Produção de alface crespa em plantio direto

Uso da palhada de sorgo sobre solo pode favorecer o cultivo de alface crespa por proporcionar menor infestação de ervas daninhas e outros benefícios

29.05.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

As hortaliças possuem uma grande representatividade no cenário nacional agropecuário. Uma cultura que se destaca é a alface (Lactuca sativa), hortaliça com produção de folhas cuja área plantada é estimada em torno de 35 mil hectares (1 hectare equivale a 10.000 m2). Dados de Costa e Sala (2005) dão conta de que este mercado, desde a produção de sementes à comercialização em feiras e grandes redes de supermercados, está na casa dos dois milhões de dólares por ano.

As cultivares que possuem maior aceitação na mesa do consumidor brasileiro são do grupo crespa, que lidera o ranking, com um nicho de mercado que possui uma fatia com mais de dois terços (2/3) da cadeia. Americana e lisa possuem de 10% a 15%, respectivamente.

Sua estrutura fisiológica depende de recursos imediatos, com uso de fertilizantes tanto de solo como foliar, pois possuem baixa duração no período vegetativo. Seu florescimento é rápido e com grande capacidade de produção de sementes, além de possuir alto número de folhas e massa da planta. Estes fatores estão relacionados ao fotoperíodo e principalmente à temperatura. Autores citam que temperaturas acima de 20ºC podem causar pendoamento precoce, tornando inservível a planta para o consumo.

Como este mercado está em franca expansão, muitas empresas têm utilizado seus departamentos de pesquisas para aprimorar e desenvolver novas cultivares, com adaptabilidades a climas específicos.

Um dos problemas encontrados pelos produtores reside no fato de que as hortaliças, na maioria das vezes, são plantas suscetíveis ao sol, ou seja, não são tolerantes a altas temperaturas, por isso o uso de produção em áreas cobertas. Outros fatores que impedem o produtor de obter altas produções é a incidência de ervas daninhas e a baixa retenção de água para as raízes.

Com um clima propício, o Paraná tem uma vasta área de produção de hortaliças e é o terceiro maior produtor do Brasil. Trabalhos como de Trintin (2001), Rodrigues et al (2004), Sereia et al (2002) apresentaram grande importância para a agropecuária estadual, movimentando grandes volumes de dinheiro. Um salto na representatividade do estado reside na adesão ao plantio na palha de grandes culturas, como a soja e o milho, que posteriormente pode abranger outras culturas.

O plantio na palha é conhecido como sistema de plantio direto, que consiste em uma cadeia de operações tanto no solo, como na planta, que traz muitos benefícios para o desenvolvimento geral das culturas. Um dos princípios para que o SPD possa ter eficácia é a cobertura do solo, evitando assim diversos problemas no transcorrer do desenvolvimento das plantas, como as infestações de daninhas, a redução do peso e velocidade das gotas de chuva, o aumento na liberação da matéria orgânica por completo no solo, dentre outros fatores.

Esta união de fatores melhora o sistema completo dos atributos físicos, químicos e biológicos do solo. Alguns autores, como Alvarenga et al (2001), deixaram claro que a palhada sobre o solo é fundamental para que o SPD possa ter eficácia e aumento na eficiência do desenvolvimento do solo e da planta. Esta palhada cria um ambiente favorável às condições físicas, químicas e biológicas do solo, contribuindo para o controle de plantas daninhas, a estabilização da produção e a recuperação ou manutenção da qualidade do solo. Diversas são as variedades de plantas que podem atuar como cobertura do solo (palhada).

Em geral, as leguminosas são preferidas, além de ser consideradas adubos verdes, por possuir alto poder de aproveitamento do nitrogênio atmosférico. Possuem também um sistema de raízes profundas (pivotantes), além de uma relação C/N alta, que resulta em uma decomposição rápida e eficiente. Contudo, plantas de outras famílias podem ser utilizadas com essa finalidade, principalmente se o objetivo for a manutenção da cobertura do solo, e não a incorporação de resíduos.

Segundo Igue (1984), as gramíneas (monocotiledôneas), por possuírem raízes axiais ou chamadas cabeleiras, têm maior área de atuação no solo, o que melhora a estrutura física, aumentando a porosidade e a desagregação das partículas específicas, uma grande aliada para a rotação de culturas leguminosas. A relação C/N mais elevada dessa família implica maior permanência dos resíduos no solo, favorecendo o estabelecimento da cobertura. Do Norte ao Sul do País há plantas que estão completamente adaptadas para este fim, como o sorgo.

O sorgo (Sorghum bicolor L. Moench) é uma planta com características xerofílicas, que além da sua baixa exigência em termos de riqueza mineral do solo, apresenta tolerância/resistência aos fatores abióticos, como estresse hídrico e salinidade. O sorgo é uma planta C4, ou seja, possui altas taxas fotossintéticas. A grande maioria dos materiais genéticos de sorgo requer temperaturas superiores a 21ºC para um bom crescimento e desenvolvimento (Magalhães, 2003).

Tabosa et al (2002) ressaltam o cultivo de plantas xerófilas no semiárido nordestino como meta fundamental para o aproveitamento dessa região, tendo em vista as suas adversidades climáticas. Considerando-se esse aspecto, e aquele relacionado aos diferentes sistemas de produção, prevalecentes na região, infere-se que é de interesse o desenvolvimento de um programa de avaliação de variedades e híbridos de sorgo, com o objetivo de subsidiar os agricultores na escolha de materiais de melhor adaptação, e que sejam portadores de atributos agronômicos desejáveis.

O cultivo do sorgo vem aumentando sua importância na região Nordeste, principalmente nas áreas com ocorrências frequentes de deficiência hídrica, devido às suas características de resistência à seca e substituto do milho na alimentação animal em rações balanceadas para bovinos, suínos e aves (Pitombeira et al, 2004).

Experimento

Com o objetivo de avaliar a produção da alface crespa com a utilização do sistema de plantio direto na palha de sorgo, um experimento foi conduzido em condições de campo, no período de setembro a outubro de 2019, no Colégio Agrícola Estadual Adroaldo Augusto Colombo (CAEAAC - PR), no município de Palotina, Paraná, com altitude de 240m, Latitude Sul 24°47’16” e Longitude Oeste 53°43’29”, região Oeste do Paraná, no Sul do Brasil. Através da análise de solo retirado do local do experimento constatou-se ausência de necessidade de correção ou mesmo de aplicação de fertilizante de solo. O resultado da análise de solo pode ser observado na Figura 1.

O solo da região é classificado como Latossolo Vermelho eutrófico de textura muito argilosa.

Apesar dos resultados (Figura 1), foram aplicados 20kg/ha de “esterco de boi curtido” (compostagem), cinco dias antes do plantio do sorgo, como fonte de matéria orgânica e oferta de nutrientes (principal função da liberação de matéria orgânica para melhora dos processos químicos, biológicos e físicos). A incorporação ocorreu nos canteiros por meio de enxadas, através de trabalho manual.

O híbrido de sorgo utilizado foi o Agroeste (AS4639), com a semeadura a lanço, sendo aplicado em 1m2, 10g de sementes. A função exclusiva do sorgo foi de produção de palhada (cobertura do solo) para o plantio da alface cultivar Crespa. Quando o sorgo estava em ponto de maturação, as plantas foram picadas com um facão simples, deixando o caule (talo) com uma altura de 10cm do solo. Foram utilizadas as folhagens e a frutificação para cobertura do solo. As mudas de alface cultivar Crespa foram adquiridas em uma casa agropecuária da mesma cidade. Nos canteiros onde foram colocadas as testemunhas não houve semeadura do sorgo ou de qualquer outro tipo de cobertura do solo.

O transplantio ocorreu no mesmo dia da compra das mudas, no mês de setembro de 2019. O espaçamento utilizado no plantio da alface foi de 0,20m x 0,20m (espaçamento entre plantas e espaçamento entre linhas), com uma área de planta de 0,04m2, conforme Figura 2.

Os tratos culturais da alface incluíram irrigação quando necessário. Foi utilizado um aspersor (Microaspersor Rotativo Bailarina de estaca de 60cm com microtubo 1m), ligado uma vez ao dia. Também foi realizada uma adubação simples de cobertura do 5-10-10, em uma dosagem 50g/m2. Ambos os manejos foram realizados tanto nos canteiros do tratamento como na testemunha.

No experimento foi aplicado o delineamento em blocos casualizados (DBC) (Figura 3).

Figura 3 - Disponibilização do modelo estatístico do experimento no campo, DBC do plantio da alface cultivar Crespa sobre a palhada de sorgo, Palotina, 2019
Figura 3 - Disponibilização do modelo estatístico do experimento no campo, DBC do plantio da alface cultivar Crespa sobre a palhada de sorgo, Palotina, 2019

A metodologia usada neste trabalho foi descrita e adaptada por Resende et al (2003), avaliando número de folhas viáveis para consumo, massa fresca da parte aérea e massa seca da parte aérea (g). Os dados foram submetidos à análise de variância e comparados pelo teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade, com auxílio do programa estatístico Action. Para os gráficos foi usado o Origin 6.0. Foi também aplicada neste experimento a análise de regressão.

A Figura 3 exibe os resultados de número de folhas, massa fresca e massa seca de parte aérea da alface cultivar Crespa no sistema com plantio direto com o uso de sorgo como palhada. Houve um aumento nas variáveis apresentadas do tratamento em relação à testemunha. Isso pode ser decorrente de uma menor infestação de ervas daninhas, maior capacidade de reter água no solo e principalmente redução da luminosidade do sol. Menezes e Mozena (2004), em um trabalho, utilizando diversas fitomassas, inclusive o sorgo, apresentaram resultados satisfatórios em relação à melhora na estruturação do solo.

A massa fresca de parte aérea é um indicador importante para a produção de alface. Na Figura 3 é possível observar que a MFPA do tratamento obteve um incremento de 3,5g por planta, em uma área em que o produtor possui 10.000 plantas 35.000g, ou seja, 35kg a mais na produção. Reforçando estes valores significativos com o uso do SPD, Duarte Junior et al (2009), ao avaliarem a infestação de ervas daninhas na cultura da cana-de-açúcar, conseguiram obter respostas de produtividades acima de 25% em relação ao plantio convencional.

Oliveira et al (2006) analisaram a viabilidade do SPD na alface cultivar Vera utilizando gramíneas e forrageiras, mas não obtiveram a mesma resposta, no plantio direto em relação ao convencional. Ao contrário do que ocorreu nesta pesquisa, em que NF, MFPA e MSPA registraram diferenças significativas qualitativas e quantitativas, estatisticamente.

O número de folhas e a massa fresca de parte aérea no SPD mostraram resultados satisfatórios em relação ao sistema convencional. Esses dados podem ser relacionados com a menor concorrência da alface em relação às ervas daninhas. Girardello et al (2017) trabalharam com alface no Rio Grande do Sul, com sistema de transição de cultivo convencional e direto com algumas leguminosas e gramíneas e obtiveram maior resultado de massa fresca e altura de planta quando analisados trabalhos em sistema de transição. 

A Figura 4 apresenta as curvas e suas respectivas equações de regressão, aplicados no modelo de número de folhas, massa fresca e seca de parte aérea da alface cultivar Crespa no município de Palotina, Paraná.

Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR
Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR

Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR
Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR

Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR
Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR

Consideradas as variáveis de plantio direto e convencional, observa-se na Figura 4.a, que a MFPA do tratamento sempre esteve acima dos pontos da testemunha (sistema de plantio convencional). O mesmo se verifica nas figuras subsequentes (4.b e 4.c), onde as linhas de tendências do tratamento são maiores que a testemunha, mesmo observando os pontos de máxima e mínima no início e no final da tendência.

O experimento apresentou grande eficiência nas questões relacionadas a número de folhas, massa fresca e seca de parte aérea da alface, com incrementos nos resultados finais, que podem vir a melhorar a rentabilidade final do empresário rural.

Foi observado, sem aplicação de dados estatísticos, que no canteiro em que foi semeado o sorgo, a infestação da principal erva daninha da região, a tiririca (Cyperus rotundus), teve redução significativa na germinação. Este resultado pode estar relacionado à menor incidência de raios solares, o que dificulta para a planta produzir o metabolismo da fotossíntese. 

Emmanuel Zullo Godinho, CAEAAC; Fernando de Lima Canepele, USP; Helio Vagner Gasparotto, Unesp

Cultivar Hortaliças e Frutas abril/Maio 2020 

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