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Pesquisadores brasileiros e europeus estão instalando sensores em experimentos-piloto e construindo uma plataforma computacional para a gestão inteligente da irrigação de precisão, baseada em internet das coisas (IoT, na sigla em inglês). Os testes localizados no Brasil, Espanha e Itália são conduzidos pela pesquisa internacional Smart Water Management Platform (Swamp), aprovada na 4ª Chamada Coordenada Brasil-União Europeia em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), em 2017.
A plataforma, baseada em tecnologia de ponta, integra uma rede de sensores sem fio que coletam dados agronômicos e de umidade do solo, em diferentes áreas e profundidades, e avaliam, por exemplo, a necessidade de irrigação das plantas. As informações são enviadas para computadores instalados nas propriedades agrícolas e de lá seguem para uma nuvem computacional, onde são armazenadas e processadas, com o objetivo de otimizar o processo de irrigação e o uso da água na agricultura.
Os primeiros experimentos já demonstraram a viabilidade e o potencial de reprodução do sistema no Brasil e no exterior. Para validar a tecnologia e analisar seu desempenho e escalabilidade, também houve uma simulação do uso de até 45 mil sensores para coleta de dados no campo e integração com outros modelos computacionais. Testes realizados nos três países apontaram, no entanto, a necessidade de modelos personalizados para o uso racional da água e a integração de diferentes tecnologias para que a aplicação da IoT seja adotada de forma generalizada na irrigação de precisão.
No Brasil, os pilotos estão localizados nas regiões Nordeste e Sudeste do País. No continente europeu, estão sendo realizados no norte da Itália, na região de Emilia-Romagna, e no sul da Espanha, em Cartagena. A pesquisa envolve 11 instituições, entre elas a Embrapa, a Universidade Federal do ABC (UFABC), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana “Padre Sabóia de Medeiros” (FEI), a Universidade de Bologna, na Itália, a Intercrop, da Espanha, e a VTT Technical Research Centre, da Finlândia.
De acordo com o professor da UFABC Carlos Alberto Kamienski, líder da pesquisa no País, a iniciativa é inovadora e coloca o Brasil no mesmo nível de países líderes em tecnologia de IoT aplicada à agricultura. Há várias pesquisas em andamento no exterior, mas ainda não há uma plataforma disponível no mercado. A expectativa é que o Swamp gere resultados que possam ser usados por outras empresas para a oferta de serviços aos produtores rurais, com impactos significativos na redução de custo e energia, melhorando a produtividade agrícola com sustentabilidade.
No fim do segundo semestre de 2019, começou a instalação de um experimento do projeto na região do Matopiba, que engloba os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. No campo, a equipe encontrou diversos obstáculos que dificultam o uso de IoT. Além da instabilidade de comunicação, a distância do escritório da fazenda ao pivô central (equipamento que executa a irrigação) e a distância da fazenda até o centro da cidade mais próxima estão entre os principais desafios, segundo relata o pesquisador da Embrapa Instrumentação (SP) André Torre Neto.
O desenvolvimento de softwares para aplicativos inteligentes baseados em IoT, totalmente automatizados, é outra necessidade importante para o avanço do setor. O especialista conta que faltam plataformas avançadas de software de IoT para automatizar os processos e integrar diferentes tecnologias, como a própria internet das coisas, análise de big data e computação em nuvem e de névoa para a implantação de aplicativos-piloto na gestão inteligente da água. A computação em névoa, no escopo do projeto, refere-se ao processamento de dados efetuado na propriedade rural, em equipamentos que agregam os dados coletados nos sensores.
“O projeto está usando tecnologia de ponta em computação, nas áreas de comunicação, plataforma computacional e computação em nuvem. A aplicação dessas tecnologias combinadas em questões relacionadas à irrigação é o foco do projeto, mas seguimos uma estratégia para que os resultados também possam ser usados em outros desafios da agricultura”, conta Marcos Visoli, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária (SP).
A plataforma de código aberto pode ser configurada e implantada de várias maneiras, com foco em diversos desafios, ou seja, deve ser flexível o suficiente para se adaptar a variados cenários e culturas, mantendo o esforço humano em um nível mínimo. Os cientistas contam que os quatro pilotos do Swamp fornecem diversidade suficiente para ajudar a entender os níveis de generalidade e especificidade a serem fornecidos por diferentes componentes de software.
“É possível formar diferentes sistemas como os preconizados no Swamp, personalizados para lidar com os requisitos e restrições de diversas configurações, países, climas, solos e culturas. Isso requer uma boa flexibilidade para se adaptar a uma gama de configurações de implantação envolvendo um variado conjunto de tecnologias”, afirma Kamienski.
O processo de implantação envolve desde coleta e transmissão remota de dados em tempo real por meio de tecnologias de comunicação sem fio, armazenamento em nuvem, até a integração com dados de diferentes experimentos para diversas culturas e regiões. Também é preciso garantir a segurança das informações, com criptografia, o compartilhamento e o acesso via internet pelas equipes brasileira e europeia.
Em paralelo às simulações computacionais, foi instalada uma versão simplificada para testes baseada na mesma arquitetura Swamp, mas usando um conjunto de sensores, em um ambiente de experimentação do Laboratório de Referência Nacional em Agricultura de Precisão da Embrapa (Lanapre), localizado em São Carlos (SP). Para realizar o estudo, os pesquisadores desenvolveram sondas multiparamétricas para sensoriamento do solo, que incluem sensores de umidade, temperatura e condutividade elétrica em três profundidades.
No Matopiba, o desafio do projeto é implementar um sistema de irrigação inteligente baseado em Irrigação de Taxa Variável (VRI), visando à redução do consumo de energia, que representa até 30% do custo de produção com grãos, como soja e algodão. De acordo com Torre Neto, que participa do projeto com o desenvolvimento de sensores sem fios, o VRI é capaz de fornecer o mesmo rendimento com cerca de 30% do volume de água normalmente usado ou até 50%, dependendo do tipo de solo, o que diminui o custo de energia.
O conjunto de sensores desenvolvidos pela Embrapa e testados em São Paulo foi adaptado para implantação em uma fazenda da região do Matopiba produtora principalmente de algodão e soja. O principal desafio é trazer os dados em tempo real do campo para a nuvem e gerar os modelos para fazer estimativas, considerando a umidade do solo e o estado fenológico das plantas. Os resultados vão contribuir para aperfeiçoar os modelos usados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), baseados apenas nos índices pluviométricos, ou seja, sem considerar as condições de solo e o estágio de crescimento das culturas.
Já o experimento-piloto na Região Sudeste é realizado na Vinícola Guaspari, localizada na Serra da Mantiqueira, no município de Espírito Santo do Pinhal (SP), que está utilizando sensores instalados na área de produção de videiras. A proposta é realizar medições automáticas do conteúdo de água do solo em diferentes profundidades e fornecer informações rápidas e precisas para o manejo da irrigação, de acordo com o pesquisador da Embrapa Instrumentação Luis Henrique Bassoi, que, com o analista Ednaldo José Ferreira, também integra a equipe.
No continente europeu, os experimentos estão sendo realizados com infraestrutura de comunicação e armazenamento em versões simplificadas em comparação às usadas nos cenários do Matopiba e da vinícola. No norte da Itália, o principal desafio do piloto conduzido pelo Consórcio de Bonifica Emilia Centrale (CBEC), responsável pela irrigação e drenagem de água na região de Emilia-Romagna, é otimizar a distribuição de água.
O intuito é aumentar o uso desse recurso que passa pelos canais, com base na demanda real de irrigação proveniente de três fazendas selecionadas que usam diferentes sistemas de irrigação e cultivam vinhas e peras. “Isso permitirá que o CBEC reduza significativamente o desperdício de água e a energia usada em bombas, por meio de práticas avançadas de gerenciamento, e otimize a irrigação monitorando o balanço de água na fazenda”, comenta Kamienski.
Na Espanha, o piloto está localizado em Cartagena, nas dependências da Intercrop Iberica. Lá, o desafio do projeto é diminuir a quantidade de água usada na irrigação e aumentar o rendimento por quantidade de água, evitando desperdício e reduzindo os custos operacionais e ambientais. Duas safras são cultivadas na mesma estação na parcela selecionada para o experimento – espinafre e alface. As duas hortaliças são irrigadas por sistemas de aspersão e gotejamento portáteis, respectivamente.
Torre Neto lembra que Cartagena, embora esteja localizada na costa, enfrenta um sério problema de escassez de água por estar em uma região semiárida, com estação de chuvas muito curta. Parte da água é oriunda de uma usina de dessanilização. “Diferentemente dos outros projetos, no piloto Intercrop a área de plotagem é inteiramente dedicada aos experimentos com IoT e irrigação. Por isso, o grau de liberdade é maior e os riscos podem ser assumidos com consequências negativas menores. O nível de precisão da irrigação é bem maior, porque trabalhamos com culturas menores e temporárias, o que requer monitoramento mais detalhado”, revela.
Os pesquisadores estão melhorando os cenários de implantação da plataforma, relatando o trabalho geral da abordagem Swamp nos pilotos, incluindo a experiência com modelos e análises de irrigação e de desempenho mais avançadas. O projeto busca desenvolver e aperfeiçoar tanto os conceitos, como arquitetura, plataforma, pilotos e implantação da solução para aplicações de gerenciamento inteligente de água, de forma colaborativa, inclusive com o uso de drones para coleta de dados.
A expectativa é que até meados de 2020 todos os pilotos já estejam funcionando e os modelos de estimativa de água operando para indicar quando e quanto irrigar em cada região estudada. Esses indicadores podem representar uma economia considerável, com otimização na distribuição dos recursos hídricos, já que apenas na Itália há um desperdício de cerca de 80% da água retirada dos canais para irrigação das culturas agrícolas.
As avaliações da arquitetura proposta por meio de simulações estão relatadas no artigo “Smart Water Management Platform: IoT-Based Precision Irrigation for Agriculture”, assinado por pesquisadores brasileiros e europeus e publicado no periódico internacional Sensors, líder em acesso aberto sobre ciência e tecnologia de sensores e biossensores. O trabalho é uma versão expandida do apresentado em 2018, durante a 2ª Cúpula Global da IoT, realizada em Bilbao, na Espanha.
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