Manejo integrado da requeima em tomate e batata
Como correto emprego do manejo integrado e alternativas nutricionais, como aplicação de silício, auxilia na prevenção e redução de danos de Phytophtora infestans
O cancro europeu (Neonectria ditissima) é uma doença da macieira que afeta principalmente as partes lenhosas da planta, como o tronco principal e as demais ramificações das brotações de crescimento anual. Ocasionalmente, os frutos também podem ser infectados, causando danos na pré-colheita ou após períodos de armazenamento.
A história do cancro europeu no Brasil passou por diversos momentos desde sua detecção no ano de 2002, com a posterior implantação de medidas na tentativa de erradicação da doença, envolvendo o setor produtivo, instituições de pesquisa e governamentais, até que no ano de 2012 contatou-se sua ampla disseminação nos pomares dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Na maioria dos países produtores de maçã, o cancro europeu é de ocorrência antiga. Como o desenvolvimento da doença é fortemente influenciado pelo clima, em algumas regiões ocorrem prejuízos importantes à produção, porém em outras a doença tem importância secundária.
Logo após a introdução da doença no Brasil, ainda não se sabia como se daria seu desenvolvimento nas condições climáticas da região produtora. Se as condições climáticas não fossem favoráveis, a doença seria menos importante e seu manejo poderia ser realizado assim como o que ocorre com outras doenças que já fazem parte do cotidiano dos produtores, tais como sarna-da-macieira (Venturia inaequalis) e mancha foliar de glomerella (Colletotrichum gloesporioides; C. accutatum).
Essas doenças são importantes, e em algumas safras podem trazer prejuízos maiores, mas os produtores (em sua grande maioria) já sabem quais estratégias adotar para se conseguir bons níveis de controle. Além disso, para estas doenças existem à disposição recomendações técnicas/científicas e alternativas de controle químico eficiente.
Estudos realizados por Beresford e Kim (2011), para quantificar o efeito do clima na doença, mostraram que as variáveis climáticas que mais influenciam no desenvolvimento do cancro europeu são a frequência de chuva e a temperatura. A partir desse método, foram realizadas análises anuais para as principais cidades produtoras de maçã do Brasil. O resultado obtido demonstrou que essas cidades possuem condições muito favoráveis ao desenvolvimento do cancro europeu. Isso foi importante para ajudar a compreender a doença nas condições brasileiras.
Em relação ao manejo do cancro europeu, atualmente o momento é de contínuo aperfeiçoamento, e a pesquisa científica tem contribuído com estudos de epidemiologia para que se possa estabelecer as estratégias mais adequadas para mitigar os prejuízos causados pela doença.
• O fungo Neonectria ditissima (forma imperfeita: Cylindrocarpon heteronema) possui dois tipos de esporos, os conídios e os ascósporos, e ambos têm a capacidade de infectar e formar novos cancros. A faixa ótima de germinação está entre 11ºC e 16°C.
• A infecção na macieira só ocorre se houver o depósito dos esporos em um ferimento, seja ele natural ou provocado pelo manejo.
• O início da doença em um determinado pomar pode se dar com sua implantação, por meio do plantio de mudas infectadas ou pela chegada de esporos do fungo provenientes de pomares vizinhos.
• As mudas infectadas podem não manifestar sintomas no momento do plantio e os sintomas da doença aparecerem somente após dois anos a três anos.
• Em plantas adultas, a velocidade com que o sintoma se manifesta é muito variável, podendo levar de pouco mais de um mês a até três anos.
• Em cancros novos, o primeiro tipo de esporo a ser produzido é o conídio. Os conídios são produzidos em agrupamentos na superfície da casca ou fruto infectado, chamados de esporodóquios. Eles aparecem como pontuações de coloração rósea ou creme na superfície do tecido infectado e são dispersos principalmente pela chuva.
• Em cancros mais velhos é possível perceber a formação de estruturas globosas de coloração avermelhada, chamadas de peritécios, dentro dos quais são produzidos os ascósporos, que por sua vez são liberados e carregados pelo vento. Quando o ambiente está muito úmido, os ascósporos saem da estrutura globosa envoltos em substância mucilaginosa, e então são dispersos por respingos de chuva.
Para entender qualquer patossistema e estabelecer os melhores momentos em que as medidas de controle devem ser tomadas, é importante sempre considerar os vértices do que, tradicionalmente, denomina-se triângulo da doença, formado pela interação entre hospedeiro, patógeno e ambiente (Figura 1).
Na discussão acerca de como os avanços da pesquisa têm contribuído com as orientações de manejo, serão tomadas por base as informações relacionadas a cada um destes vértices e de que forma é possível melhor compreendê-los.
Atualmente não há variedades resistentes ou imunes ao cancro europeu. Lembrando que os porta-enxertos também podem ser infectados, mas os sintomas são mais raros, pois possuem menor oferta de ferimentos. A suscetibilidade do hospedeiro está diretamente relacionada à presença dos ferimentos, principalmente os de poda, colheita e queda de folhas.
O ferimento que se forma na queda das folhas no outono já foi considerado a abertura natural mais importante para o desenvolvimento da doença, porém resultados mais recentes têm demonstrado a importância daqueles causados por poda e colheita. Quanto mais recentes estes ferimentos, mais suscetíveis são e, à medida que passa o tempo, a planta os cicatriza e a infecção se torna mais difícil.
Os ferimentos de poda ocorrem em menor número por planta, cerca de algumas dezenas por ano. Quando comparado aos demais, esse tipo de ferimento é o de maior tamanho e o mais demorado para cicatrizar (Tabela 1). Entretanto, é possível atingir 100% de controle neste tipo de ferimento se for feita pintura com tinta e fungicida.
Em relação à quantidade de ferimentos de colheita há algumas centenas por planta/ano e sua ocorrência se dá por conta do número de passadas realizadas. São menores que os de poda, porém maiores que os de queda de folhas. O ritmo de cicatrização é um pouco mais lento que o ferimento de queda de folhas. Talvez seja o ferimento de maior relevância para o controle da doença, pois existe grande dificuldade em protegê-lo com fungicidas.
A tecnologia de aplicação atualmente disponível deposita o ativo no alvo em apenas cerca de 50% dos ferimentos da planta. O baixo depósito é explicado pela morfologia do esporão, a posição na planta e o enfolhamento no período de colheita, que impede que esses pontos fiquem expostos para recebimento das gotas.
Os ferimentos de queda de folhas são os menores e ocorrem quando a planta está fisiologicamente mais preparada para cicatrizá-los. A sua ocorrência é de milhares por planta/ano, por um período médio de seis semanas, mas variável anualmente. Assim, o controle do cancro associado à queda de folhas é obtido pela aplicação de fungicidas nos períodos de início (10%), metade (50%) e término (90%) da queda das folhas. Dependendo do ano, se esse período for prolongado, pode-se realizar mais aplicações com o objetivo de proteger esses ferimentos (Tabela 1).
Ainda com relação ao hospedeiro, atualmente se tem conhecimento de que a suscetibilidade da macieira ao desenvolvimento de cancros varia ao longo do ciclo anual. A incidência obtida em inoculações em diferentes épocas do ano diferiu entre os órgãos da planta e também para um mesmo órgão em épocas distintas do ano (Figura 2). Por exemplo, o ferimento de retirada de folha foi pouco suscetível nos meses de novembro a janeiro (menos de 20%) e mais suscetível de fevereiro a maio (mais de 50% de incidência). Outro ferimento que difere conforme épocas do ano é o de retirada de frutos. No raleio, a incidência é baixa e na colheita, a incidência é alta.
Com relação ao patógeno, os esporos podem ser produzidos ao longo de todos os meses do ano. A quantidade mínima necessária para infecção seria, teoricamente, um esporo. Na prática, há resultados que afirmam ser preciso no mínimo cinco a 30 conídios para o estabelecimento de uma nova lesão. Isso é variável dependendo do estádio fenológico da planta, do órgão e do tamanho do ferimento inoculado (Walter et al, 2016).
Com o desenvolvimento do cancro, ascósporos e conídios ficam presentes ao longo do ano, mas sua disseminação depende da quantidade de chuva e, portanto, é variável com o clima. Durante o inverno, o fungo sobrevive na forma de micélio em cancros e como ascósporos dentro dos peritécios.
O crescimento da doença no tempo não é constante, mas resultado do aparecimento dos cancros formados a partir dos diferentes ferimentos que são sazonais. A maior visualização de cancros na primavera é reflexo das infecções ocorridas na colheita e na queda das folhas. Assim, o crescimento do cancro europeu no tempo se dá pela formação dos cancros que, em seguida, produzem novos esporos e infectam os diferentes ferimentos no hospedeiro e, na sequência, geram novos cancros e assim sucessivamente. Em outras palavras, a doença cresce pelo aumento no número de cancros ao longo do tempo. Além do progresso no tempo, a doença se dissemina entre as plantas no pomar.
Com relação ao efeito do ambiente, para cada etapa do ciclo da doença, uma variável climática pode exercer maior ou menor influência (Tabela 2). A temperatura é a variável que influencia mais etapas do ciclo da doença, afetando a velocidade dos processos metabólicos do patógeno e do hospedeiro. Normalmente há uma condição de temperatura mínima, ótima e de máxima para que o processo ocorra. Na etapa de infecção é necessário que condições mínimas de temperatura e molhamento sejam fornecidas, porém nem sempre há uma relação clara entre a duração do período de molhamento e a infecção. Eventos de granizo e temperaturas muito baixas podem ocasionar ferimentos (dano de frio) e favorecer a infecção. A aplicação de nitrogênio em pós-colheita aumenta o risco de infecção nas lesões de queda de folha.
Na colonização, as condições ambientais que mais influenciam são temperatura, excesso de água no solo e desequilíbrio nutricional. Embora não sejam bem conhecidas as razões que expliquem o efeito do excesso de água, há citações na literatura e diversos relatos de agricultores de que a doença é mais severa em locais de baixada, em condições de encharcamento do solo. A nutrição das plantas também pode influenciar seu desenvolvimento.
Na etapa de reprodução, há formação dos conídios e ascósporos. Além da temperatura, a frequência de chuva é o fator ambiental que estimula o patógeno a produzir mais esporos. A formação dos peritécios e consequentemente dos ascósporos está relacionada a condições mais desfavoráveis para o fungo, porém o que desencadeia isso ainda não é bem conhecido. Em ramos destacados e mantidos em alta umidade relativa há formação de peritécios em menos de 30 dias nas temperaturas entre 15ºC e 20ºC.
Na etapa de sobrevivência, acredita-se que as temperaturas mais altas sejam prejudiciais ao patógeno e que as baixas tenham um papel de preservação. Tratamentos térmicos a 50ºC por mais de cinco minutos são capazes de matar o patógeno. Por outro lado, o patógeno é capaz de sobreviver mesmo em suspensões de conídios congeladas.
Na etapa de disseminação, a chuva desempenha papel fundamental para a hidratação dos esporodóquios e transporte dos conídios que ocorre por meio dos respingos e escorrimento das gotas. Os ascósporos podem ser disseminados pela chuva e pelo vento. Assim, as características locais de chuva e vento determinarão a direção e a distância de dispersão.
O desenvolvimento de projetos de pesquisa nas condições brasileiras trouxe grande avanço no controle do cancro europeu e proporcionou a união de várias instituições na busca de soluções para o setor produtivo da maçã.
Desde 2012, o manejo da doença se modificou. No início houve preocupação em identificar corretamente a doença, entender a influência do ambiente e os principais ferimentos. Atualmente, o foco do manejo está no monitoramento dos ferimentos, identificando quais práticas culturais trazem consigo a possibilidade de aumento dos ferimentos e buscando minimizá-los. Além disso, os métodos de controle estão sendo aplicados, direcionando-os à proteção desses ferimentos, principalmente os de colheita, poda e queda de folhas.
Os métodos de controle do cancro europeu que não estão sendo satisfatórios, apenas o serão à medida que as fontes de inóculo do pomar sejam reduzidas ou eliminadas. Por isso, é importante realizar monitoramento frequente das plantas para identificar e remover cancros recém-formados. Os ramos retirados jamais devem ficar no pomar, pois o patógeno continua a produzir esporos nesses cancros, mesmo que estejam destacados da planta. O treinamento de todos os trabalhadores envolvidos no processo produtivo é uma estratégia valiosa, pois ao fazerem outra tarefa, podem identificar os cancros ainda em estádios iniciais de crescimento e combatê-los de forma rápida.
É mais vantajoso retirar o máximo de ramos com cancro dos pomares para diminuição do inóculo a mantê-los pelo receio de comprometer a produção. A pintura dos ferimentos de poda deve ser feita tão logo os ramos sejam cortados para diminuir o risco de ocorrer uma infecção (Nunes; Alves, 2018). A partir do momento que houver pomares com baixa incidência da doença, será necessário identificar o tipo de cancro mais frequente (associado ao ferimento que não se está conseguindo proteger). Isso permitirá ajustar o controle de acordo com as condições particulares de cada pomar e, então, será possível alcançar um novo patamar de manejo da doença.
Claudia Cardoso Nunes, Silvio André Meirelles Alves, Embrapa Uva e Vinho
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