Técnica deve aumentar produção cafeeira em 20%
Corria o ano de 1963, em Ibirarema, SP, onde o Engº Agrº Waldimir Coronado Antunes era então chefe da Casa de Agricultura, subordinada à CATI - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo .
Em sua Fazenda Bom Retiro, nesse mesmo município, havia semeado um campo de feijão da variedade Chumbinho, cuja casca do grão tem a coloração típica marrom-escura. Passado um tempo o Sr. Waldimir e também um tio perceberam alguns feijões “manchados de preto e marrom” nessa lavoura. Devido à sua capacidade de percepção das coisas do campo e à curiosidade profissional, fez uma experiência prática, semeando uma área só com esse material. Percebendo que essas “novas” plantas eram mais resistentes, menos suscetíveis às doenças e mais produtivas, fez seleção massal, acreditando se tratar de uma mutação genética natural.
Desejando compartilhar essa “nova variedade” com outros produtores rurais de Ibirarema, o Sr. Waldimir fez sozinho a multiplicação, mantendo as características originais daquele novo tipo de feijão, e distribuiu saquinhos de 1 kg de sementes. Inicialmente foram recebidos com certa desconfiança pelos agricultores por serem considerados “manchadinhos”, já que os grãos de feijão consumidos naquela época eram de uma só cor. Com o passar do tempo, entretanto, esses agricultores começaram a ficar entusiasmados com a “nova” variedade, devido às suas qualidades agronômicas.
Decidiram batizá-la com o nome ‘Carioca’ depois que um dos empregados do Sr. Waldimir percebeu a semelhança entre a aparência dos grãos e a dos porcos criados naquela época na fazenda, conhecidos por tal nome porque possuíam manchas escuras na pele sobre fundo de cor clara. Aliás, por muito tempo esse nome tem sido equivocadamente atribuído à famosa calçada de Copacabana, no Rio de Janeiro, o que não corresponde à verdade dos fatos.
Já em 1966, o Sr. Waldimir entregou amostras dessa “variedade” Carioca ao Engº Agrº Jacob Tosello, diretor da DIRA de Presidente Prudente, à qual era subordinada a Casa de Agricultura de Ibirarema. Este, por sua vez, as enviou para seu irmão, o Sr. André Tosello, também agrônomo e que trabalhava no Instituto Agronômico – IAC, em Campinas, SP. As sementes foram então recebidas no IAC em agosto desse mesmo ano, pelo Engº Agrº Shiro Miyasaka, pesquisador e chefe da então Seção de Leguminosas. Essa amostra de feijão foi oficialmente catalogada na coleção de plantas do IAC como variedade “carioca”, recebendo o número de introdução I-38700.
O Dr. Miyasaka se empenhou decisivamente para a adequada avaliação desse material, designando para tal o pesquisador Engº Agrº Luiz D’Artagnan de Almeida, responsável direto pelas avaliações regionais iniciais, pela multiplicação dessa variedade e para seu futuro lançamento.
Conforme relatado em ata de reunião da Comissão Técnica de Leguminosas da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, realizada em 03 de outubro de 1968, no prédio da então Seção de Leguminosas do IAC, um dos tópicos discutidos foi o plano de multiplicação de sementes de feijão, concluindo-se pela “inclusão da variedade Carioca, levantando a premissa de sua não aceitação;...”. Porém, ainda nessa mesma reunião, o pesquisador Miyasaka, que era presidente dessa Comissão, destacou: “a alta produção que a nova variedade ‘Carioca’ apresentou em ensaios” e o pesquisador D’Artagnan “realçou as boas características dessa variedade”.
Cabe ressaltar que, mesmo entre alguns membros dessa Comissão Técnica de Leguminosas havia alguma restrição e receio quanto à inclusão desse novo material para multiplicação pelo Departamento de Sementes e Mudas da CATI, devido à possível não aceitação pelos agricultores e consumidores. Isso porque, naquela época, era bastante difícil a introdução e oferta de variedades com sementes cujo tegumento fosse de coloração “pintada” ou “rajada”, como no caso do ‘Carioca’.
O Engº Agrº Alaor Menegário, extensionista rural da CATI, também presente à essa reunião da Comissão anteriormente mencionada, estava um pouco receoso mas prevaleceu sua sugestão para uma campanha de esclarecimento junto ao lavrador e ao consumidor, conforme constado na referida ata.
Os pesquisadores do IAC, D’Artagnan, Hermógenes Freitas Leitão Filho e Shiro apresentaram um trabalho preliminar descritivo das características botânicas, agronômicas e culinárias do feijão Carioca, já então considerado um novo cultivar, no 3º Encontro de Técnicos em Agricultura, realizado de 21 a 23 de agosto de 1968, em Serra Negra, SP. Nessa primeira apresentação pública do ‘Carioca’ os pesquisadores comprovaram a produtividade, a resistência às doenças prevalentes na época e as qualidades culinárias desse feijão após avaliações preliminares.
Em 1969 foi oficialmente lançada a variedade Carioca, sob a responsabilidade direta do pesquisador D’Artagnan, do IAC, sendo incluída no projeto de produção de sementes básicas da CATI e em um plano de distribuição de amostras de sementes. Divulgou-se um folheto demonstrativo das características do novo cultivar, sobretudo para os agricultores da região Sudoeste do Estado de SP, em que se concentravam 60% da produção estadual de grãos de feijão naquela época. Foi também distribuído um folheto de quatro páginas, de autoria de D’Artagnan, destinado às donas de casa, em que eram apresentadas as qualidades culinárias do feijão Carioca, algumas instruções sobre o preparo do “feijão” propriamente dito, consumido diariamente pela população brasileira, e receitas de salada e de dobradinha com os grãos desta variedade.
Em meados de 1970, D’Artagnan escreveu uma matéria sobre a variedade Carioca no Suplemento Agrícola do jornal “O Estado de São Paulo”, de alcance nacional.
Em 1971 foi publicada uma Nota em Bragantia, revista científica do IAC, intitulada “Características do feijão Carioca, um novo cultivar”, de autoria dos pesquisadores D’Artagnan, Hermógenes e Shiro, do IAC. Nela foram relacionados os resultados constatados em 22 experimentos regionais de competição de variedades de feijoeiro, desenvolvidos desde a safra da seca de 1967 até 1969, em todo o Estado de São Paulo, sendo evidente a destacada produtividade em grãos do ‘Carioca’ em 15 deles. Cabe lembrar que, naquela época, as variedades mais cultivadas neste Estado eram Bico-de-Ouro e Rosinha G-2, cujo tegumento de grãos era de coloração uniforme.
De 1970 a 1975 foi confirmado o desempenho inicial desse novo cultivar tanto na produção de sementes genéticas e básicas quanto na sequência de experimentos desenvolvidos nas principais regiões produtoras e nas duas safras (águas e seca) tradicionais de cultivo dessa leguminosa no Estado de São Paulo.
Cabe aqui ressaltar o empenho e a determinação de Shiro e D’Artagnan, em assumirem oficialmente a responsabilidade inicial daquela Comissão Técnica de Leguminosas, que incluiu essa nova variedade na relação das que seriam multiplicadas. Posteriormente, esses pesquisadores do IAC e também Alaor Menegário, da CATI, em profícuo trabalho de integração do serviço público da Secretaria de Agricultura, tiveram papel relevante no trabalho de divulgação dessa variedade pelo Estado, inclusive distribuindo saquinhos de sementes para avaliação própria entre os agricultores, muitos deles ainda incrédulos, devido ao hábito alimentar da população paulista, exigente em variedades com sementes de coloração única no tegumento.
Essa divulgação do ‘Carioca’ foi também possível por conta das centenas de experimentos, dos campos de demonstração e de outras atividades de difusão e de transferência de tecnologia, das quais resultaram o conhecimento e a adoção dessa nova variedade pelos produtores paulistas e também de outros estados brasileiros.
Já em 1976, Carioca era o cultivar de feijão mais cultivado e comercializado no Estado de São Paulo, além de ser o mais consumido e aceito pelo mercado.
Em 1977 foi distribuído gratuitamente pelo IAC um folheto sobre a cultura do feijão, de autoria de D’Artagnan e em que se recomendavam os cultivares Carioca, Aroana, Rosinha G-2, Piratã-1, Goiano Precoce e Moruna para “plantio”, como sendo de “boa capacidade produtiva e de aceitação no mercado consumidor”.
Com a criação do Programa de Feijão Irrigado do Estado de São Paulo em 1980, o cultivar Carioca passou a ser o mais cultivado nas duas safras vigentes: “águas” e “seca” e também na “de inverno“, esta viabilizada na época pelo referido Programa.
De 1980 até os dias atuais o cultivar Carioca ou ‘Carioquinha’, como foi carinhosamente apelidado, passou a ser cultivado na maioria dos Estados brasileiros, assim como outros cultivares que dele se originaram (‘Carioca’ como parental), nos diversos programas de melhoramento em desenvolvimento no país e no CIAT- Centro Internacional de Agricultura Tropical, em Cali, Colômbia. Esta, inclusive, é uma renomada instituição internacional de pesquisa direcionada aos estudos de aplicação da ciência para a erradicação da fome e da pobreza nos países em desenvolvimento, sob os auspícios do Grupo Consultivo em Pesquisa Internacional na Agricultura (CGIAR - Consultative Group on International Agricultural Research).
Em interessante artigo de JANSSEN et al., de 1992, relatou-se o cultivo do ‘Carioca’ em 48% da área avaliada nos Estados de Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro, inclusive, como cultivar referencial nesse estudo.
Em folheto informativo de 2000, de autoria de D’Artagnan, então apelidado “o pai do Carioquinha”, são detalhadamente relatados os inúmeros reflexos da adoção do feijão Carioca.
Ainda em 2000, em edição especial do Informativo CATI, comemorativa dos 33 anos dessa instituição pública, foi divulgada a matéria “Feijão Carioca: o segredo de um sucesso”, em que foi relatada toda a saga inicial da descoberta desse importante cultivar de feijão (PINHEIRO, 2000).
Em reportagem sobre o feijão Carioca, divulgada no programa televisivo Globo Rural, em meados de 2007, pesquisadores do CIAT reconheceram a importância desse cultivar, enfatizando sua eficaz inclusão nos programas de melhoramento desenvolvidos atualmente naquele Centro.
Em 21 de outubro de 2008, na abertura do IX Congresso Nacional de Pesquisa de Feijão, realizado em Campinas, SP, o pesquisador Eduardo Antonio Bulisani, do IAC, proferiu uma palestra intitulada “Feijão Carioca – uma história de sucesso”. Na ocasião, evidenciou a “importância do Carioca tanto na vertente empresarial da feijoicultura brasileira quanto para a agricultura de subsistência e dos pequenos produtores, que teriam se beneficiado das vantagens intrínsecas do cultivar e daquelas extrínsecas relacionadas à generalizada modernização dos mais variados sistemas produtivos”. Bulisani ainda ressaltou que, “passados dez a quinze anos de seu lançamento e difusão, a notação técnica ‘cultivar Carioca’ já não mais poderia ser propriamente aplicada, pois os inúmeros programas de melhoramento genético vegetal brasileiros, usando o cultivar carioca como um dos parentais, disponibilizaram aos produtores e ao mercado consumidor algumas dezenas de novos cultivares com grãos do tipo dos do Carioca, que foram substituindo o genoma inicial, cada qual com peculiaridades próprias, especialmente de produtividade, resistência a pragas e moléstias, e arquitetura de planta mais adequada à colheita mecanizada, porém mantendo os grãos a forma, a cor e qualidade culinárias do material original...”.
Esta é, definitivamente, uma história de quase meio século de sucesso de um cultivar de feijão!
Engenheira Agrônoma, pesquisadora científica VI, Doutora, Instituto Agronômico – IAC, Centro de Grãos e Fibras - Leguminosas; Campinas, SP, fone: (19) 3202-1667;
Engenheiro Agrônomo, pesquisador científico VI, Doutor, aposentado, servidor voluntário, Instituto Agronômico – IAC, Centro de Grãos e Fibras - Leguminosas; Campinas, SP, fone: (19) 3202-1766;
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura