Oportunidades de negócios para produtores de trigo

O cultivo do trigo necessita garantir renda aos produtores, por isso é preciso estar atento às oportunidades de negócios em setores como os de exportação, ração animal e produção de biscoitos

15.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
João Leonardo F. Pires e Eduardo Caierão

A triticultura, especialmente no Sul do Brasil, é uma atividade consolidada e fundamental para a sustentabilidade dos sistemas de produção de grãos ou que integram a lavoura com a pecuária. Apesar de a soja ser a principal cultura econômica nessa região, o trigo e outras culturas de inverno representam parceria importante para a composição de sistemas diversificados. Algumas vezes os impactos diretos do trigo não são reconhecidos, pois as margens de ganho econômico são menores que as da soja e em alguns casos podem ser negativas. Entretanto, deve-se computar os ganhos técnicos proporcionados pelo trigo, que vão desde a produção de palhada e adequada cobertura do solo, contribuindo para a redução da erosão e a melhoria da sua qualidade, passando pelo auxílio no combate a plantas daninhas de difícil controle, até a quebra do ciclo de pragas e doenças.

Além dos ganhos técnicos, existem, atualmente, oportunidades de negócio que podem proporcionar maior liquidez e/ou rentabilidade à triticultura, aumentando a possibilidade da cultura do trigo agregar valor aos sistemas de produção em que está inserida (Figura 1). Para entender essas oportunidades, é importante a análise de alguns fatores como a oferta de tecnologias para a diversificação de modelos de produção e de negócios com trigo; as ofertas ambientais/riscos climáticos inerentes a cada região produtora; as demandas prioritárias dos mercados internos e externos e as relações entre potencial produtivo, facilidade em obter a qualidade tecnológica demandada, custo de produção e receita obtida.

Figura 1 - Oportunidades para diversificação da produção e de modelos de negócio disponíveis para trigo no Brasil. *ILP = integração lavoura e pecuária
Figura 1 - Oportunidades para diversificação da produção e de modelos de negócio disponíveis para trigo no Brasil. *ILP = integração lavoura e pecuária

Há oferta de cultivares e práticas de manejo específicas que possibilitam a produção de trigo para diferentes finalidades (Figura 1): uso em duplo propósito – DP (produção de forragem e grãos); produção de trigo com diferentes classes comerciais (melhorador, pão, doméstico, básico e outros usos); com características especiais como trigo branqueador e para produção de biscoitos; uso em modelos destinados à exportação (com prioridade para a Ásia e a África); e emprego na composição de rações para suínos e aves.

No que se refere a cultivares, a Embrapa tem materiais que podem ser utilizados para diferentes fins. Por exemplo, BRS Tarumã e BRS Pastoreio, para pastejo e grãos; BRS Reponte, para exportação/ração; BRS Marcante, da Classe Pão; BRS 327, para produção de farinha branqueadora; BRS 374, para produção de biscoitos; e BRS Belajoia, para rentabilidade/menor custo de produção.

Atualmente há oportunidades de negócio que podem proporcionar maior liquidez e/ou rentabilidade ao produtor
Atualmente há oportunidades de negócio que podem proporcionar maior liquidez e/ou rentabilidade ao produtor

As condições ambientais e de uso de tecnologia da principal região produtora do País também devem ser consideradas, pois impõem dificuldades ou maior probabilidade de produção em relação ao potencial produtivo e à qualidade tecnológica. Por exemplo, no Norte do Paraná, é esperada, na maioria das safras, a obtenção de trigos das classes Melhorador e Pão. Por sua vez, no Rio Grande do Sul isso pode ser mais raro, apesar dos avanços tecnológicos que ocorreram nas últimas décadas e que aumentaram essa probabilidade. Portanto, produtores de cada uma dessas regiões já partem, no planejamento de suas lavouras, de um histórico mais ou menos favorável à obtenção de trigos com determinadas especificações tecnológicas e, consequentemente, com diferentes oportunidades como modelo de negócios. Entendendo essas realidades distintas (e hoje há muito conhecimento sobre isso), é possível escolher a(s) opção(ões) com maior chance de sucesso para cada caso. 

A demanda da indústria de trigo nacional é maior por trigos da classe Pão e podem buscar esse produto tanto de triticultores brasileiros quanto de outros países, com destaque para a Argentina. O problema é que, em muitas situações, afirma-se que o produto nacional não atingiu o padrão demandado pela indústria nacional e não há outra forma de comercialização, havendo a sua desvalorização. A exportação e o atendimento de outras demandas internas, portanto, surgem como alternativas para comercialização, se não para maior rentabilidade, pelo menos servindo para melhorar a liquidez.

Um exemplo dessas possibilidades são sistemas destinados à exportação. Alguns países, especialmente da Ásia e da África, demandam trigo com qualidade tecnológica compatível com as possibilidades de produção (com maior segurança) de algumas regiões do Sul do Brasil, em especial do Rio Grande do Sul e parte de Santa Catarina e Paraná. Por três anos, a Embrapa, a Federação das Cooperativas do Rio Grande do Sul e algumas cooperativas gaúchas desenvolveram estudos de validação de um sistema de produção com foco na exportação. Esse sistema está fundamentado no uso de cultivares com elevado potencial produtivo, menor custo de produção possível com a melhor tecnologia e obtenção de qualidade tecnológica compatível com a demanda dos países-alvo. O trabalho, realizado por meio de Unidades de Validação, conduzidas pelos participantes em diferentes realidades de produção representativas da região produtora do Rio Grande do Sul, apresentou resultados promissores. A comparação de sistemas para exportação com o sistema de manejo utilizado pela maior parte dos produtores em cada local proporcionou ganhos de rentabilidade na maioria dos casos (Figura 2) com a produção de trigo compatível com as características desejadas pelos países importadores (mais baseada em porcentagem de proteína do que em força de glúten). Essa questão parece contraditória, exportar trigo, sendo o Brasil um dos principais países importadores. Mas é importante entender o contexto. A produção no Brasil está distante dos principais centros consumidores e o transporte encarece o produto. A indústria nacional não absorve toda a produção de trigo, especialmente no Rio Grande do Sul. E, assim, esse excedente de produção (com potencial para aumento de área e produção) precisa de outras formas de escoamento/uso. É necessário mudar o conceito há muito tempo pensado para o trigo nacional, que tinha foco em garantir a autossuficiência do País, para uma produção voltada aos mercados nacional e internacional, que busque contribuir para a viabilidade técnica e econômica das propriedades onde o trigo está inserido, desligando da triticultura brasileira o foco exclusivo do abastecimento interno.

Outra oportunidade interessante é absorver parte da produção na própria região. Santa Catarina e Rio Grande do Sul são grandes produtores de suínos e aves e a redução da produção de milho nesses estados tem criado a oportunidade para o uso de outras fontes na composição de rações. Alguns estudos têm demonstrado que o trigo, do ponto de vista nutricional, é compatível com as necessidades nutricionais desses animais. Também, contribui a favor dessa oportunidade o fato de as características de qualidade desse tipo de trigo serem mais facilmente obtidas mesmo com a variabilidade climática inerente ao Sul do Brasil. Como principal indicador de qualidade exigido pode-se citar o teor de proteína nos grãos (como referência, o valor de 12% como limite inferior). Da mesma forma que o uso para exportação, essa alternativa está baseada no emprego de cultivares com elevado potencial de rendimento e com baixo custo de produção. Diferentes iniciativas de cooperativas, principalmente em Santa Catarina, têm surgido nos últimos anos, em associação com indústrias de proteína animal e o governo estadual, incentivando a semeadura de trigo/triticale para essa finalidade.

O mercado de trigos para produção de biscoitos representa em torno de 15% a 20% no Brasil. Trata-se de um segmento do mercado de farinhas no País com exigência de características de qualidade tecnológica específicas. Muitas cooperativas recebem os grãos desses materiais com diferencial adicional de preço.

Trigos das classes Pão e Melhorador representam o maior percentual da demanda nacional do cereal e podem ter maior liquidez e/ou bonificação. Atualmente, cultivares indicadas para cultivo apresentam combinações variadas do perfil de panificação com diferentes atributos agronômicos, sejam eles alto potencial de rendimento de grãos, tipo de planta diferenciado, associação com tolerância/resistência a diferentes estresses bióticos e abióticos. Obviamente, devido às condições climáticas da região Sul do Brasil, especialmente Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sul do Paraná, o perfil de qualidade tecnológica de algumas cultivares nem sempre atinge o padrão dessas classes.

Trigos branqueadores representam um nicho de mercado altamente valorizado e com grande liquidez. Por definição são enquadradas nesse grupo cultivares em que a cor da farinha é tão branca que é capaz de ser misturada em mesclas com outros lotes de trigo para branqueá-los, com objetivo de atendimento das demandas do mercado consumidor. Muitas cooperativas têm valorizado a produção dessas cultivares com precificação adicional de 20% em relação a uma cultivar não branqueadora.

Trigos DP representam uma excelente alternativa para composição do sistema de produção e de economia em regiões características de produção leiteira e, principalmente, em pequenas propriedades. A Embrapa foi pioneira no desenvolvimento dessa tecnologia, iniciando pesquisas há mais de 30 anos. Cultivares de trigo DP podem ser semeadas de 30 dias a 40 dias antes das cultivares de ciclo normal. Essa possibilidade faz com que o vazio outonal seja preenchido logo após a colheita da cultura de verão, protegendo o solo e ofertando pasto ao animal em período de baixa oferta. As cultivares DP podem ser pastejadas e, após, com manejo adequado, ser destinadas para a produção de grãos. Trigos DP podem ser utilizados, também, para silagem. 

Figura 2 - Receita líquida de trigo (R$/ha) em sistemas de manejo local x exportação em diferentes municípios do RS nas safras 2016, 2017 e 2018. Embrapa Trigo/Fecoagro RS, 2020
Figura 2 - Receita líquida de trigo (R$/ha) em sistemas de manejo local x exportação em diferentes municípios do RS nas safras 2016, 2017 e 2018. Embrapa Trigo/Fecoagro RS, 2020

João Leonardo F. Pires
Eduardo Caierão
Pesquisadores da Embrapa Trigo

 

Pires e Caierão demonstram possibilidades de diversificação e agregação de valor
Pires e Caierão demonstram possibilidades de diversificação e agregação de valor

 

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