bicho-mineiro. Ele repassou à liderança do projeto as sementes de cafeeiro Catuaí vermelho e outras cultivares, bem como a orientação para produção das mudas para a área experimental localizada na Embrapa Cerrados e que conta com a colaboração do pesquisador Adriano Veiga. A "mãozinha" indispensável dos estudantes da UnB.
Os esforços para tirar das lavouras cafeeiras o bicho-mineiro são grandes. Mas há outro aspecto importante para que a pesquisa não pare: o trabalho diário dos estagiários e bolsistas da equipe. A dedicação dos estudantes é significativa do ponto de vista científico e de troca de conhecimento entre os envolvidos. Além disso, é uma mostra da importância da ciência na vida de graduandos e de cientistas em começo de carreira que atum como bolsistas na Unidade.
O estudante de graduação em agronomia da UnB Leonardo Vidal atua no projeto prioritariamente na parte agronômica e molecular. “Paralisar as atividades de forma total não é viável por se tratar de um inseto que tem uma sazonalidade muito alta, sendo encontrado no Cerrado apenas de abril a setembro”, comenta Vidal. Ele aponta ainda outra dificuldade: a cultura do cafeeiro tem um ciclo longo, tornando qualquer trabalho com essa planta demorado.
João Bílio, também graduando em agronomia pela UnB e estagiário da a Embrapa Recursos Genéticos na parte de bioensaios das plantas de café em casas de vegetação, observa um ponto interessante para quem trabalha em equipe: “auxiliar os colegas e entender todos os processos da equipe e como cada integrante colabora para um resultado satisfatório é importante”, diz o jovem. Evitando usar o transporte coletivo, Bílio faz uma escala presencial na Unidade uma vez por semana. “Fiz um acordo com meus pais que me dão carona para me deslocar até o estágio. Esse trabalho não pode ser interrompido totalmente, pois as plantas necessitam de água constantemente e de cuidados mais específicos – como adubação e reposicionamento do solo - para seu bom desenvolvimento e estamos na época de alta do bicho-mineiro, inseto alvo da pesquisa”, explica o estudante.
Isabela de Oliveira Motta, bióloga pela UnB e mestre em Zoologia, na área de entomologia, é bolsista da Embrapa Recursos Genéticos e começou as atividades em março de 2020. Ela está responsável pela parte da biologia da praga, desde criação à identificação dos insetos pela genitália de machos e fêmeas. A presença dela na equipe facilitou a aproximação com o também entomologista José Roberto Pujol Luz, que foi professor de Isabela na UnB, e agora contribui com o trabalho desenvolvido por ela na parte de biologia do bicho-mineiro. “Esse inseto é nosso objeto de estudo e não é possível parar o trabalho justamente neste período em que ele está presente às lavouras”, destaca Isabela.
A equipe também conta com a dedicação da estudante de agronomia Camila Junqueira e sua contribuição no que se refere à parte molecular do projeto. “É uma oportunidade de aprendizado durante o período de isolamento. Mas o projeto está em andamento com os devidos cuidados de toda a equipe”, enfatiza a estagiária.
Esse inseto das folhas do cafeeiro, Leucoptera coffeella, é a principal praga da cultura do café no Cerrado, que inclui o maior produtor de café arábica do Brasil, o Estado de Minas Gerais. O ataque do bicho-mineiro nos cafeeiros causa prejuízos porque as folhas minadas pelas lagartas causam desfolha drástica (até 100%), resultando em prejuízos de até 72% na produção de café. O primeiro ciclo do inseto tem que ser controlado com eficiência para evitar que outros ciclos ocorram ao longo do ano.
O projeto liderado por Erika Albuquerque tem quatro anos de duração e está dividido em 5 soluções de inovação (SI), nanossistemas para aplicação e entrega de bioativos, produtos biocidas derivados de metabólitos vegetais; transcritoma do bicho-mineiro; silenciamento da expressão de genes do bicho-mineiro; e validação in vivo da atividade inseticida de ativos potenciais das soluções de nanossistemas.
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