Artigo - Biosseguridade: A crédula imagem de que Deus é Brasileiro

08.11.2008 | 21:59 (UTC -3)

Mais uma notícia nos jornais internacionais que passa desapercebida no Brasil. No dia 2 de Novembro p.p. o Jornal inglês “Guardian” divulgou na sua página de Ciência notícia de que terroristas tentaram se infiltrar em laboratórios britânicos para obter material biológico potencialmente patogênico. Os terroristas se passavam por estudantes de pós-graduação e objetivavam também obter informações de como processar esses materiais visando repassá-los para grupos terroristas.

Uma rápida pesquisa na internet sobre disponiblidade de material biológico de elevado risco nos mostra inúmeras citações de tentativa de roubo de material que pode por em risco a segurança do planeta. Afinal, o micróbio não vê fronteiras!

É claro que essas notícias são veiculadas na maioria das vezes apenas por jornais estrangeiros, dando-nos a falsa impressão de que no Brasil isto não ocorre, porque Deus é brasileiro! Será que este fato não deixa evidente que não temos mecanismos de controle desses materiais em nossos laboratórios e tampouco mecanismos de notificação? Será que temos mecanismos de salvaguarda suficientes para garantir que esses materiais de elevado risco jamais cairão em mãos com interesses escusos?

Os laboratórios brasileiros tanto nas universidades como nos setores de saúde pública e agrícola manuseiam organismos e toxinas de grande impacto para a saúde humana, animal e para o meio ambiente. A emergência e re-emergência de doenças faz com que diariamente os laboratórios de diagnóstico manipulem amostras suspeitas contendo vírus desconhecidos que podem causar sérios impactos. Podemos a título de exemplo citar apenas um microorganismo que ao ser descoberto causou de imediato a contaminação dos profissionais que manipulavam a amostra, levando inclusive à óbito. Este caso aconteceu no Brasil em 1990, quando do primeiro isolamento do vírus Sabiá (que causa efeito semelhante ao do vírus Ebola) e que ao ter seu isolamento pela primeira vez em amostra de paciente com sintomas de doença desconhecida, causou a contaminação de dois profissionais do laboratório. Pouco, ou quase nada se falou sobre este incidente no Brasil, que ficou restrito a comunidade científica, assim como inúmeras outras situações que nós pesquisadores temos conhecimento, mas que a imprensa brasileira sequer noticia. Entretanto, na mesma época, acidente com o mesmo vírus Sabiá na Universidade de Yale, nos Estados Unidos foi amplamente noticiado em jornais e revistas americanas. Hoje sabemos que inúmeros casos com o vírus Sabiá ocorrem no Brasil e que este vírus é classificado como risco 4, que exige nível de contenção máxima (o Brasil não dispõe de laboratório com este rquesito). Onde essas amostras são guardadas no Brasil? Será que temos a certeza de que elas estão em local onde nunca pessoas estranhas terão acesso às mesmas? Aqui estamos dando apenas um exemplo, dentre milhares de situações e agentes biológicos de risco, tais como cultivos de Mycobacterirum tuberculosis, cepas multiresistentes a drogas, inúmeros vírus de elevado potencial de risco, como vírus de febres hemorrágicas, dentre outros podem ser encontrados armazenados em vários laboratórios do Brasil.

Será que estamos preparados para enfrentar ameaças de uso indevido desses agentes de risco? Será que não seria importante gerarmos uma consciência junto à comunidade científica e junto aos profissionais que manipulam material biológico de elevado risco da sua responsabilidade sobre a guarda desses materiais. Será que os dirigentes e administradores dessas instituições não teriam que levar mais a sério o compromisso com a sociedade de não permitir que esses materiais sejam usados por pessoas que queiram promover atos ilícitos. Será que as instituições brasileiras acham que atentados bioterroristas nunca acontecerão no Brasil porque “o brasileiro é da Paz”? Será que não temos que nos preocupar que se um terrorista não consegue obter o material biológico que precisa em laboratórios de países desenvolvidos, como aconteceu recentemente na Inglaterra, não poderia obtê-lo facilmente aqui no Brasil e usar onde quiser usar? Isto deve ou não estar na agenda dos dirigentes e autoridades brasileiras e, sobretudo, contar com o apoio da mídia para gerar uma consciência que ainda é bastante incipiente no Brasil?

O Brasil como signatário da Convenção de Proibição de Armas Biológicas, deve encarar com seriedade a urgente importância de fortalecimento das ações não apenas de Biossegurança, mas de Biosseguridade no Brasil, sobretudo no que diz respeito a possibilidade de uso duplo de materiais e resultados obtidos em suas pesquisas.

Pesquisadora em Biossegurança e Biosseguridade, Presidente da Associação Nacional em Biossegurança- ANBio.

E-mail:l.oda@uol.com.br

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