Bioceres anuncia liberação comercial de trigo OGM no Brasil

Variedade contém o gene HaHB4, proveniente de Girassol, e "pat" proveniente de Streptomyces viridochromogenes

03.03.2023 | 17:15 (UTC -3)
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A Bioceres Crop Solutions anunciou que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) concluiu a avaliação de segurança do trigo HB4 e aprovou sua comercialização e cultivo no país. O pedido foi apresentado pela Tropical Melhoramento e Genética (TMG), que possui parceria com a Bioceres. O teor da parceria não foi explicado pelas empresas.

Apesar de a conclusão constar em ata de reunião da CTNBio (imagem acima), até o momento não houve publicação no Diário Oficial da União, marco juridicamente necessário para dar publicidade à decisão.

Inicialmente, o pedido havia sido para a liberação comercial da farinha de trigo geneticamente modificada (evento IND-00412-7) "para uso exclusivo em alimentos, rações ou produtos derivados ou processados". Esse pleito foi deferido na 246ª reunião da CTNBio.

Em 9 de novembro de 2022, houve aditamento. Passou o pleito a incluir “cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, comercialização, importação, exportação, armazenamento, liberação e descarte deste OGM”. A decisão aqui noticiada contemplou o pedido aditado.

De acordo com o comunicado da empresa, a tecnologia HB4 é uma ferramenta chave na adaptação dos sistemas agrícolas a um clima mais extremo, como em casos envolvendo estresse hídrico severo.

O Brasil é o segundo país onde as agências reguladoras aprovaram o trigo HB4 para o cultivo, após a Argentina, e conclui os processos de aprovação dos mercados-alvo de trigo da empresa na América Latina.

No extrato do parecer, lê-se mais informações: "[…] trigo geneticamente modificado para tolerância à seca e a herbicida, evento IND- 00412-7 e seus derivados, contendo o gene HaHB4, proveniente de Girassol, e pat, proveniente de Streptomyces viridochromogenes. […] a CTNBio isenta a requerente de monitoramento pós-liberação comercial com base no parágrafo primeiro do artigo 18 da Resolução Normativa 32 da CTNBio, que dispõe que os OGM e seus derivados da Classe de Risco 1 liberados para uso comercial estarão isentos de monitoramento pós-liberação comercial".

Resumo executivo

Para entender com maior profundidade a questão, veja-se o texto abaixo. Ele provém do resumo executivo que a TMG apresentou à CTNBio ao pedir a liberação comercial para cultivo do Trigo HB4:

"O evento geneticamente modificado de Trigo IND-ØØ412-7 ou Trigo HB4, foi desenvolvido pela empresa argentina Bioceres. No Brasil, Bioceres e Tropical Melhoramento e Genética (TMG) firmaram uma parceria para viabilizar o uso deste evento geneticamente modificado no país. Através dessa parceria, a TMG teve acesso aos estudos realizados em outros países, e foi a responsável pelo relatório de biossegurança do Trigo IND-ØØ412-7, que foi apresentado à CTNBIO e aprovado pela Comissão, com a finalidade de alimentação humana e animal (Processo CTNBIO 01250.014650/2019-71, Parecer Técnico CTNBIO 7795/2021). Agora, através de LPMAs e estudos em contenção realizados no Brasil, a TMG obteve os dados e redigiu a avaliação de risco ao meio ambiente e vem solicitar a liberação comercial para cultivo do Trigo HB4.

Os dados aqui apresentados são oriundos de estudos realizados na Argentina, combinados com as LPMAs e estudos em contenção realizados no Brasil. Foram testados a campo o Trigo IND-ØØ412-7 (também designado como “Trigo HB4”), o controle parental convencional (não geneticamente modificado) e variedades comerciais (Padrões de referência).

O gene HaHB4, proveniente do Girassol (Helianthus annuus) confere ao trigo significativo potencial para aumento de produtividade em ambientes de baixa disponibilidade hídrica, sem prejudicar o teto produtivo em condições ambientais ótimas para a cultura. Tal contribuição tem sido demostrada ao longo de diversos anos e locais de testes na Argentina e agora no Brasil.

O Trigo HB4 foi gerado através da metodologia de bombardeamento de micropartículas, e contém os seguintes genes introduzidos: 1) o gene do fator de transcrição HaHB4 do girassol, 2) o gene bar de Streptomyces hygroscopicus que confere resistência ao glufosinato. O gene HaHB4 (Helianthus annuus Homeobox 4), naturalmente presente no girassol, é expresso em níveis muito baixos, e ativados quando as plantas são submetidas a condições de estresse hídrico, salino, escuridão ou ataques de insetos. Assim, a proteína HAHB4 já é um componente natural da alimentação humana e animal, assim como nos ambientes onde há o cultivo convencional de girassol.

O Trigo HB4 possui uma cópia completa de HaHB4 com elementos regulatórios funcionais, e duas cópias completas de bar com seus elementos regulatórios na posição correta. A proteína HAHB4 no Trigo HB4 pertence à família de fatores de transcrição HD-Zip, caracterizada pela presença de dois domínios funcionais: o Homeodomínio (HD), responsável pela ligação ao DNA e um motivo de “Zíper de Leucinas” (LZ), envolvido na interação proteína-proteína e dimerização. A proteína não possuí nenhuma função inseticida ou de tolerância a herbicida e atua principalmente em resposta a estresse abióticos, principalmente em vias sinalizadas por etileno. A proteína PAT no Trigo HB4 confere às plantas o fenótipo de tolerância a herbicidas baseados em glufosinato de amônio, através da expressão da proteína fosfinotricina N-acetil-transferase.

Foram realizadas diversas análises, avaliações e estudos a campo e em contenção com o Trigo HB4, na Argentina e no Brasil, para comprovar sua segurança para consumo humano, animal e durante o seu cultivo e presença no meio ambiente.

A análise extensiva da proteína HAHB4 confirma a sua segurança alimentar, nutricional e ambiental. Esta conclusão baseia-se em evidências de múltiplas fontes: origem do gene a partir de vegetal já utilizado na alimentação humana e histórico de uso e exposição; avaliação da digestibilidade e estabilidade térmica da proteína HAHB4 em ensaio in vitro; comparações da sequência de aminoácidos com toxinas, alérgenos e sequências alergênicas conhecidas, através de análises por bioinformática; estado de glicosilação; estudo de toxicidade oral da proteína HAHB4; e nível de proteína HAHB4 em forragem e grãos de Trigo HB4.

O ensaio in vitro de fluido gástrico simulado (SGF) revelou uma rápida degradação da proteína HAHB4. Não foram observados fragmentos de proteína após os primeiros 30 segundos de digestão. A proteína HAHB4 não se fragmentou durante a exposição a ciclos de calor prolongados, através de análises em SDS-PAGE, sem nenhuma alteração significativa. Pesquisas de bioinformática não revelaram homologia de HAHB4 com proteínas alergênicas ou tóxicas conhecidas. Os resultados indicam a improbabilidade de que a proteína HAHB4 cause uma reação alérgica em seres humanos ou que seja tóxica para seres humanos ou animais e, portanto, é segura para consumo humano e animal.

Um estudo de toxicidade oral da proteína HAHB4 foi conduzido em ratos na dose de 3822 mg da proteína HAHB4 por kg de peso corporal. Todos os ratos sobreviveram e não apresentaram quaisquer efeitos adversos causados pela proteína testada durante o estudo. Todos estes resultados sugerem que a dose máxima tolerada de proteína HAHB4 sem a observação de efeitos adversos é maior do que 3822 mg/kg PC e, portanto, o Nível de Efeito Adverso Não Observado (NOAEL) é superior a 3822mg/kg PC. Por essa razão, conclui-se que a toxicidade oral aguda deve ser muito baixa, uma vez que nenhuma mortalidade foi observada em ratos, assim como nenhum efeito adverso foi observado pelo consumo da proteína HAHB4.

A proteína PAT é expressa em inúmeras culturas geneticamente modificadas que foram aprovadas para sua liberação comercial, no Brasil pela CTNBio e por outras agências de outros países no mundo. Essas aprovações incluíram abundante informação e dados sobre as características físico-químicas da proteína PAT que confirmam a carência de propriedades alergênicas ou tóxicas, incluindo a sua digestibilidade, sensibilidade térmica e ausência de toxicidade. A ausência de ações tóxicas atribuíveis a proteína PAT tem sido amplamente verificada ao longo de quase 20 anos de consumo de diversas culturas geneticamente modificadas que possuem o gene e que expressam a proteína PAT.

Os níveis de expressão da proteína HAHB4 foram determinados em sementes de trigo e tecido foliar colhidas de ensaios de campo na Argentina (2012-2013). Um método LC-MS / MS específico e sensível foi desenvolvido e validado para detectar os baixos níveis esperados deste fator de transcrição. Como esperado para um fator de transcrição, os níveis de expressão da proteína HAHB4 no Trigo HB4 estavam abaixo do limite inferior de quantificação (LLOQ). Isso sugere que o evento de Trigo IND-ØØ412-7 não contém níveis de proteína geneticamente modificada que possam afetar negativamente organismos não-alvo, pois a expressão do gene HaHB4 no Trigo IND-ØØ412-7 é extremamente baixa. Assim, a proteína HAHB4 não têm potencial para produzir efeitos adversos nos níveis de exposição no campo sobre espécies representativas de invertebrados benéficos.

A análise composicional do Trigo HB4 foi realizada seguindo o documento de consenso da OCDE. Foram determinados 45 componentes (nutrientes, micronutrientes, vitaminas, minerais e antinutrientes) em amostras de grão e forragem procedentes do Trigo HB4, do controle parental convencional, e de um conjunto de variedades comerciais de referência, em ensaios de campo realizados em seis localidades diferentes. Considerando a variabilidade natural que apresenta a composição da cultura de trigo, a composição do Trigo HB4 foi substancialmente equivalente à composição de seu controle parental convencional e/ou estava dentro da variabilidade natural das variedades comerciais de referência e/ou dentro do intervalo reportado na literatura.

O desempenho agronômico do evento geneticamente modificado de Trigo IND-ØØ412- 7 foi avaliado em comparação com o controle parental convencional e com variedades comerciais de referência. Os ensaios foram conduzidos em vários locais na Argentina e no Brasil. As características medidas incluíram: germinação de sementes; avaliações agronômicas e fenotípicas; e avaliações ecológicas, incluindo danos causados por doenças e insetos, não sendo encontrada nenhuma diferença significativa entre o Trigo HB4 e seu convencional não geneticamente modificado, ou mesmo entre as cultivares comerciais. Um estudo de morfologia do pólen e fertilidade do pólen foi realizado na Argentina. Os dados resultantes sustentam a conclusão de que o Trigo HB4 não difere de seu controle parental convencional e das variedades comerciais de referência, além do efeito pretendido. Os resultados demonstraram que o Trigo HB4 possui características de plantas semelhantes às das variedades comerciais de referência e não representa um risco ambiental em comparação com o controle parental convencional.

Com base nas informações já apresentadas no processo 01250.014650/2019-71, nos dados e informações apresentados neste documento e na aprovação para consumo humano e animal da CTNBIO (Parecer Técnico 7795/2021), conclui-se que o Trigo HB4 não representa risco ao consumo humano, consumo animal e não causa impacto ambiental quando comparado ao trigo convencional, ou seja, um risco negligenciável. Com o presente documento, a CIBio da TMG SA. solicita a liberação comercial do Trigo HB4 com a finalidade de cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, comercialização, importação, exportação, armazenamento, liberação e descarte deste OGM."

ATUALIZAÇÃO (07/04/2023): em razão de questionamentos sobre a segurança desse cultivar, a CTNBio emitiu nota técnica em 30/03/2023. Dentre outras ponderações, informou o órgão que:

"A CTNBio rejeita os questionamentos técnicos feitos sobre a avaliação de biossegurança realizada. Uma resposta ponto a ponto foi elaborada por parecerista do processo de liberação comercial para plantio do trigo IND-ØØ412-7 (HB4), das quais destacamos:

A. as sequências de DNA inseridas no genoma da planta de trigo tiveram sua avaliação realizada quanto ao potencial de geração de efeitos indesejados do ponto de vista de biossegurança. Não foram identificados riscos significativos ao meio ambiente. Ao contrário, as plantas do trigo IND-ØØ412-7 foram fenotipicamente similares ao trigo convencional, divergindo apenas nas características que foram introduzidas via transgenia em todos os testes experimentais;

B. fenômenos de deleção, inserção e inversões de segmentos de DNA ocorrem também no processo de melhoramento convencional. A literatura é farta em relatos desses fenômenos dentro de uma mesma espécie, particularmente em espécies poliploides, como o trigo;

C. os dados aportados pela requerente comprovaram, a partir de experimentos cientificamente adequados, a estabilidade dos insertos em sucessivas gerações de trigo. Além disso, os genes HaHb4 (que confere maior tolerância ao estresse hídrico) e bar (que confere tolerância ao glufosinato de amônio) são herdados em bloco (cossegregam) de modo mendeliano;

D. a avaliação dos genes inseridos realizadas por Southern Blot e sequenciamento de DNA – utilizando a plataforma PACBIO, hoje o padrão-ouro para se caracterizar e “decifrar” os genomas de diferentes organismos – trouxe informações que contemplam os requisitos da análise de risco quanto à caracterização das regiões dos genomas onde ocorreram as duas inserções;

E. Os dados sobre o comportamento do trigo no Brasil foram gerados em liberações planejadas no meio ambiente instaladas em regiões representativas para a cultura de trigo, Cambé/PR e Uberlândia/MG, em duas épocas de cultivo distintas. Os experimentos a campo foram realizados segundo os ditames das Resoluções Normativas para Liberações Planejadas no Meio Ambiente (RN06, RN35). Foram apresentados dados completos de estudos realizados.

F. Imprescindível afirmar que além dos dados aportados pela TMG, a decisão da CTNBio também se baseou na literatura científica e nas informações trazidas pela audiência pública.

A CTNBio reitera o que afirmou em seu parecer: que o trigo IND-ØØ412-7 (HB4) é tão seguro ao meio ambiente, à saúde humana e à saúde animal quanto seu equivalente convencional."

No mesmo documento, o órgão acrescentou:

A CTNBio não solicitou a análise do CNBS, principalmente pelas razões que destacamos:

1. A característica inserida de tolerância a estresse hídrico pode ser importante para minimizar perdas devido a secas, que se tornam mais frequentes em função das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Também pode auxiliar na expansão da cultura do trigo no país, notadamente naquelas regiões em que o inverno possui baixa pluviometria, podendo auxiliar que o país, um grande importador, se torne autossuficiente;

2. O país tem experiência no cultivo de vegetais geneticamente modificados, cultivando em larga escala há mais de 15 anos sem relato comprovado de problema à saúde humana, à saúde animal e ao meio ambiente;

3. Os mesmos genes inseridos no trigo IND-ØØ412-7 (HB4) estão presentes em soja geneticamente modificada IND-00410-5 liberada para uso comercial desde 2019;

4. O cultivo em país vizinho, em regiões com similaridades edafoclimáticas, pode fazer com que haja contrabando de sementes e cultivo ilegal no país caso haja impedimento ao cultivo no Brasil. Caso similar foi verificado com a soja RR, a chamada soja Maradona, em que grande contingente de agricultores da região Sul do Brasil plantou e colheu soja GM de forma ilegal. Esse fato gerou a necessidade do governo editar a Medida Provisória 133/2003, convertida na Lei no 10.688/2013.

5. Todas as normas de avaliação de biossegurança foram cumpridas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança;

6. O processo administrativo foi rigorosamente observado com ampla publicidade pelos canais oficiais;

7. A análise de risco feita pela Comissão não identificou qualquer elemento que indicasse aumento do risco do Trigo HB-4 em relação ao trigo convencional.

Os reclamantes não apresentam elementos ou informações que ensejem nova avaliação de biossegurança por parte da CTNBio. A decisão sobre a conveniência e oportunidade da adoção da tecnologia ora aprovada pela Comissão está no escopo das competências do Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, não sendo recomendado por essa assessoria o provimento deste recurso.

No link abaixo é possível ler a íntegra do parecer que analisou o pedido de liberação, uma ata de reunião do órgão e a manifestação cujos trechos são acima transcritos.

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