Rede de pesquisa em cana que reúne 22 instituições inicia nova fase

A Rede integra o projeto Pluricana, cujo objetivo é gerar informações e tecnologias para o setor sucroenergético

24.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Irene Santana

Desenvolver pesquisas que gerem informações e tecnologias importantes para o setor sucroenergético é o principal objetivo do projeto Plurianual de Pesquisa em Cana-de-açúcar – o Pluricana – que inicia a sua Fase II em 2020. Após seis anos de duração da Fase I, o projeto foi remodelado para incluir novas linhas de pesquisa, prospectadas junto ao setor e identificadas como ações prioritárias a curto, médio e longo prazo. 

“Acreditamos que os produtos e tecnologias derivados da Fase II devem apresentar um elevado potencial para melhorar os índices de produtividade do setor de forma sustentável”, afirma o líder do projeto e pesquisador da Embrapa Agroenergia Hugo Molinari.

Para cada nova linha de pesquisa, foram selecionadas ações que na Fase I apresentaram elevado impacto no desenvolvimento científico e possibilidades concretas de aplicação pelo setor sucroenergético. 

As cinco novas linhas temáticas que integram a segunda fase da pesquisa são: Pré-melhoramento, Melhoramento, Sistemas de produção, Biotecnologia e Insumos Biológicos. Saiba mais sobre cada uma delas.

Pré-Melhoramento

As mudanças climáticas e o avanço da cultura para regiões não convencionais exigem dos programas de melhoramento o desenvolvimento de novas variedades com adaptações, estabilidade, rendimento e qualidade e tolerância aos estresses bióticos e abióticos.

Para atender essa necessidade, os pesquisadores pretendem desenvolver uma coleção elite de cana-de-açúcar para realizar cruzamentos específicos que gerem germoplasma mais adaptado às atuais demandas de melhoramento e variedades superiores.

Para isso, explica o pesquisador Sérgio Delmar, da Embrapa Clima Temperado, será feita a caracterização das coleções de trabalho dos bancos ativos de germoplasma e o intercâmbio de material genético com instituições internacionais e empresas privadas para o enriquecimento e manutenção desses bancos. 

“As atuais variedades comerciais de cana-de-açúcar são híbridos originários da combinação de diversos gêneros e espécies, o que torna difícil estudar a genética da cultura”, justifica. 

Outra estratégia de ação inclui a Seleção Genômica Ampla (GWS). O pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), Alexandre Coelho, explica que os estudos genômicos têm potencial para aumentar o ganho genético entre os ciclos de melhoramento, realizar seleção precoce, reduzir custos e o tempo requerido para o lançamento de novas cultivares. 

A pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Patrícia Abrão de Oliveira, destaca a importância de análises em tempo real para avaliar a qualidade da cana na fase de pré-melhoramento. De acordo com Patrícia, esses estudos, desenvolvidos a partir do método de espectroscopia no infravermelho próximo, permitem definir características importantes para o melhoramento, já que oferecem uma espécie de “fotografia da biomassa da planta”.

Outra linha de ação será o desenvolvimento de germoplasma obtido por cruzamentos interespecíficos utilizando tipos ancestrais do gênero Saccharum, o que contribui para o desenvolvimento de novas variedades de cana-de-açúcar para atender a diversos fins como teor de açúcar, etanol 1G, etanol 2G, alimentação animal e co-geração. 

Dentro desta linha de pesquisa, também será feita a avaliação agronômica e tecnológico-industrial de uma cultivar de sorgo sacarino para a produção de etanol. “A fase I do projeto alcançou resultados expressivos que colocam este material como uma alternativa para a produção de etanol”, conta a pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo Maria Lúcia Simeone. Também será avaliado o desempenho do sorgo biomassa para a cogeração de energia e produção de biogás.

Melhoramento: Nesta linha temática, será criada uma Rede Nacional e Interinstitucional para a avaliação e caracterização de clones avançados, pré-variedades e variedades dos programas de melhoramento de cana-de-açúcar do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e RIDESA (UFPR, UFG, UFMT, URRRJ, UFV, UFAL, URRPE e UFPI). 

Serão efetuadas as análises estatísticas dos dados de produtividade (tonelada de colmos/hectare), teor de açúcar (pol% cana), produtividade de açúcar (tonelada de pol/hectare), fibra%colmo, índice de queda de produtividade de soqueira (Q%), capacidade de perfilhamento e brotação sob colheita mecanizada, número de colmos/metro linear e peso médio dos colmos.

“Também serão avaliados atributos como hábito de crescimento, tolerância a seca e a pragas e doenças, em especial as ferrugens marrom (Puccinia melanocephala) e alaranjada (Puccinia kuehnii) e o carvão da cana (Sporisorium scitamineum)”, complementa o pesquisador da RIDESA/UFAL, Geraldo Veríssimo Barbosa. 

“No total, iremos executar seis experimentos nas regiões Centro-Sul e Nordeste, em colheita precoce e média/tardia”, explica o pesquisador Marcos Landell, do IAC/Ribeirão Preto.

“Os resultados permitirão ranquear os materiais mais exigentes a nutrientes ou menos exigentes em relação a adubação e, também, entender qual a época de maior requerimento de cada nutriente. Esses resultados aliados a índice de área foliar a ser determinado também em cada amostragem, alimentarão modelos matemáticos que identificarão o desempenho de cada material em ambientes diversificados”, complementa Santiago Vianna Cuadra, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, sediado na Informática Agropecuária.

Sistemas de produção

Por meio do estudo de novas estratégias de produção, o projeto pretende recomendar práticas de plantio, manejo e irrigação voltadas para o aumento de produtividade envolvendo maior aporte de matéria orgânica no solo em ambientes restritivos, reposição de falhas em socas mais antigas e irrigação em sistemas com o uso de Mudas Pré-brotadas (MPB).

“No cenário mundial, o Brasil ocupa historicamente a liderança na produção da cana-de-açúcar, porém não apresenta este mesmo destaque quando o assunto é produtividade de colmos. Inclusive, na última década foram observados decréscimos nesse parâmetro em várias áreas tradicionais de produção, dentre elas a do estado de São Paulo, que é o maior produtor nacional”, afirma a pesquisadora Raffaella Rossetto, do IAC/Ribeirão Preto. 

Por isso, antes do início da pesquisa será realizada uma análise crítica de variáveis técnicas e econômicas que afetaram a produtividade da cana-de-açúcar na última década. "Há grande especulação a respeito da contribuição do material genético e do clima nesta questão, porém o que se verifica é um consenso a respeito da necessidade de maior desenvolvimento/otimização de tecnologias envolvendo sistemas de produção”, explica a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Nilza Patrícia Ramos.

Outros questionamentos levantados pelo setor envolvem temas relacionados às práticas mais sustentáveis de manejo e seus impactos sobre o meio ambiente, como a perda de carbono estocado em solos de diferentes texturas e condições climáticas em função da reforma do canavial, os impactos do uso de MPB e sua real necessidade de irrigação e outras informações que poderão ser empregadas em atualizações da RenovaCalc junto ao programa ReonavaBio, além de embasarem decisões de uso do setor produtivo.

Outro objetivo é entregar dois produtos de aplicação direta em campo, sendo um deles uma escala diagramática para avaliação de doenças foliares e um teste prático e rápido que permita selecionar cultivares quanto ao aproveitamento de nitrogênio. 

“Já para apoio a ações que envolvem controle de pragas, o objetivo é entregar uma metodologia de criação de Sphenophorus Levis (Bicudo-da-Cana), em condições laboratoriais, o que atualmente é um gargalo para avanços rápidos na pesquisa com esta praga”, afirma o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Dori Edson Nava.

A última ação prevista envolverá a recomendação de práticas de enriquecimento e estruturação da matéria orgânica do solo em ambientes restritivos, como solos arenosos. A melhoria destes ambientes é essencial para viabilizar uma possível nova expansão da cultura, principalmente sob áreas de pastagens degradadas.

Biotecnologia

A engenharia genética é amplamente empregada no controle de insetos-pragas e no manejo das plantas invasoras nas culturas de soja, milho e algodão no Brasil, correspondendo a 94% da área total cultivada. Entretanto, em cana-de-açúcar, este desenvolvimento está atrasado, sendo que o único caso disponibilizado até o momento está relacionado a duas variedades comerciais transgênicas de cana desenvolvidas pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) de Piracicaba (SP), resistentes à Broca-do-colmo.

“É fundamental que o setor público desenvolva suas próprias variedades embarcando tecnologias que beneficiem o produtor, aumentando a rentabilidade por unidade de área”, explica o pesquisador da Embrapa Agroenergia, Adilson Kobayashi.

Para avançar nas pesquisas com engenharia genética para a cultura, o projeto pretende criar eventos elites transgênicos de variedades comerciais com alto desempenho em casa-de-vegetação/campo para resistência a herbicidas, pragas, aumento da digestibilidade da biomassa e maior teor de açúcar.

Para isso, serão utilizadas técnicas de transgenia convencional e de edição gênica por CRISPR. “Nesta fase II, vamos testar em campo eventos com tolerância a déficit hídrico, tolerância a herbicidas e alteração da biomassa para fins industriais”, afirma o pesquisador da Embrapa Agroenergia, Hugo Molinari. 

Insumos Biológicos

Nesta linha de pesquisa, o objetivo será criar novos produtos biológicos de ação múltipla, compostos por um conjunto de espécies/estirpes e componentes que maximizem o desempenho de cultivares de cana-de-açúcar, permitindo tanto a promoção de crescimento como o controle de patógenos. Em 2019, a Embrapa lançou o primeiro produto contendo uma estirpe selecionada para uso em cana, o Nitrospirillum amazonense, fruto da Fase I do Pluricana.

Segundo a pesquisadora Verônica Massena Reis, da Embrapa Agrobiologia, ações como essa são necessárias frente a diferentes desafios que a agricultura irá enfrentar nos próximos anos, como as mudanças climáticas, a escassez de recursos naturais, a utilização de insumos de fontes finitas e o rápido crescimento da população humana. 

“Todos esses fatores tem levado os cientistas a buscarem alternativas que usem os recursos naturais de forma mais eficaz e com maior longevidade, capitalizando características microbianas que são benéficas para o hospedeiro ou para o ambiente ou ambos”, diz a pesquisadora.

A linha de pesquisa também está alinhada ao Programa Nacional de Bioinsumos, lançado em maio de 2020 para estimular a pesquisa, produção e uso de produtos biológicos na agropecuária, e aos objetivos da Biocoalizão pró-biocombustíveis, uma iniciativa das frentes parlamentares do Biodiesel e pela Valorização do Setor Sucroenergético lançada no início do mês para incentivar o uso de biocombustíveis como instrumento de protagonismo brasileiro no mundo pós-pandemia de Covid-19.  

Rede Pública de Pesquisa em cana-de-açúcar 

Um dos pontos fortes do projeto é a união de 22 instituições de pesquisa e suas equipes numa Rede Pública de Pesquisa em Cana-de-açúcar, unindo os principais players que atuam em prol do setor sucroenergético. Fazem parte da rede nove unidades de pesquisa da Embrapa, oito universidades ligadas à RIDESA (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético), duas universidades públicas e dois institutos agronômicos.

São eles: Embrapa Agroenergia (coordenadora), Agropecuária Oeste, Clima Temperado, Tabuleiros Costeiros, Milho e Sorgo, Agrobiologia, Meio Ambiente, Gado de Leite e Recursos Genéticos e Biotecnologia. 

As universidades ligadas à RIDESA são: Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Fazem parte ainda a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).

O projeto Pluricana é totalmente financiado pela FINEP, empresa pública brasileira de fomento à ciência vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e terá duração de três anos. 


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