Novo método de manejo ajuda a mitigar a emissão de gases estufa no cultivo da cana

Um conjunto de estudos com esse objetivo foi apresentado pela pesquisadora Eiko Kuramae, do Instituto de Ecologia da Holanda (NIOO-KNAW)

24.10.2017 | 21:59 (UTC -3)
Karina Toledo

Descobrir de que forma os microrganismos presentes no solo processam os fertilizantes e os resíduos orgânicos usados no cultivo da cana pode ajudar a mitigar a emissão de gases de efeito estufa e tornar a produção de etanol mais sustentável.

Um conjunto de estudos com esse objetivo foi apresentado pela pesquisadora Eiko Kuramae, do Instituto de Ecologia da Holanda (NIOO-KNAW), durante a terceira edição da Brazilian Bioenergy Science and Technology Conference (BBEST). Organizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), o evento foi realizado em Campos do Jordão entre os dias 17 e 19 de outubro.

“Quando a mistura de vinhaça e fertilizantes nitrogenados normalmente usada na cultura da cana é aplicada, as atividades da microbiota do solo são estimuladas e ocorrem transformações, resultando na produção de gases como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e, principalmente, óxido nitroso (N2O), cujo poder de reter calor na atmosfera é 289 vezes maior que o do CO2. Nossa pesquisa busca entender as funções dos microrganismos e determinar os processos envolvidos na emissão de N2O, principalmente, com o objetivo de encontrar meios de intervir”, disse Kuramae.

Como explicou a pesquisadora, a vinhaça é o principal resíduo da produção de etanol. Estima-se que para cada litro de biocombustível sejam produzidos entre 12 e 15 litros desse efluente, que, caso seja descartado incorretamente, pode poluir rios e causar diversos danos ambientais.

Nos últimos anos, a legislação brasileira passou a exigir que a vinhaça produzida nas usinas seja reaproveitada como fertilizante na própria lavoura de cana. Mas, apesar de ser rica em nutrientes, a substância não é capaz de suprir todas as necessidades da planta e precisa ser misturada com fertilizantes inorgânicos à base de nitrogênio.

Em um trabalho realizado durante o doutorado de Késia Lourenço, o grupo mostrou que o simples fato de aplicar separadamente a vinhaça e os fertilizantes nitrogenados em solo de cana coberto com a palha da planta proporciona uma significativa redução na emissão de N2O.

No experimento conduzido em Piracicaba, durante a estação seca, a aplicação de vinhaça concentrada foi feita 30 dias antes do fertilizante nitrogenado no solo de cana com palha. Nesse caso, a emissão de N2O foi 39% menor do que quando se aplicaram as duas substâncias juntas. Experimento semelhante, feito com vinhaça normal (não concentrada), possibilitou uma redução de 27%.

Já em outro teste feito no período de chuva, o grupo aplicou vinhaça normal 30 dias antes do fertilizante nitrogenado e observou uma redução de 49,6% na emissão de N2O.

“Em ambos os experimentos, os processos biológicos envolvidos na emissão de N2O mostraram-se muito complexos. Ocorre nitrificação, realizada principalmente por bactérias, mas também por arqueas [um dos domínios de seres vivos, semelhantes às bactérias morfologicamente mas distintas genética e bioquimicamente]. E também ocorre desnitrificação, promovida por bactérias e também por fungos. Mostramos pela primeira vez que, em cultura de cana em regiões tropicais, quando há a presença de palha no solo combinada com vinhaça e fertilizante nitrogenado, os fungos também contribuem para a emissão de N2O”, comentou a pesquisadora.

Apoio bilateral

A pesquisa contou com apoio da FAPESP e da Organização Holandesa para Pesquisa Científica (NWO) e foi realizada no âmbito de um acordo de cooperação entre as duas instituições.

Uma parte do trabalho foi feita na Holanda, sob supervisão de Kuramae, e outra no Instituto Agronômico (IAC), com orientaçãode Heitor Cantarella.

Ainda sobre o mesmo tema, Kuramae mantém parceria com Janaina do Carmo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no âmbito de um acordo entre a FAPESP e o Consórcio BE-Basic.

“De modo geral, os estudantes brasileiros têm feito toda a parte experimental de campo no Brasil, nas regiões de Piracicaba e Ribeirão Preto, e a parte de microbioma de solo e bioinformática é realizada no meu laboratório, na Holanda”, contou Kuramae.

Durante o doutorado de Johnny Soares, também sob a orientação de Cantarella e Kuramae, o grupo testou em cultivo de cana o uso de inibidores de nitrificação em solos adubados com nitrogênio, mas sem a presença de palha e vinhaça. O objetivo era diminuir as emissões de N2O.

“Determinamos que, quando não há palha ou vinhaça no solo, o principal processo que ocorre é o de nitrificação causada por bactérias. Decidimos então testar dois compostos capazes de inibir a enzima amônia mono-oxigenase de bactérias que fazem a conversão do nitrogênio do fertilizante em N2O. Além de reduzir em 95% a emissão desse gás, esses compostos não afetaram a diversidade bacteriana do solo”, contou Kuramae.

Os experimentos duraram, ao todo, três anos. Os resultados foram publicados em 2016 na Scientific Reports

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