Manejo da fusariose do maracujazeiro

Uso racional de porta-enxertos em áreas vulneráveis ao aparecimento da enfermidade é uma das estratégias disponíveis para auxiliar no manejo

07.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

Apesar de o Brasil ser o maior produtor mundial de maracujá, e ainda apresentar possibilidade de expansão de novas áreas, a fusariose do maracujazeiro, que é uma doença causada por fungos de solo do gênero Fusarium spp., tem inviabilizado o cultivo em áreas com ocorrência tanto do Fusarium oxysporum f. sp. passiflorae (murcha do maracujazeiro) quanto Fusarium solani (podridão do colo), ambos responsáveis por lesões no sistema radicular e/ou vascular. Além da ação isolada destes fungos, uma vez associados a Phytophthora cinnamoni Rands e Xanthomon asaxonopodis pv. Passiflorae (Pereira) Dye, tem-se a morte prematura do maracujazeiro.

Apesar de o primeiro relato de fusariose ter sido identificado na Austrália em meados do século 20, ainda hoje esta doença tem causado prejuízo significativo aos produtores de maracujá no Brasil e no mundo. Diante da dificuldade de muitos produtores e técnicos na identificação dos sintomas provenientes do ataque de fungos do gênero Fusarium spp., e de algumas divergências na literatura quanto à descrição dos sintomas, será tratada aqui por fusariose ou murcha do fusarium apenas a doença causada pelo fungo Fusarium oxysporum f. sp. passiflorae.

Sintomas da fusariose do maracujazeiro

A sintomatologia entre os fungos F. oxysporum f. sp. passiflorae e F. solani diferencia-se, uma vez que o segundo infecta a raiz principal e a região do colo da planta, não agindo de forma sistêmica. Por outro lado, a fusariose a campo pode ser identificada em plantas que apresentam a murcha dos ramos ponteiros, em qualquer estádio de desenvolvimento. É comum alguns produtores perderem suas áreas ainda no primeiro ano, o que desestimula e dificulta a continuidade da lavoura na mesma área de ocorrência da doença. Os sintomas também são evidenciados em plantas na fase reprodutiva (florescimento e frutificação), geralmente ocorrendo em reboleiras, com pequenos ou grandes focos da doença distribuídos ao acaso nos pomares. As folhas perdem a cor verde-brilhante para verde-pálido, assumindo aspecto de cartucho. O caule pode apresentar rachaduras no colo e coloração castanha ou ferruginosa nos feixes vasculares e necrose em direção à medula. Os frutos também podem apresentar os sintomas de murcha. A fusariose em estágios avançados causa a morte da planta, com o apodrecimento das raízes - e as folhas continuam retidas na planta por um período.

Causas e disseminação da fusariose do maracujazeiro

O fungo F. oxysporum f. sp. passiflorae se estabelece no sistema radicular geralmente em áreas onde há ocorrência de altas temperaturas e umidades relativas, solos ácidos, argilosos, mal drenados e infestados com nematoides. Como consequência do ataque, ocorre a obstrução dos vasos xilemáticos, impedindo que haja a absorção normal de água e nutrientes pelas raízes. A fusariose ocorre em várias regiões produtoras do Brasil, afetando a produtividade da cultura e reduzindo de forma significativa a vida útil dos pomares. Este fato tem colaborado para que os produtores mudem de área constantemente, o que tem resultado no apelido de nômade à cultura do maracujá em muitas regiões.

Para efeito de diferenciação em laboratório entre os fungos F. oxysporum f. sp. passiflorae e F. solani, é comum a comparação morfológica entre as fiálides produzidas no micélio aéreo, sendo que F. oxysporum f. sp. passiflorae apresenta fiálides curtas e F. solani, fiálides longas. Outro critério utilizado na identificação de Fusarium spp. é quanto aos tipos de esporos. O fungo F. oxysporum f. sp. passiflorae produz três tipos de esporos: microconídios, macroconídios e clamidósporos. Os clamidósporos caracterizam-se por apresentarem paredes espessas, duplas, lisas ou rugosas, são abundantes e formados na porção terminal das hifas ou intercaladamente no micélio e são estes os esporos de resistência capazes de sobreviver por um longo período na área de ocorrência. Existem registros da presença de clamidósporos no solo por mais de 20 anos, sendo esta a sua principal forma de sobrevivência na ausência do hospedeiro, onde o patógeno pode sobreviver em sua fase saprofítica em resíduos culturais e matéria orgânica.

A disseminação do patógeno ocorre por meio do contato de raízes infectadas com sadias e pela água da chuva ou irrigação, que transporta os esporos juntamente com as partículas de solo. Cabe destacar que o fungo F. oxysporum f. sp. passiflorae penetra nas raízes por meio de aberturas naturais e/ou ferimentos causados por implementos agrícolas e nematoides. Outra forma de dispersão da doença se dá por meio da aquisição de mudas contaminadas.

Manejo da fusariose do maracujazeiro

Embora exista uma grande expectativa do setor produtivo do maracujazeiro por soluções definitivas para a fusariose, vale ressaltar que se trata de uma doença que ainda não possui um controle curativo plenamente eficiente. Isto se deve à complexidade do patossistema que envolve a doença e ao fato do fungo habitar o solo. Até o momento, o método de controle químico não resulta em combate eficaz da doença, com o agravante de ainda não existirem fungicidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para utilização na cultura do maracujazeiro.

A fusariose em estágios avançados pode causar a morte da planta.
A fusariose em estágios avançados pode causar a morte da planta.

Atualmente a fusariose ainda causa prejuízos severos aos produtores de maracujá.
Atualmente a fusariose ainda causa prejuízos severos aos produtores de maracujá.

Alguns cuidados preventivos podem ser tomados para evitar a ocorrência da doença, tais como não instalar pomares em áreas com histórico da mesma; não plantar em solos pesados e compactados; utilizar mudas de viveiristas idôneos e sadias; evitar ferimentos no colo e no sistema radicular das plantas; manter distância mínima de 60cm entre os gotejadores e as plantas; monitorar a ocorrência de nematoides na área; e erradicar plantas infectadas pela fusariose para que não ocorra a disseminação do inóculo.

A resistência genética das plantas é uma medida bastante eficaz para o controle de doenças. Nas últimas décadas, o melhoramento genético do maracujazeiro tem evoluído bastante na busca de genótipos com maiores níveis de resistência para antracnose, bacteriose, septoriose, verrugose e fusariose. Com relação aos principais cultivares disponíveis aos produtores, a Embrapa já lançou BRS Sol do Cerrado, BRS Rubi do Cerrado, BRS Pérola do Cerrado, BRS Ouro Vermelho, que são considerados tolerantes a antracnose, bacteriose e virose. E o cultivar BRS Gigante Amarelo, que, por sua vez, tolera a antracnose e a bacteriose. Os principais cultivares lançados pelo Instituto Agronômico de Campinas são IAC Monte Alegre, IAC Maravilha e IAC Joia, mas não há informações em relação à resistência frente às principais doenças. Apesar do esforço dos pesquisadores em lançar cultivares resistentes às principais doenças do maracujazeiro, ainda não está disponível no mercado cultivar resistente à fusariose.

A principal explicação para isto é a variabilidade intraespecífica para o caráter resistência, que é muito baixa, o que dificulta a transferência desta característica via cruzamentos e acaba oferecendo resultados insatisfatórios no controle da doença. O programa de melhoramento genético do maracujazeiro da Embrapa vem trabalhando tanto para geração de cultivares resistentes à fusariose, quanto para geração de hídridos interespecíficos que poderão ser eventualmente utilizados como porta-enxerto, com o objetivo de aumentar a compatibilidade e a produtividade das plantas enxertadas, que ainda é considerada baixa quando comparada com as plantas não enxertadas.

A enxertia é amplamente utilizada na fruticultura, como na citricultura e na viticultura. No entanto, na cultura do maracujá ainda não foi incorporada como uma prática usual. Isto se deve às oscilações quanto ao pegamento e a observações quanto ao desenvolvimento das plantas no campo e à produtividade das plantas. Apesar disso, o uso de porta-enxertos resistentes à fusariose no Brasil tem sido utilizado como estratégia de produção. Os tipos de enxertia que melhor geraram resultados, com pegamento superior a 90%, são a tipogarfagem em fenda cheia no topo e a hipocotiledonar. As espécies de maracujazeiros que melhor demonstraram compatibilidade com a espécie Passiflora edulis foram Passiflora gibertii, Passiflora alata e Passiflora nitida.

O custo de produção de mudas enxertadas de maracujazeiro e a necessidade de mão de obra especializada para execução da técnica de maneira correta, ainda tem limitado a utilização pelos produtores brasileiros. O que muitos produtores não consideram, é que o maior custo com a aquisição das mudas enxertadas irá prolongar a vida útil das plantas no campo em áreas mais predispostas a apresentar a fusariose, logo este custo é diluído considerando o maior tempo de exploração da cultura no campo. Por outro lado, a utilização maciça de mudas enxertadas de P. edulis não é viável para áreas sem histórico de ocorrência da fusariose, devido à diminuição do vigor das mudas e da produtividade da lavoura. Por este motivo, a utilização de mudas enxertadas de P. edulis tem sido recomendada para aqueles produtores situados em áreas onde já tenha havido ocorrência da doença ou em áreas recém-abertas.

Diante da impossibilidade do controle curativo da fusariose do maracujazeiro, e das possibilidades anteriormente mencionadas para se evitar o ataque mais severo da doença, soma-se a implementação do manejo integrado de pragas e doenças (MIP/MID). O MIP/MID possui como premissa básica o reconhecimento e a distinção dos sintomas provocados pelos diferentes agentes causais, bem como a sua distribuição nas regiões produtoras, os danos que causam e as condições mais favoráveis ao seu aparecimento. Unificando as diferentes técnicas de controle, com o intuito de prevenir e reduzir a intensidade dos danos causados pela praga/doença. Entre as possibilidades de controle alternativo é possível citar a biofumigação e o controle biológico.

A biofumigação é conhecida pela incorporação de matéria orgânica ao solo, para a liberação de substâncias tóxicas ou antagonistas a micro-organismos fitopatogênicos. Estudos recentes têm sugerido a utilização de milheto como forma de controle alternativo. A incorporação de folhas de repolho e mandioca brava em substrato contribuiu com a inibição e a germinação de clamidósporos (esporo de resistência).

A utilização de micro-organismos no controle biológico tem se tornado uma alternativa para minimizar os estragos causados por doenças de difícil controle. Um exemplo disso, foi o uso de rizobactérias combinadas com palhada de milheto. Estas rizobactérias podem colaborar com a inibição do crescimento e da reprodução e, até mesmo, levar à morte de organismos fitopatogênicos. A utilização do fungo Trichoderma harzianum e diferentes tipos de adubo pode auxiliar a diminuir a porcentagem de plantas murchas infectadas por F. oxysporum f. sp. passiflorae. Estes estudos têm sido desenvolvidos em casa de vegetação e ainda não refletem a realidade a campo. O que possibilita uma nova frente de trabalho para diminuir o efeito nocivo da fusariose na cultura do maracujá, colaborando conjuntamente para a produção de frutas mais saudáveis e de melhor qualidade.

Sintomas da fusariose (Fusarium oxysporum f. sp. passiflorae) em plantas de maracujá amarelo.
Sintomas da fusariose (Fusarium oxysporum f. sp. passiflorae) em plantas de maracujá amarelo.

O melhoramento genético ainda deverá colaborar com a oferta de cultivares resistentes à fusariose do maracujazeiro. Enquanto isso, os produtores devem utilizar racionalmente os porta-enxertos resistentes em áreas vulneráveis ao aparecimento da doença e implementar boas práticas de manejo, incluindo a cobertura de solo com plantas que estimulam o desenvolvimento de micro-organismos antagonistas, sejam estes fungos ou bactérias capazes de mitigar a ação do Fusarium oxysporum f. sp. passiflorae. A fusariose continua sendo uma doença sem controle e responsável por danos sem precedentes à cultura do maracujá no Brasil e no restante do mundo. Portanto, cabe aos produtores envolvidos com a produção de maracujá fazer o dever de casa, na aquisição de sementes e mudas isentas do patógeno, na melhoria da qualidade físico-químico do solo e na utilização de cultivares melhoradas com o objetivo de aumentar a produtividade.

O maracujá

A fruticultura tropical brasileira é composta por uma verdadeira “salada de frutas” e isto tem colaborado substancialmente para a geração de emprego e renda no país, além de atender à demanda de consumidores cada vez mais conscientes dos benefícios das frutas para a saúde humana. Apesar da família Passifloraceae possuir aproximadamente 400 espécies e o Brasil deter o equivalente a 37% da diversidade genética do gênero Passiflora, a produção mundial está concentrada na espécie Passiflora edulis Sims (maracujá azedo ou amarelo e maracujá roxo).  Desde a década de 1970, quando a cultura passou a ser explorada mais intensamente, a atividade tem oscilado entre avanços e recuos, em função de preços inconstantes e problemas fitossanitários.

Atualmente a produção brasileira atingiu aproximadamente um milhão de toneladas por ano, destacando-se a região Nordeste, com 489.898 toneladas (48% da produção nacional), e o estado da Bahia na liderança com 342.780 toneladas (70% da produção nordestina).

Uirá do Amaral, Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM)

Cultivar Hortaliças e Frutas Julho 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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