Laboratório na Bahia ajuda produtores a exportar limão tahiti para a União Europeia

Envio de frutos tem sido limitado devido à restrição fitossanitária para Elsinoë spp., praga considerada quarentenária na União Europeia

30.07.2024 | 14:59 (UTC -3)
Léa Cunha
Foto: Léa Cunha
Foto: Léa Cunha

O Departamento de Sanidade Vegetal do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) reconheceu recentemente o Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) como apto para emitir laudo para verrugose dos citros, doença fúngica que limita o envio de frutos de lima ácida tahiti (mais conhecida como limão tahiti) para a União Europeia (UE) devido à restrição fitossanitária para Elsinoë spp., praga considerada quarentenária, ou seja, inexistente, naquele continente. Apesar de a Bahia não registrar a ocorrência da doença, assim como algumas outras regiões brasileiras, a ausência de um laudo atestando a sanidade dos lotes dificulta a exportação para a UE.

Cerca de 200 amostras de produtores dos estados da Bahia (em especial da região de Cruz das Almas), Sergipe e Minas Gerais já foram beneficiados, desde o início de abril, pela proximidade do laboratório, que emite os laudos no período de um a dez dias, a depender da demanda e da presença ou não dos sintomas nos frutos. A Bahia é o quarto maior estado produtor brasileiro de limão, ficando atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Pará, e é responsável por exportar frutos que totalizaram US$ 34 milhões em 2023.

Causada pelo fungo Elsinoë, a verrugose afeta folhas, frutos e brotações em áreas produtoras de citros em todo o mundo. Tem grande importância econômica porque o aspecto da casca, com lesões salientes e crostas grossas, reduz drasticamente a comercialização dos frutos, em especial os destinados à exportação. Alguns sintomas da verrugose são parecidos com os do cancro cítrico, doença bacteriana causada por Xanthomonas citri subsp. citri, também não existente na União Europeia, mas presente em alguns estados brasileiros. A Bahia é área livre do cancro cítrico desde 2017.

De acordo com o pesquisador e fitopatologista Francisco Laranjeira, chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), do ponto de vista da biologia, as semelhanças com o cancro cítrico acontecem apenas na aparência dos frutos, o que pode causar confusão para leigos. “Verrugose é um fungo; já o cancro é causado por bactéria. O cancro ‘passa’ de um fruto para outro, pois a bactéria pode ficar na caixa e até mesmo na mão de quem pega o fruto. Já um fruto infectado com a verrugose não infecta o sadio, ainda que estejam na mesma caixa. Ele pode até passar esporos, mas não vai ter infecção porque a verrugose só infecta tecidos imaturos”, informa.

Monitoramento

Segundo informações do Observatório da Agricultura Brasileira, o Brasil recebeu, em 2023, US$ 139,3 milhões com a venda de frutos de lima ácida, de acordo com dados provenientes dos bancos do Sistema de Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio (AgroStat) e do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex). De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), juntos, limões e limas, são a quarta fruta exportada pelo País, atrás de mangas, melões e uvas.

O auditor fiscal agropecuário Caio César Simão, chefe da Divisão de Programas Especiais de Exportação do Mapa, confirma que, em relação às exportações de lima para a União Europeia, a grande preocupação do órgão sempre foi o cancro cítrico. “Mas, de 2021 para cá, eles começaram a interceptar muitos envios brasileiros com verrugose, que é uma praga quarentenária, ou seja, ausente lá. Nós, pesquisadores, fiscais e produtores brasileiros, sempre tivemos muita dificuldade em encontrar esses sintomas de verrugose porque não é um problema na lima ácida. Então, começamos a realizar um monitoramento dos campos, um controle nosso maior, com apoio da Embrapa, com o objetivo de facilitar e manter a exportação”, explica.

De janeiro a maio passado, 60 contêineres de lima ácida provenientes do Brasil foram devolvidos pelas alfândegas da União Europeia. “Isso pode não ser tão prejudicial para o produtor individualmente, mas é muito ruim para o Brasil. Em outras oportunidades, os mercados de cítricos da Argentina e da África do Sul já foram fechados. Por um problema parecido, a pinta preta, a nossa exportação de frutos de laranja para a Europa também acabou. Hoje só exportamos suco”, recorda Simão.

No caso específico da Bahia, de acordo com dados do Mapa, os rechaços de cargas oriundas do estado pela presença de Elsinoë spp. têm aumentado nos últimos anos, de três em 2022, para sete em 2023 e dez até junho de 2024. “O aumento de interceptações não significa um aumento do problema na Bahia, mas um maior rigor da Europa em relação à detecção da praga”, observa o pesquisador.

O laudo para verrugose passou, então, a ser obrigatório. “É uma medida que o Mapa adotou para garantir a conformidade dos envios e não foi uma exigência da União Europeia. A Europa não tem verrugose e não quer ter. Então, precisamos realizar um monitoramento para que o produtor possa aprimorar as práticas, a seleção e a amostragem”, esclarece o representante do ministério.

Fiscalização e auditoria

Foto: Léa Cunha
Foto: Léa Cunha

O cancro cítrico é uma das grandes preocupações da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), desde 2005, quando foi estabelecida a portaria nº 119, que dispõe sobre normas aplicáveis à produção, ao trânsito e ao comércio de mudas, porta-enxertos, borbulhas e frutos de espécies cítricas no estado da Bahia.

O objetivo da portaria é evitar a introdução de pragas, como cancro cítrico, verrugose, morte súbita dos citros (MSC), mancha preta dos citros e huanglongbing (HLB ou greening), que seriam grandes ameaças ao parque citrícola baiano. Como resultado do cumprimento da portaria pelos produtores e da fiscalização da agência, o estado é considerado área livre para cancro cítrico, o que mostra uma vantagem competitiva em relação aos demais estados, inclusive São Paulo, que é o maior produtor brasileiro.

A fiscal estadual agropecuária Suely Xavier de Brito Silva, coordenadora do Projeto Fitossanitário de Citros da Adab, destaca a importância da portaria estadual. “Ela proíbe o beneficiamento e o rebeneficiamento de frutos que não tenham sido produzidos na Bahia. Isso é uma medida de segurança para que não adentrem frutos com sintomas de pragas que pudessem se estabelecer aqui”, alerta.

Quanto à verrugose em lima ácida, ela afirma que sua equipe nunca tinha observado nenhum tipo de lesão em frutos: “Nunca foi nenhum problema porque não temos registro de dano econômico dessa praga para a citricultura no mundo, e não apenas no Brasil. Quando temos uma praga que não traz danos econômicos, podemos ter estratégias de controle, de convivência.”

Sobre as análises realizadas pelo laboratório da Embrapa, Suely Silva conta que foi uma indicação da Adab ao Mapa. “Pensamos na quantidade de agricultores familiares que seriam beneficiados nesse processo, principalmente da Bahia.”

Como acontece a análise

O laudo laboratorial emitido em nome da unidade de produção (UP), indicando a presença ou ausência da praga, é válido por 30 dias e deve ser apresentado pelo produtor à Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) do Mapa, no porto marítimo, para fins de certificação de exportação.

De acordo com o ofício do Mapa, cada amostra deve conter, no mínimo, 20 frutos. Devem ser amostradas 2% das árvores de cada UP, coletando-se, no mínimo, um fruto apresentando lesões de casca por árvore amostrada. O laudo laboratorial emitido deve declarar explicitamente o número da UP da qual a amostra foi retirada.

A responsabilidade pela coleta e pelo transporte das amostras ao laboratório é do produtor. “Após receber a amostra, fazemos o cadastro e iniciamos a avaliação. Todos os frutos são avaliados em lupa para verificar a presença de sintomas da verrugose. Se forem identificados os sintomas típicos, fazemos lâminas dessa parte afetada no fruto e analisamos em microscópio ótico para verificar se encontramos os sinais do fungo, que são os esporos [conídios] hialinos e de formato alongado. Se identificadas as estruturas do fungo e validadas com base nas características morfológicas, a amostra é dada como positiva”, explica o engenheiro-agrônomo Leandro de Souza Rocha, supervisor do Setor de Gestão de Laboratórios da Embrapa Mandioca e Fruticultura e responsável pelo Laboratório de Fitopatologia.

Produtores atendidos

Para o engenheiro-agrônomo e consultor em citros sediado no Recôncavo Baiano Gabriel Pedreira da Paixão, a realização das análises pela Embrapa ajudou muito a cadeia produtiva da lima ácida tahiti da região. “Beneficiou produtores, responsáveis técnicos e comerciantes do setor em atender à exigência do Mapa. O primeiro ponto são a facilidade e a redução do custo com transporte das amostras aos laboratórios credenciados. Antes, tinham que ser enviadas a outros estados, como Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro”, explica Paixão, que também é responsável técnico habilitado para emissão de Certificado Fitossanitário de Origem (CFO) e do Certificado de Origem Consolidado (CFOC).

O custo do procedimento também é uma vantagem. “Ele é cerca de quatro vezes menor que outros laboratórios devido ao método de análise morfológica realizado na Embrapa ser mais rápido, utilizar menos recursos e ser tão eficiente quanto o método PCR [técnica da biologia molecular que amplia uma região específica de DNA]”, salienta.

Tecnologias para evitar a verrugose

Laranjeira alerta que algumas atitudes tomadas ainda no campo podem afastar a contaminação de frutos pela verrugose: a pulverização, no momento certo, com produtos adequados e registrados no Mapa; o monitoramento da área para retirada de material com sintomas e correto descarte; e a orientação à equipe de colheita para separação de frutos suspeitos. Já no packing house (casa de embalagem), o maior cuidado deve ser com a pré-seleção dos frutos. “Em todas essas etapas, os produtores podem contar com a transferência de tecnologias da Embrapa, como os tratos culturais, o sistema de produção e, inclusive, a capacitação dos auxiliares e técnicos do campo, como os pragueiros. Não existe variedade resistente à verrugose, mas todas essas tecnologias são úteis para se ter uma boa produção com menor risco de ocorrência da doença”, informa o fitopatologista.

No dia 11 de julho, em reunião com representantes da Abrafrutas e produtores e exportadores de lima ácida tahiti, ficou definido que a Embrapa Mandioca e Fruticultura vai oferecer apoio técnico para melhorar o manejo da doença no campo, de forma a reduzir a infecção dos frutos pelo fungo. “Também vamos aprimorar os testes laboratoriais de detecção do fungo para que sejam mais específicos para as espécies consideradas quarentenárias pela União Europeia. Em conjunto com a Abrafrutas, nos dispusemos a contribuir tecnicamente junto ao Mapa para aprimorar os protocolos aplicados para a exportação de lima ácida tahiti”, completa o pesquisador Eduardo Chumbinho de Andrade, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Pesquisa da Embrapa.

Foto: Léa Cunha
Foto: Léa Cunha

A doença

A verrugose ataca laranjas azedas, laranjas doces, tangerinas, tangores e limas ácidas e afeta os frutos durante os três primeiros meses de vida. As lesões no fruto maduro serão maiores quanto mais cedo o fruto for atacado. Além de depreciar seu valor comercial para o mercado de frutas frescas, as lesões que o fungo produz na casca dos frutos também servem de esconderijo para o ácaro-da-leprose, dificultando seu controle.

Quando a verrugose aparece nas sementeiras e viveiros, afetando os principais porta-enxertos utilizados na citricultura, o ataque é dirigido, preferencialmente, aos tecidos jovens, causando lesões salientes e ásperas em folhas e ramos novos. Os sintomas iniciais nas folhas, ainda transparentes, são pequenas manchas pontuais brilhantes e aquosas.

O controle deve começar, preventivamente, quando os frutos estiverem em início de formação, já que os frutos são suscetíveis até 12 semanas após a queda das pétalas.

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