Manejo da cercosporiose em beterraba

Adequado sistema de previsão pode auxiliar no manejo da doença, otimizar aplicações de fungicidas e diminuir os custos de produção

17.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

Muitas das enfermidades de plantas têm sido controladas por métodos empíricos, ocasionando uso desnecessário de agroquímicos e aumento dos custos de produção. Neste contexto, o manejo de controle ideal inclui a previsão de doenças, relacionando-as com a variação micrometeorológica, principalmente durante o processo da infecção. Os sistemas de previsão de doenças de plantas são ferramentas que possibilitam prever o desenvolvimento de uma doença e indicar o momento mais provável de efetuar a pulverização.

Este trabalho teve como objetivo avaliar em condição de campo o sistema de previsão desenvolvido por Marcuzzo et al. (2016) para a cercosporiose da beterraba causada por C. beticola, com vistas ao manejo da doença.

A avaliação do sistema de previsão da cercosporiose da beterraba foi conduzida no Instituto Federal Catarinense (IFC), Campus Rio do Sul, no município de Rio do Sul, Santa Catarina (latitude: 27º11’07’’ S e longitude: 49º39’39’’ W, altitude 655 metros) de 14 de setembro a 14 de dezembro de 2018.

Os dados meteorológicos foram obtidos de uma estação Davis Vantage Vue 300m, localizada ao lado do experimento, com médias durante a condução de 16,7°C para temperatura do ar, 14 horas de umidade relativa do ar ≥90% e precipitação pluvial acumulada de 263,3mm. 

Sementes de beterraba cultivar Boro foram semeadas a campo em quatro repetições constituídas de uma área de 1,5m x 1,25m, utilizando cinco linhas com espaçamento de 0,25m entre linhas e 10cm entre plantas com 40 plantas/m2 (equivalente a 400 mil plantas/ha),  ficando com um estande final de 75 plantas em cada repetição. A calagem, a adubação e os tratos culturais seguiram as normas da cultura. Não se utilizou inseticidas, devido à não ocorrência de insetos no período de avaliação.

Dez plantas em cada repetição foram previamente escolhidas e demarcadas aleatoriamente para a avaliação da doença e da produtividade. Para que houvesse inóculo na área, mudas de beterraba cultivar Boro, com 30 dias de idade, foram inoculadas com atomizador portátil contendo uma suspensão (104) de conídios de C. beticola e, após 24 horas de câmara úmida, foram transplantadas ao redor do experimento no dia da semeadura.

Para o controle da cercosporiose foram comparados os seguintes regimes de pulverização com mancozeb (80%) + oxicloreto de cobre (50%) na dose de 250g + 200g pc.hl-1 baseado no modelo descrito por Marcuzzo et al. (2016) expresso em SE = 0,0001105*(((x-8)2,294387)* ((36-x)0,955017))* (0,39219/(1+25,93072* exp (-0,16704*y))), onde SE representa o valor da severidade estimada (0,1 ou seja, percentual da doença /100); x, a temperatura (ºC) e y, o molhamento foliar (horas).

Atribuiu-se os tratamentos com valores acumulados de SE de 0,15; 0,25, e 0,35 comparados com sistema convencional com pulverização a cada cinco dias e sete dias. A pulverização no sistema de previsão foi realizada quando o somatório diário dos valores de SE (0,15; 0,25; 0,35) fosse atingido, sendo então zerado o somatório e iniciada nova contagem dos valores de severidade diários.

A cada ocorrência de 25mm de chuva, todos os tratamentos eram pulverizados e zerados, e reiniciava-se a contagem do somatório dos valores de severidade.

 As pulverizações iniciaram-se a partir dos 21 dias após a semeadura e foram efetuadas com um pulverizador costal eletrônico Jetbras calibrado para 400L/ha.

Desenvolvimento de folhas novas decorrente da senescência foliar causada pela doença.
Desenvolvimento de folhas novas decorrente da senescência foliar causada pela doença.

A severidade da doença foi avaliada através de escala diagramática proposta por May de Mio et al. (2008) em cada folha presente na planta. Ao longo do ciclo, foi integralizada e calculada a área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD), através da fórmula: AACPD = ∑ [(y1+y2)/2]*(t2-t1), onde y1 e y2 referem-se a duas avaliações sucessivas da intensidade da doença realizadas nos tempos t1 e t2 (sete dias), respectivamente.

A colheita das plantas demarcadas foi realizada aos 90 dias após a semeadura, quando foram pesadas e posteriormente convertidas para produtividade comercial em quilogramas por hectare (kg/ha).

As médias da AACPD e produtividade entre os regimes de pulverização foram submetidas à análise de variância pelo teste de F e quando significativas comparadas pelo teste de Tukey 5%.

Para os sistemas de previsão SE 15, SE 25 e SE 35 houve respectivamente dez,  seis e cinco pulverizações quando comparado às dez e sete pulverizações a cada cinco e sete dias respectivamente (Tabela 1). O sistema SE 15 proporcionou o mesmo número de pulverizações quando confrontado com o de aplicação a cada cinco dias (Tabela 1).

No sistema VDS 35 houve uma redução de 28,6% no número de pulverizações, em relação ao sistema de aplicação semanal, e de 50%, quanto ao sistema a cada cinco dias (Tabela 1).

Na área abaixo da curva de progresso da doença, os sistemas não diferiram entre si, evidenciando que na redução do número de pulverizações em relação ao sistema convencional (Tabela 1) é possível menor acúmulo de AACPD durante o ciclo produtivo. Portanto, nem sempre o número a mais de pulverizações reduz a doença, já que o momento correto da aplicação reflete no acumulado da doença ao longo do ciclo da cultura. 

Não houve diferença significativa entre os tratamentos para a produtividade (kg/ha) (Tabela 1). Nesse trabalho constatou-se que a produtividade pouco oscilou entre os sistemas de previsão e convencional, mas houve redução significativa do número de pulverizações quando se compara SE 35 com o sistema convencional a cada sete dias, sem comprometer a produtividade.

O uso do modelo com SE 35 demonstrou que é possível a redução da doença e do número de pulverizações comparado com o empregado no sistema convencional (cinco a sete dias) com vista ao controle da cercoporiose da beterraba causada por Cercospora beticola.

Sintoma severo da cercosporiose com coalescência das manchas e senescência da folha.
Sintoma severo da cercosporiose com coalescência das manchas e senescência da folha.

Beterraba e cercosporiose

A beterraba (Beta vulgaris L.) é pertencente à família Chenopodiacea pela Natural Resources Conservation Service (NRSC/USDA, 2014) e por Amaranthaceae pelo Angiosperm Phylogeny Group (APG, 2014). Esta olerícola é originária das regiões europeias e norte-africanas de clima temperado, tendo seu plantio favorecido por locais de clima frio. É uma planta tipicamente bienal, exigindo um período de frio intenso para passar à etapa reprodutiva do ciclo, quando ocorre a emissão do pendão floral, com produção de sementes (Filgueira, 2007). Ainda segundo Filgueira (2007), na maioria das regiões produtoras do Sudeste e Sul do Brasil, o cultivo ocorre principalmente durante o outono-inverno, especialmente naquelas regiões de baixa altitude, enquanto em altitude elevada é possível plantar ao longo do ano, inclusive durante o verão. Sendo assim, as temperaturas mais adequadas para o desenvolvimento dessa planta estão dentro da faixa de 10ºC a 20°C (Puiatti & Finger, 2005). O calor é um fator limitante para a maioria das cultivares. Por isso, quando plantada sob temperatura e pluviosidade elevadas, ocorre a destruição prematura das folhas pela cercosporiose e os tubérculos apresentam má coloração interna, com anéis claros (distúrbio fisiológico). Em tais condições adversas, o sabor também é afetado, tornando-se menos doce (Ferreira & Tivelli, 1989).

Na cultura da beterraba, a principal doença é a cercosporiose, causada por Cercospora beticola Sacc. A doença causa a destruição total do limbo foliar e, consequentemente, redução na produtividade. Sua ocorrência generalizada pode representar uma redução na produtividade de 15% a 45%. A doença encontra condições favoráveis quando a alta umidade relativa do ar é maior que 90% e a temperatura situa-se entre 22ºC e 26ºC. Apesar da oferta de controle químico, a cercosporiose normalmente inviabiliza a comercialização das plantas através de maços, em decorrência da aparência das folhas doentes e senescentes (Tivelli et al., 2011; Puiatti & Finger, 2005).

Os sintomas característicos são observados nas folhas mais velhas por serem mais suscetíveis (Weiland & Koch, 2004). Inicialmente são pontuações que evoluem, podendo alcançar de 4mm a 5mm de formato mais ou menos arredondado, centro claro e bordas com perímetro de coloração vermelho-púrpura. À medida que as lesões aumentam, se tornam com tonalidade acinzentada, porém, com a necrose, o tecido lesionado cai e a folha torna-se perfurada. O aumento do número de lesões e o crescimento da área induzem a senescência e redução significativa da área foliar. A planta repõe as folhas a partir de reservas do tubérculo, o que pode causar a perda de rendimento - e esse processo é repetido várias vezes durante o ciclo de crescimento da planta.

O patógeno pode sobreviver em restos culturais, sementes e/ou mudas contaminadas; plantas hospedeiras, como acelga, couve chinesa e beterraba açucareira; e plantas remanescentes. A disseminação é realizada pela ação do vento, das gotículas de água e de insetos, que ao depositarem os esporos na superfície foliar da planta, aliada às condições ambientais favoráveis de alta umidade relativa do ar (maior que 90%) e temperatura entre 22ºC e 26°C, germinam e emitem o tubo germinativo em que penetram somente pelos estômatos. Após penetrarem, as hifas crescem intercelularmente no mesófilo foliar, se ramificando várias vezes. Celulases e pectinases estão envolvidas no processo de colonização. Toxinas como a cercosporinia e a beticolina são produzidas pelo patógeno, de modo a necrosar o tecido vegetal na vizinhança das hifas ramificadas e obter seus nutrientes. Isso ocorre principalmente sobre a face abaxial da folha, onde se torna o local de reprodução dos novos conidióforos e conídios. Os conídios novamente são dispersos pelo vento e pela água de chuva e/ou irrigação para iniciar novos ciclos de infecção que levam em torno de 12 dias para apresentar novos sintomas.

A produção nacional de beterraba é uma das mais significativas dentro do contexto nacional do mercado agrícola de hortaliças. Apesar de não haver um levantamento sistemático, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que existem no Brasil aproximadamente 10 mil hectares desta hortaliça, produzidos em mais de 100 mil propriedades. A região Sudeste é responsável por 45% da produção nacional, o que representa cerca de 250 mil ton/ano, gerando renda para mais de 500 mil pessoas por ano (Tivelli et al., 2011). No ano de 2012, dados divulgados pela Central de Abastecimento do Estado de Santa Catarina (Ceasa/SC) demonstraram que foram comercializadas mais de 4.583 toneladas de beterraba de mesa. Santa Catarina produz aproximadamente 65% da beterraba que consome, e o restante é importado de outros estados, com destaque para o Rio Grande do Sul, de onde vieram 17,5% do total comercializado (Síntese..., 2012).

Em vários países da Europa, da América do Norte e da Ásia seu cultivo é altamente rentável e se destina à produção de açúcar e forragem (Filgueira, 2007). No Brasil é consumida principalmente in natura, cozida ou na forma de sucos, assim como também, observa-se um aumento na demanda dessa hortaliça, em indústrias de conservas e alimentos infantis (Tivelli et al., 2011).

Leandro Luiz Marcuzzo, Sheila Chaiana Harbs, Bruna Kotkoski, Márcio Rampelotti e Instituto Federal Catarinense, IFC/Campus Rio do Sul

Cultivar Hortaliças e Frutas Maio 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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