Dow AgroSciences destaca novos híbridos de milho para o 17º Show Tecnológico da Fundação ABC
Não há argumento, atualmente, à luz do conhecimento existente nos campos da história, da antropologia, da arqueologia e da evolução biológica, dentre outros, que conteste o fato de que a vasta riqueza em variabilidade genética existente nas diversas espécies, em especial as cultivadas, tem como elemento central o trabalho desenvolvido por agricultores, como são reconhecidos nos tempos recentes os catadores e coletores de tempos mais remotos.
Desde o advento da agricultura, há cerca de 10 mil anos, instalou-se na consciência do homem a necessidade de identificar e consequentemente preservar as plantas aptas a garantir o seu sustento, concretizando, desta forma, a noção de necessidade à sobrevivência, esta, o mais profundo elemento a direcionar a conduta humana.
Reflexo da manifestação do determinismo genético, comumente expresso como “vocação”, surgiram aqueles indivíduos que, naturalmente, tomaram a si a tarefa de selecionar e conservar as “seleções” de plantas e animais mais adequados a suprir as necessidades dos agrupamentos humanos em processo de adaptação aos diversos habitats para onde migrou, surgindo, assim, as populações que contemporaneamente se convenciona, no caso de plantas, como cultivares crioulas, ou “land races”. Estes agricultores hoje em dia são identificados como “guardiões de sementes”.
A partir do século XX, com a redescoberta das Leis de Mendel em 1900, simultaneamente por Hugo de Vries, da Holanda; Carl Correns, da Alemanha e Erich Tschermak von Seysseneg, da Áustria, formou-se uma nova ciência: a genética. Com o rápido entendimento de sua importância e consequente aplicação, surgiram inúmeras ciências dela derivadas. Assim, as atividades relativas ao desenvolvimento de novas cultivares assumiram um novo caráter, complementar àquele praticado pelos guardiões, que era baseado puramente na observação cotidiana sobre o comportamento das plantas em sua interação com o ambiente. O desenvolvimento de cultivares assume, então, o caráter científico, passando esta nova ciência a ser conhecida como “melhoramento genético”, ou simplesmente “melhoramento de plantas”. Ao incorporar o reconhecimento da necessária sensibilidade praticada no processo de seleção por parte dos melhoristas de plantas primitivos, a nova ciência teve associada a ela o conceito de arte. Desta forma, por esta dupla conceituação, o melhorista acumula características não apenas científicas como também artísticas.
Até o advento do melhoramento de plantas como ciência foram sendo acumuladas nos diversos ambientes as cultivares desenvolvidas pelos guardiões de sementes, fenômeno que perdura até os dias atuais. Este acervo passou a ser objeto de busca por expedições muitas vezes organizadas sob a chancela de governos, face ao reconhecimento do potencial valor econômico que o caracteriza.
Assim, a coleta de germoplasma vegetal sob a égide oficial começou de forma massiva no século XIX. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde 1836 até 1862, quando foi criado o Departamento de Agricultura (USDA), o U.S. Patent Office distribuiu plantas e sementes obtidas no exterior para agricultores americanos. Em 1898 o USDA iniciou o processo de incentivo à coleta e introdução de novos cultivos e cultivares (National Research Council, 1993). Em pleno século XX, na década de 1960, com a criação de centros internacionais destinados, dentre outras razões, a servirem de repositórios do germoplasma das principais espécies alimentares, sob os auspícios das Nações Unidas, houve uma intensa atividade de coleta deste germoplasma nos mais diversos locais do planeta. Como resultado, por exemplo, o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), localizado na Colômbia, abriga mais de 40 mil acessos do gênero Phaseolus e mais de 6 mil de mandioca, obtidos em 28 países, dos quais 883 são de espécies selvagens; por sua vez, o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT), localizado no México, conserva cerca de 140 mil acessos do gênero Triticeae oriundos de mais de 100 países, além de 28 mil acessos de milho.
O Brasil, pela diversidade ambiental, pelo processo histórico de ocupação do território por distintos grupos étnicos (indígenas, europeus, africanos e asiáticos) e pela vasta área agricultável que possui, detém vasto patrimônio genético, reconhecido internacionalmente, ao ponto de ser considerado pelas Nações Unidas como um dos 17 países megadiversos do planeta. Além das espécies nativas, como mandioca, caju e erva-mate, esta diversidade encontra-se também nas diversas espécies exóticas que se transformaram nas principais fontes alimentares da população brasileira, como feijão, milho, trigo e arroz, dentre outras. O testemunho deste fato pode ser encontrado em feiras de sementes crioulas realizadas nos municípios com produção primária, no âmbito da agricultura familiar, nos diversos estados brasileiros.
No Rio Grande do Sul vários municípios conduzem suas feiras de sementes crioulas. Muitas vezes estas feiras são organizadas pelas respectivas prefeituras; outras vezes, por organizações de produtores, associadas, ou não, à Emater estadual. Invariavelmente, apresentam uma riqueza muito grande em termos de cultivares, mas também sob o ponto de vista cultural, já que, conjuntamente com a semente, há o conhecimento associado relativo ao seu uso, incluindo a forma de preparo e a adequação para determinado fim, que frequentemente são específicos de uma dada cultivar. Durante estas feiras estabelece-se o processo de interação entre os participantes, o que, na prática, resulta no intercâmbio simultâneo de cultivares e conhecimentos. A identidade cultural é preservada e ampliada. A segurança alimentar encontra aí uma forma simples e efetiva de preenchimento.
A Embrapa Clima Temperado na esfera de seu projeto de sementes crioulas tem contribuído na organização e realização destas feiras. Tem participado do intercâmbio de germoplasma de diversas espécies com que tem desenvolvido pesquisas, ampliando a base genética destes cultivos, diminuindo como consequência a vulnerabilidade dos mesmos e ampliando a possibilidade de identificação de uma nova alternativa de mercado. Simultaneamente, contribui para uma diminuição dos processos de erosão genética, ao mesmo tempo de erosão cultural, e para uma maior segurança alimentar.
De modo geral, a população urbana tem participação nestas feiras. Tal aproximação entre as populações rurais e urbanas propicia a estas um melhor entendimento da importância da atividade agrícola bem como das práticas agroecológicas, comuns entre os agricultores familiares, particularmente, entre os guardiões de sementes. Ainda, como fator adicional, aproximam o consumidor do produtor, oferecendo uma nova alternativa de fluxo de mercado.
Definitivamente, as feiras de sementes, pelos inúmeros aspectos favoráveis, constituem-se em um instrumento de promoção da harmonia da sociedade ainda não devidamente valorizado. De outra forma, também resultam ser um instrumento direcionado ao atingimento dos diversos aspectos que compõem a sustentabilidade em sua forma integral.
O entendimento deste papel que as feiras de sementes crioulas desempenham foi o que levou o projeto “Sementes Crioulas” da Embrapa Clima Temperado a não apenas contribuir na organização e realização das mesmas, mas também a propor junto às prefeituras a sua organização onde ainda não existem.
Finalmente, a instituição de políticas públicas em nível federal que apoiassem a promoção das feiras levaria ao estabelecimento de uma rede informal que se constituiria com certeza de base a uma maior segurança alimentar, contribuindo decisivamente para a soberania nacional.
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